“A saída dos Estados Unidos, além de criar um vazio político que permite a liderança chinesa a nível global, como é óbvio, de facto não tem assim um impacto muito grande, porque o que se consegue consegue-se com políticas domésticas”, defendeu José Eduardo Martins em declarações à agência Lusa, à margem de um seminário em Macau sobre o Acordo de Paris, que começou na quarta-feira em Macau.

“Os Estados Unidos deram um passo para trás na possibilidade de liderança sem capital que exerciam no mundo pelo exemplo e pela moral. A União Europeia é um bloco muito dividido e, portanto, a China emerge como o ator do futuro nesta matéria”, observou.

Para o antigo secretário de Estado do Ambiente português também “é bom que assim seja”, uma vez que “quem caminha para uma hegemonia comercial e económica obviamente vai ter que pensar no futuro com uma mudança de paradigma energético e até de consumo”.

“Quem quer liderar daqui a 100 anos não anda para trás”, enfatizou, defendendo que a saída de Washington configura antes um problema para os próprios Estados Unidos e uma “oportunidade” para outros blocos.

A retirada acaba por configurar “um retrocesso no quadro mental que havia antes de Quioto: ‘de dizer que se os outros não fazem eu também não faço’”, contextualizou José Eduardo Martins, apontando que “quem pensa a longo prazo [como a China] sabe que estas coisas são inescapáveis”.

O Acordo de Paris, que entrou em vigor a 04 de outubro, contempla a meta de não ultrapassar os 2°C (centígrados) de aquecimento global no final do século – definido como um nível crítico do equilíbrio climático global – e tem por objetivo limitar a subida da temperatura a 1,5ºC para manter um risco mais baixo de alteração do clima.

“Andámos durante 20 anos à volta do Protocolo de Quioto e (…) acho que nos iludimos e criámos demasiadas expetativas em torno dos objetivos obrigatórios e da ideia de que toda a gente tem que ter uma meta e que essa meta vai ser fiscalizável pela comunidade internacional [e] sem a qual vai haver sanções. É bem-intencionado, mas é esperar, porventura, demasiado do Direito Internacional”, observou.

Neste sentido, “o que teve sucesso em Paris foi a ideia, sim, do reporte, fiscalização e vigilância que exercemos uns sobre os outros”, porque “é uma questão de transparência”, mas o poder de executar “continua a ser uma capacidade nacional”.

“É da decisão de cada Estado e em particular dos Estados que têm um impacto mundial tão grande, como a China, que nós vamos conseguir dar passos em frente”, realçou José Eduardo Martins.

“O que é importante em Paris não é que as contribuições nacionais sejam vinculatórias – porque não são –, mas que estejam lá” e “haja uma unanimidade internacional”, afirmou, destacando “a consciência comum universalmente aceite do Acordo de Paris”.

Olhando para a China, José Eduardo Martins recordou que os próprios dirigentes querem voltar a ver o céu em Pequim, o que “conta muito”.

Em março, na abertura da sessão anual da Assembleia Nacional Popular, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, prometeu que os céus da China, que sofre de uma poluição crónica fruto de três décadas de desenvolvimento acelerado, voltarão a ser azuis.

“Acho que há aqui uma consciência de que se foi demasiado longe e uma capacidade de adaptação que poucos Estados têm”, realçou José Eduardo Martins.