“Gostaria aqui de reafirmar de viva voz que, como seguimento de uma avaliação própria, resultante de uma reflexão sobre as minhas condições de saúde, e as exigentes correspondências às responsabilidades que tenho vindo a assumir enquanto secretário-geral do PCP, coloquei a minha substituição nestas funções, mantendo-me como membro comité central", disse Jerónimo de Sousa, a partir da sede do partido, em Lisboa.

Tendo contado com a “compreensão do conjunto dos órgãos da direção do PCP”, líder comunista diz que após a ter ocorrido a “devida auscultação”, ficou para 12 de novembro a discussão da proposta para novo líder, que vai ser votada em reunião da direção do Comité Central após a conclusão dos trabalhos do primeiro dia da Conferência Nacional, que se realizará em Corroios, Seixal.

"Mantive-me com todas as forças que tinha", sublinhou Jerónimo de Sousa, lembrando o rigor físico das campanhas eleitorais, onde os próprios jornalistas lhe perguntavam se ele não se cansava.

Jerónimo de Sousa adiantou também que não continuará como deputado da Assembleia da República, justificando-o com a necessidade do PCP de reforçar a bancada parlamentar".

"Naturalmente, há aqui uma alteração qualitativa das minhas capacidades. Tendo em conta a dimensão da nossa bancada… Não se compadece com ausências momentâneas”, sustentou Jerónimo de Sousa, depois de ser questionado pelos jornalistas sobre a permanência enquanto deputado.

O antigo deputado e jovem dirigente comunista Duarte Alves é o nome seguinte na lista de candidatos à Assembleia da República pelo círculo eleitoral de Lisboa, por onde Jerónimo de Sousa foi eleito. Inicialmente sem mencionar o nome de Duarte Alves, o líder cessante referiu: “Posso afirmar que estamos em condições de avançar com uma solução dinâmica.”

No entanto, mais tarde na conferência de imprensa, o dirigente comunista clarificou que Duarte Alves, de 31 anos, é o nome proposto para o substituir e que tem provas dadas do até agora curto trabalho que desenvolveu no parlamento.

Questionado sobre quando está a pensar deixar oficialmente o parlamento e para quando reserva a sua última intervenção em plenário, Jerónimo de Sousa admitiu não fazer mais intervenções.

Quanto ao seu futuro substituto, caracterizou Paulo Raimundo como "um camarada de uma geração mais jovem", com um percurso de vida marcado por uma experiência diversificada" e que está "preparado para uma responsabilidade que associa a dimensão pública com a ligação, contacto e identificação com os trabalhos e as massas populares, com o trabalho do partido, as suas organizações e militantes.”

Já durante o período de questões, Jerónimo de Sousa alongou-se nos elogios e nas justificações para a escolha de Paulo Raimundo, um “camarada estudioso”, que “conhece os problemas” e há muito tinha “tarefas de reforço da organização do partido”. “É um homem sensível que compreende as coisas de uma forma célere, é um camarada modesto, que ouve muito os outros”, completou.

Paulo Raimundo é um conhecido nas bases comunistas, mas o universo de eleitores é muito maior e para captar mais votos e reforçar o partido nessa dimensão o futuro secretário-geral terá de se mostrar: “Não se pode ser conhecido se, naturalmente, não aparecer. Quem não aparece esquece”, disse.

O próximo líder, de 46 anos, “é uma solução segura, uma solução que corresponde às necessidades” do partido centenário. “Tenho a profunda confiança de que ele vai ser capaz de dar conta do recado […]. Paulo Raimundo tem uma garantia que poucos podem ter”, reforçou.

No entanto, Jerónimo de Sousa admitiu que o seu sucessor não foi unânime entre os quadros do Comité Central, antes sendo escolhido por uma "ampla convergência".

"Em relação à solução quero dizer que houve uma ampla convergência, não quero dizer unanimidade porque o rigor dos números nesta matéria é importante, mas uma ampla convergência em relação à solução", afirmou Jerónimo de Sousa, em conferência de imprensa, na sede do PCP, em Lisboa.

O secretário-geral cessante do PCP acrescentou que quando o nome de Paulo Raimundo foi proposto pelos organismos executivos "houve alguma surpresa no Comité Central, mas a tal grande convergência manifestou-se de uma forma inequívoca".

"Quem propõe é um elemento dos organismos executivos. A proposta começou a ser trabalhada no Secretariado, acompanhamento da Comissão Política, pronunciamento da Comissão Política, do Secretariado, reunião conjunta e a proposta do camarada Paulo Raimundo", descreveu.

