“Tudo à Pressa”. O nome inscrito nas camisolas amarelas é enganador. Nada é feito à pressa. Nada é feito ao acaso.

A Igreja de Santa Joana Princesa, perto da Avenida Estados Unidos da América, em Lisboa, foi o ponto de partida para um grupo de cerca de 500 pais, mães e filhos reunirem-se, a partir das 10h00 de sábado, para dar início a uma caminhada que os levou até ao Parque Tejo, denominado Campo da Graça.

Ali almoçaram, assistiram à Vigília, jantaram e pernoitaram noite dentro. Acordaram e assistiram à Missa de Envio no dia seguinte. Mais de 24 horas juntos e, pode dizer-se, a sós.

São casais católicos habituados a dar o seu tempo às semanas dos campos de férias que monitorizam um pouco por todo o país. Tiram férias para proporcionar momentos únicos e diferentes aos miúdos que recebem.

Marta é uma das mãos destes campos. E uma das vozes de comando deste campo onde cabem todos os campos que fazem pelo país. O “Tudo à Pressa” foi o nome que nos lembrámos quando, no meio da organização dos campos que fazemos, temos de acelerar o pensamento e a ação”, disse ao SAPO 24, que os acompanhou nesta “jornada”.

“Tudo à Pressa”. Não é o “Maria Levanta-te e Apressa-te”. Tudo foi feito a seu tempo e com tempo, uma logística preparada ao milímetro e com antecedência. A pressa não foi, não é, nem será, inimiga do bom. Aqui, casou, casa e casará com a rapidez de execução e perfeição que se pede e exige.

Check-in para 500 peregrinos

Enquanto no check-in, Marta verificava os nomes (“cerca de 500”), Bernardo estava de olho no número de mochilas encarnadas e t-shirt amarela de identificação do grupo a entregar a cada um dos peregrinos já inscritos e munidos da credencial.

As mochilas identificadas pelo dístico “Jornada Mundial da Juventude 2023 - JMJ 2023”, guardavam uma garrafa de água, um chapéu branco e uma t-shirt verde ou encarnada das JMJ 2023.

Maria verificava, sentada, os nomes completos porque há muitas Marias na terra. A gravidez impediu-a de seguir a caminhada na companhia dos seus companheiros de campos. Gonçalo, de pé, sorridente, reencaminhava quem chegava para a mesa onde se pronuncia o nome próprio e de família. Recordou as palavras do Papa Francisco na véspera e os desafios lançados à juventude. Para se envolverem nas questões ambientais, no lado social e na economia. E, acima de tudo, para que todos não tenham vergonha de ser católicos.

Joana distribui as fitas das credenciais. Miguel, na mesa, riscava quem já está pronto a caminhar. Pedro anuncia que os dois filhos, praticantes de râguebi, regressarão em forma no início da época, em setembro, após este percurso.

João, menor de idade, chegou acompanhado de Vicente, o irmão mais novo. A noite, ao relento, foi o prenúncio das férias que se seguem amanhã, período de descanso estival, adiado por 24 horas. Alice, a teenager voluntária paroquial, pendurou durante 24 horas a função que lhe coube quase uma semana; agora será Duarte a empurrar a cadeira de rodas do Lourenço e  um dos responsáveis para chegue a bom porto, até às margens do Rio Tejo.

Ao megafone, Marta faz a (re) chamada de nomes que não tinham feito o chek-in. Sentados no chão, costas amparadas na parede, são informados por Leonor do procedimento a ter a partir de então: “Seguir sempre a bandeira amarela, esta segue sempre levantada”, indicou.

O Padre Bernardo, atual líder espiritual dos campos SAIREF e antes disso nos campos dos CARAÇAS acompanhou a peregrinação até ao Campo da Graça. “Esta é a junção dos campos férias. Fomos buscar miúdos dos campos, os que estavam nas paróquias, famílias e casais, o máximo de jovens e famílias”, explicou numa troca de palavras com o SAPO 24.

A caminhada da mancha amarela que tocou todas as cores do arco-íris

11h30: hora da partida. Uma enorme mancha amarela desceu a Avenida Estados Unidos da América e subiu a Almirante Gago Coutinho. 45 minutos de “pára e arranca”, comboio humano intermitentemente “quebrado” para dar passagem às passagens de peões, sinais e semáforos, sempre supervisionado por vozes de comando.

Mochilas, sacos-cama e esteiras para dormir foram adornos de todos os caminhantes. Às costas, e nas mãos, água, sumos, alimentos e um retângulo acolchoado são commodities mais valiosas que o preço dos combustíveis em Portugal. A água, e o café, como se verá mais à frente, atingiu preços “desproporcionalmente exagerados”.

Sendo a fé o fio condutor, duas crianças carregam às costas uma outra religião – futebol – e uma paixão (Sporting Clube de Portugal), não confundível, mas aceitável ou não fosse o Papa Francisco um confesso adepto da bola redonda.

A 2.ª Circular de Lisboa é vizinha da caminhada por instantes. Uma pausa debaixo de sombra de árvores retemperou forças, forças essas que saíram redobradas com a visão da multiplicação dos grupos. Foram às centenas, encruzilharam-se pelo caminho que liga a Avenida de Berlim até ao Estádio do Olivais e Moscavide, local de nova paragem.

Na Avenida D. João II outros mundos apresentaram-se ao grupo do “Tudo à Pressa” no caminho para o Campo da Graça. Milhares de bandeiras, centenas de países e dezenas de línguas reunidas para ouvir a singular voz plena de humanismo, a de Sua Santidade.

