"Hoje em dia, pouco se fala de Deus na esfera pública e nós, como sociedade, estamos sempre a dizer que o futuro são os jovens. A juventude tem os próximos líderes e às vezes há falta de oportunidade para que os jovens se pronunciem". É assim, entre a necessidade de falar de Deus e de ouvir os jovens, que Khalid Jamal, membro da Direção da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL), começa por explicar a importância da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que está a ser recebida "com um enorme entusiasmo" apesar das diferenças entre muçulmanos e cristãos.
"Este evento é, acima de tudo, independentemente da sua matriz católica, e da sua natureza mais espiritual, uma excelente oportunidade para que os jovens possam partilhar as suas inquietações", diz ao SAPO24.
Por isso, "os jovens portugueses que professam a religião islâmica não podiam perder" a JMJ mesmo que se associem a tudo o que vai acontecer de "de forma indireta".
"Muitos dos nossos jovens vão estar envolvidos como voluntários e vão participar na jornada, embora não participem naquilo que são as celebrações mais eucarísticas ou litúrgicas, ou seja, naquela feição sacramental", justifica Khalid Jamal, que também vai estar presente a nível individual em alguns dos principais momentos.
Mas destaca um deles. "Vou estar presente na Vigília, que acho que vai ser um momento inspiracional para todos nós", justifica. "Vou estar como observador; estando numa missa ou numa vigília até posso estar a fazer a minha oração, mas não estou em oração conjunta com pessoas de outras fés. Estou lá solidário e a observar este clima de emoção que se vai viver naquele momento", explica.
O que o leva a participar na JMJ é, também, a certeza que muito tem vindo a repetir ao longo do tempo: as diferenças entre católicos e muçulmanos não são assim tantas. E é esse também o motivo que leva um grupo de muçulmanos a manter a Mesquita Central de Lisboa de portas abertas, tal "como o templo da comunidade hindu, o centro Ismaili e outros para além das igrejas, para visitas guiadas", entre os dias 1 e 3 de agosto.
"Embora a jornada seja um evento que nasce por iniciativa do Papa João Paulo II, e que de certa forma convoca os jovens a estimularem a sua espiritualidade, não se circunscreve aos jovens católicos. No fundo, a mensagem seria para todos os jovens", começa por apontar.
"Nós e os católicos temos mais em comum do que aquilo que nos diverge. Temos o mesmo Deus comum, estamos unidos por laços de fraternidade, pelo pai Abraão. Depois há para nós o profeta Jesus e para os católicos já é Deus feito homem. Salvaguardando as nossas diferenças, é plenamente possível conviver num espaço comum e até partilhar o espírito fraterno, de amizade e de irmandade que se vai viver nesta jornada", refere Khalid.
Para estes ideais contribui muito a postura do Papa Francisco, "essencialmente pela universalidade e pelo amor que a sua mensagem encerra".
"Ao contrário de outros papas, que porventura, não sublinhavam tanto a união que os crentes devem ter, o Papa Francisco tem-nos habituado a uma mensagem em que ele próprio assinala aquilo que é o denominador comum dos seres humanos. Por isso, independentemente de eu não ser cristão, revejo-me na grande parte das mensagens que ele deixa. Nesse aspeto, acaba por ser um Papa muito amigo de todos, também dos muçulmanos", conclui.
A CIL vai estar também presente "num conjunto de iniciativas que se vão realizar na jornada, em tudo aquilo que liga o diálogo inter-religioso", e os seus líderes vão participar "nas receções e nos momentos em que haja também dirigentes de outras confissões religiosas", remata Khalid.
A Mesquita de Lisboa estava também disponível para acolher cerca de 50 peregrinos, mas tal não se chegou a concretizar depois da alocação dos diferentes grupos.
Diálogo inter-religioso na JMJ
O programa da JMJ Lisboa 2023 contempla espaço para o diálogo inter-religioso, confirmado desde o início pelo desafio às diferentes confissões para a participação no encontro.
Desde o início, a mensagem passada pela organização é clara: “É um convite do Papa aos jovens de todo o mundo, não apenas aos católicos.” Neste contexto, são diversos os pontos da agenda dos próximos dias em que outras igrejas cristãs e outras confissões religiosas farão parte da JMJ.
No campo da chamada “Unidade dos Cristãos”, a organização da JMJ lembra que “várias confissões religiosas partilham a mesma fé cristã”, com Jesus no centro da sua ação.
No âmbito da JMJ, serão vários os locais e eventos onde se encontrarão testemunhos desta unidade, começando pela abertura da Catedral de São Paulo, na Rua das Janelas Verdes, sede da Igreja Lusitana, que integra a Comunhão Anglicana. A comunidade anglicana de língua portuguesa acolhe visitas à igreja e ao claustro durante Jornada.
Outra comunidade anglicana, a de língua inglesa em Lisboa, a Igreja de S. Jorge, junto ao Jardim da Estrela, terá animação, oração e palestras ao longo de toda a JMJ.
Já na Basílica da Estrela, estará sediada, durante estes dias, a comunidade “Chemin Neuf” (Caminho Novo), de cariz ecuménico, fundada pelo padre jesuíta Laurent Fabre, em 1973, e que conta com cerca de 2.000 membros permanentes em 30 países.
Outra comunidade ecuménica, a de Taizé, fundada em 1940, em França, pelo Irmão Roger Schutz, terá atividades na Igreja de São Domingos, com acolhimento contínuo em torno da meditação e da liturgia monásticas.
Em paralelo, a Sociedade Bíblica de Portugal (evangélica) tem patente a exposição “eKologia”, no âmbito do Festival da Juventude, e no Estádio da Luz, membros da Aliança Evangélica Portuguesa, em conjunto com a Renovação Carismática Católica e o Patriarcado de Lisboa promovem, na noite de 04 de agosto, após a Via-Sacra presidida pelo Papa no Parque Eduardo VII, o programa “The Change 2023”.
A organização classifica este espetáculo no Estádio da Luz como “um momento (…) de comunhão, amor e salvação”, com católicos e protestantes juntos.
Porém, o diretor do departamento para relações ecuménicas e o diálogo inter-religioso do Patriarcado de Lisboa, padre Peter Stilwell, no diálogo estabelecido com as outras confissões religiosas, preparou um itinerário de visitas disponíveis aos peregrinos da JMJ, que mostra Lisboa como “um dos portos maiores e mais seguros da costa atlântica da Europa”, onde “conviveram culturas e religiões”.
Neste contexto, sete espaços estão abertos para os “conduzir pela arte e pela arquitetura à dimensão espiritual que assinalam”, explica a organização.
Estes espaços são a Igreja de Santa Maria Maior (Catedral de Lisboa), Igreja de São Domingos, Igreja de São Roque, Sinagoga Shaare Tikvah (“Portões da Esperança”), Mesquita Central de Lisboa, Centro Ismaili e Templo Radha-Krishna.
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