Segundo Jerónimo de Sousa, houve uma "profunda compreensão" em relação à sua opção de deixar as funções de secretário-geral e "uma grande unidade e coesão na direção do partido em relação à solução" para o cargo de secretário-geral.

"O Comité Central resolveu concordar comigo em termos de substituição na tarefa aplaudindo-me quatro minutos de pé", referiu.

"Sabe mesmo muito bem sentir o abraço solidário afetivo dos meus camaradas da direção do partido, tal como os militantes, os amigos do partido e muitas vezes alguns até diria adversários que mantêm essa linha de consideração e de respeito como um valor ético importante também na política", declarou Jerónimo de Sousa.

Jerónimo realça que sai como entrou no plano financeiro e deixa críticas ao PS

Começando o seu discurso por ler as conclusões da reunião de ontem do Comité Central, Jerónimo de Sousa traçou um cenário negro para a situação política nacional, acusando o Governo de "total inércia" no último ano para preparar o país para o atual panorama social e económico.

Segundo o secretário-geral do PCP, o executivo de António Costa fez "ouvidos moucos" e revelou total "surdez" perante os avisos do PCP, arriscando levar agora "empurrar rapidamente o país para a recessão económica".

Jerónimo de Sousa acusou o executivo chefiado por António Costa de "total inércia" em relação à subida do custo de vida, e em particular à especulação de preços, de estar "cada vez mais inclinado à direita" mostrando a sua "natureza de classe" e de fazer um "corte nas pensões" ao não aplicar a fórmula legal para os aumentos em 2023.

Questionado sobre como recordará a chamada "Geringonça", entre 2015 e 2021, período em que o PS assumiu a governação e aprovou orçamentos com apoio parlamentar de PCP, Bloco de Esquerda e Partido Ecologista "Os Verdes", Jerónimo de Sousa respondeu que "é uma experiência que deve ser considerada desde raiz".

"A direita ficou em minoria na Assembleia da República. A direita foi demitida num entendimento que existiu – foi ali, numa sala aqui ao lado – em que nós considerámos que o PS só não fazia Governo se não quisesse", disse, referindo-se às legislativas de outubro 2015

Segundo Jerónimo de Sousa, nesse período de governação "avançou-se com coisas muito importantes" em termos de política de rendimentos e serviços públicos como os transportes, apesar de o PS estar "sempre muito contrariado e recuado" em relação às propostas do PCP.

Legislação laboral, salários e saúde foram matérias de divergência e as objeções do PS levaram ao voto contra a proposta de Orçamento do Estado para 2022, há um ano.

"Mas estivemos certos quando se tratou de afastar a direita do poder, estivemos certos nos passos adiante em matérias tão importantes", considerou.

No seu entender, o PS liderado por António Costa conseguiu "aquilo que sempre desejou, designadamente o processo de eleições antecipadas e a maioria absoluta".

"E agora, o que é que o PS faz com esta maioria absoluta? O que está a fazer não é brilhante. O que está a fazer merece uma profunda crítica e alerta dos portugueses neste quadro nacional e internacional. Veremos o futuro", concluiu.

O secretário-geral cessante do PCP ressalvou que "em relação ao PS e em relação ao António Costa não houve um problema de relacionamento institucional".

"As relações pessoais mantêm-se intocáveis, as relações políticas ficaram mais tensas", resumiu.

Jerónimo de Sousa declarou-se "de consciência tranquila" após 18 anos à frente do partido: "Porque saio como entro, no plano económico, no plano financeiro, independentemente da atribuição desta ou daquela subvenção, que não é para mim, naturalmente".

Jerónimo de Sousa, 75 anos, abandona a liderança do partido, após perto de 18 anos no cargo.

"Destaca-se, neste momento, a grande dedicação e empenho com que assumiu estas elevadas responsabilidades por um longo período, exemplo de compromisso com o ideal e projecto do PCP, ao serviço dos trabalhadores, do povo e do país, da paz, da amizade e solidariedade entre os povos, bem como a disposição de prosseguir a sua acção militante", assinalou o PCP.

No comunicado, enviado pelo gabinete de imprensa comunista, a direção do PCP acrescenta que o partido "no quadro do seu funcionamento coletivo, com as responsabilidades individuais que lhe são inerentes" e "dotado das conclusões da Conferência Nacional, prosseguirá e intensificará a sua ação".

Quanto ao substituto de Jerónimo de Sousa na Assembleia da República, Duarte Alves, economista de profissão, era um dos mais jovens deputados na última legislatura. Depois de falhar a eleição nas legislativas de janeiro de 2022 começou a desempenhar funções de assessor parlamentar na bancada comunista. A nível parlamentar ficou conhecido pela sua intervenção na comissão de inquérito às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.