O amarelo distintivo há muito que se diluí noutros padrões cromáticos e diversos pantones. E levou ao engano, à medida que o grupo se aproximava da Via Oriente, local de nova pausa e reagrupamento.

É que a quinta cor do arco-Íris – que transmite luz, calor, descontração, otimismo, alegria e felicidade – foi também ela o tom escolhido pelo gigantesco grupo de voluntários presente durante toda a JMJ 2023.

Sem o “V”, de Voluntário, nas costas, o grupo de cerca de 500 peregrinos têm um invisível “A” escarrapachado no rosto. O “A” de ajudar.

 Litro de água mais caro que um litro de gasóleo

A caminhada foi longa e demorada. Os passos não são perdidos, são, antes, bem medidos e certos daquilo que os levou a juntar-se da despedida do Papa Francisco.

O calor apertava e a água (fresca) revestia-se de bem mais do que essencial.

Os restaurantes a caminho do Colégio Pedro Arrupe viram nas JMJ 2023 uma oportunidade de negócio. Uns deixaram-se levar pelo pecado da avareza e colocaram garrafas de água à venda entre 1,5 a 4 euros. Outros, procuraram a redenção e o perdão da especulação anunciada e acederam a baixar o 1,90€ do café para a moeda única de euro, graças ao pedido da peregrina Maria (há muitas Marias em peregrinação).

“O António Costa bem diz que o preço do metro quadrado em Lisboa é muito caro”

15h15. Entrada de um dos corpos em que o grupo se tinha divido perante o tsunami de multidão a confluir para o segundo e último check-point. “Atribuíram-nos este setor, o A5, há 2 meses”, informou Marta.

Procurar gente de amarelo era jogar ao “Onde está o Wally”. Em pequenos grupos levantam os olhos em busca da sinalética dos seus. Vestidos de amarelo, foram, muitas vezes, eles mesmos, confrontados com as perguntas que estavam a fazer. “Pode-me ajudar, Can you help me, puedes ayudarme, puoi aiutarmi, pouvez-vous m'aider”, escutava-se a cada esquina dos setores.

Ali chegados, a luta pelo milímetro de relva não foi fácil. “O António Costa bem diz que o preço do metro quadrado em Lisboa é muito caro”, gracejou o jovem monitor Francisco.

Aos poucos, as esteiras começaram a conquistar terreno no meio de um Woodstock um milhão e meio de vezes mais católico que o original, mas igualmente marcante para o 1,5 milhões de pessoas concentradas entre a “Expo” e a Póvoa de Santa Iria.

Os menos jovens montaram os pequenos bancos transportáveis e taparam-se do sol com a ajuda dos guarda-chuvas. Outros acompanharam os ritmos dançantes ao som da energia dos mais jovens e das várias músicas-ambiente perdidas na imensidão dos 100 hectares.

Situados no lado esquerdo do palco-altar, bem visível à vista desarmada, a vista de rio (e da ponte Vasco da Gama) deste metro quadrado não tem preço para quem professa a fé. Partilham esse valor incomensurável com todo o milímetro do espaço reservado a todos.

“Ninguém fica para trás”. O momento em que Lourenço “sentou-se” ao lado do Papa

A entrada de Jorge Mario Bergoglio sentado no Papamovel foi  recebida com uma explosão de alegria pela "juventude do Papa". Cada metro percorrido foi recebido com acenos e “vivas”.

Na subida do Papa Francisco ao palco-altar, Lourenço, sentado na cadeira de rodas, impossibilitado de testemunhar o momento, foi elevado até onde os braços de quem o ajudou conseguiu alcançar.

O sorriso no mesmo paralelo de Sua Santidade, num gesto de ilusão espiritual como se estivessem sentados frente a frente, valeu todas as expressões de felicidade. “É isto o Tudo à Pressa. É isto o SAIREF (e Carraças). Ninguém fica para trás e levámos o Lourenço ao Papa”, gravou numa mensagem de WhatsApp o sentimento de todo um grupo, personificado nas palavras escritas de Marta.

Fim da Vigília, início de música. Corridas às casas-de-banho e tentativas erro para caber nos sacos-cama que outrora delimitaram o espaço para pernoitar.

José celebrou a primeira década de vida na passagem das 12 badaladas. Esperou pela mudança do dia para se deitar resistindo ao barulho e as luzes. João (o irmão do Vicente) assinalou a falta de espaço para esticar os 1,85m de altura. “Foi duro, mas bom”, resumiu com a inocência dos 16 anos. Laura acordou no instante em que o Sol se encavalitou nas costas do Rio Tejo. Um momento fotográfico que aproveitou juntar às suas memórias.

Cinco minutos antes da hora marcada (8h55), arranque da Missa, comunhão feita por largas dezenas de padres espalhados pelos setores e identificados pelos chapéus de chuva, anúncio da nova cidade e país das JMJ – Seul, Coreia do Sul.

Fim de Missa às 10h35.

A multidão despede-se de Francisco. Ordeiramente o acampamento começa a ser levantado. No setor A5, lentamente, cada um dos elementos do grupo “Tudo à Pressa”, pais, mães e filhos, despede-se à distância de meia dúzia de metros quadrados de outros pais, mães e filhos. Em grupos de casais seguem a pé (ou de transporte) para a “Casa de Partida”. Já fora do recinto, Rita e Francisco despedem-se do SAPO 24 e perguntam se há boleia para três. O pedido foi, infelizmente, recusado por overbooking da viatura. 7, num carro de 5. Mas, tal como no “Tudo à Pressa”, ninguém ficou para trás.

* Crónica dedicada aos meus amigos Marta e Bernardo por repetidamente abrirem-me esta porta