Além de Portugal, com 4,8%, apenas cinco países da União Europeia têm representação comunista nos parlamentos nacionais: Chipre (28,57%), Bélgica (8%), Grécia (5%), Espanha (1,4%) e França (1,8%). Nos restantes Estados-membros, os partidos comunistas perderam representação nas décadas de 80 e 90. No caso dos países de Leste, nenhum dos que fizeram parte da União Soviética ou da sua esfera de influência tem representação.
Em Portugal, o partido liderado por Paulo Raimundo continua a ter relevância, sobretudo através das forças sindicais, mas os resultados eleitorais mostram algum declínio. Afinal, o que faz com que o Partido Comunista Português tenha vindo a resistir à maioria dos seus congéneres europeus e que semelhanças ainda mantém com o PCP de Álvaro Cunhal?
José Neves, professor do Departamento de História da Nova FCSH e que tem como áreas de investigação a História das Ideias Políticas e dos Movimentos Sociais, a História dos Comunismos e Estudos sobre Nacionalismo, deixa uma declaração de interesses, é apoiante da CDU, e explica que comunismo é este e porque se mantém.
O que é o comunismo, qual a marca d'água desta ideologia?
O comunismo é uma ideia política com uma história já longa, que emerge na sua forma mais doutrinária e ideológica em meados do século XIX, com antecedentes históricos que nos podem remeter à Revolução Francesa, ou a algumas expressões da Revolução Francesa, mas também a formas de organização social, cultural, política e económica anteriores.
Aquilo que normalmente consideramos é que o comunismo é um dos protagonistas da época contemporânea em que vivemos, em particular do século XX, em grande medida a partir da Revolução Russa de 1917 e do eco global que vai ter. Que, de alguma maneira, vai ao encontro da emergência de um novo actor, que é o movimento operário, nos países onde a industrialização e a urbanização estão mais desenvolvidos.
Depois, ao longo do século, o comunismo adquirirá outros rostos, outras expressões, nomeadamente a partir do momento em que se articula, de forma muito comprometida e consequente, com as dinâmicas anticoloniais e anti-imperialistas. Depois temos a Revolução Chinesa, em 1949, e um conjunto de manifestações políticas e sociais numa série de países sul-americanos e também no contexto africano, já na ligação daquilo a que chamamos o terceiro mundismo.
A história do movimento comunista dentro de cada país é feita de debates internos, debates muitas vezes fratricidas
O comunismo na China, na Rússia, na Grécia ou em Portugal é todo igual ou há diferenças?
Não, tem diferenças. Podíamos falar de tipos de comunismo. E dentro de cada um destes países há também diferenças. Ou seja, houve diferentes formas de interpretar, de entender e de defender o comunismo.
A história do movimento comunista dentro de cada país é feita de debates internos, debates muitas vezes fratricidas, como sabemos bem, e algumas destas expressões de comunismo mais ideológicas, por exemplo, o leninismo, o trotskismo ou o maoísmo, ganham uma influência muito para lá do seu contexto nacional de origem.
Por exemplo, o maoísmo tem uma expressão significativa nos anos 60 e 70 em vários países europeus, tem uma grande expressão ainda hoje em países como a Índia, e o leninismo torna-se num referente para países muito diferentes e muito afastados do chamado modelo soviético.
Quando nasce, o Partido Comunista Português procura aderir à Internacional Comunista, mas não reúne as para ser um partido bolchevizado. É Álvaro Cunhal que inaugura o PCP como o conhecemos hoje. Agora, tem Paulo Raimundo como secretário-geral. Ainda é a mesma coisa?
Marcou três tempos históricos diferentes e que, de facto, acho que é importante sublinhar. Ou seja, o Partido Comunista Português nasce em 1921, mas muitas vezes dizemos que só passa por um processo de reorganização - chegar-se-á até a falar de refundação -, em inícios dos anos 40. E, nesse processo, emergem um conjunto de protagonistas, o mais destacado deles será Álvaro Cunhal, na nossa memória histórica, mas há outros.
Pergunta-me se o Partido Comunista que conhecemos hoje é o Partido Comunista de Álvaro Cunhal; existem, evidentemente, continuidades importantes do ponto de vista (...) mas é, evidentemente, um partido em circunstâncias muito, muito diferentes daquelas que Cunhal conheceu na clandestinidade.
Em parte, podemos dizer que esse é o Partido Comunista que participa da vida política na oposição à ditadura, nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, e que se transforma significativamente - não poderia deixar de ser assim -, com a Revolução de Abril, ou seja, com a passagem da clandestinidade à democracia.
Depois existem outras transformações. Pergunta-me se o Partido Comunista que conhecemos hoje é o Partido Comunista de Álvaro Cunhal; existem, evidentemente, continuidades importantes do ponto de vista, desde logo, da assumpção dessa herança. O Partido Comunista de hoje é um partido que se reivindica do exemplo da liderança de Álvaro Cunhal, mas é, evidentemente, um partido em circunstâncias muito, muito diferentes daquelas que Cunhal conheceu na clandestinidade e, depois, já em democracia. É um partido muito diferente, uma realidade muito distinta.
Das lutas na clandestinidade às "conquistas de Abril", o PCP vai fazer 103 anos. Sobreviveu à queda da União Soviética, é dos poucos que se mantém na Europa (a par da Grécia). Vai sobreviver à invasão da Ucrânia pela Rússia?
A queda da União Soviética e a dissolução dos regimes socialistas na Europa de Leste é um dos marcos históricos mais importantes da época contemporânea. Transforma o movimento comunista, a história do comunismo, mas transforma a nossa história em geral.
E o Partido Comunista Português conseguiu nos anos 90 apresentar, se medirmos a temperatura pelos resultados eleitorais, resultados mais satisfatórios do que outros partidos comunistas, incluindo partidos comunistas que tinham uma implantação social política muito maior - os dois casos europeus mais significativos seriam o caso italiano e o caso francês, que chegaram a ser hegemónicos na esquerda em geral.
O PCP consegue nos anos 90, apesar de sofrer vários recuos eleitorais e no seu poder municipal, sobreviver, de alguma maneira, e abrir um novo horizonte com o qual se aproxima do século XXI, com muitas crises internas.
Fui militante do Partido Comunista Português ainda nos anos 90 e saí já no início do século XXI, mas o PCP continuou a ter importância significativa junto do movimento sindical e junto do poder municipal. E teve uma importância que, de alguma maneira, se tornou mais explícita em 2015, com o início da chamada geringonça, página nova na história político-institucional da democracia e da qual o PCP terá sido um dos protagonistas decisivos.
toda a polémica em torno do posicionamento do PCP em relação a essa invasão [da Ucrânia] é algo que certamente lhe provoca ainda hoje danos eleitorais.
Se sobreviverá à invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin? Creio que sim, quer dizer, não será por isso que não sobreviverá às actuais circunstâncias políticas, embora, de facto, toda a polémica em torno do posicionamento do PCP em relação a essa invasão seja algo que certamente lhe provoca ainda hoje danos eleitorais.
O caso da Coreia do Norte é potencialmente mais embaraçoso do que o caso da Rússia de Putin, porque o regime reivindica-se da tradição comunista
Pergunto porque o PCP tenta distanciar-se de referências que, de alguma maneira, possam ser incómodas e prejudicar o partido junto da opinião pública, como aconteceu com a Coreia do Norte. António Costa Pinto diz que "é uma limitação para a penetração dos segmentos mais educados, mais conscientes da política internacional", embora sem importância para a ligação com os grupos sociais populares, que não querem saber da Coreia do Norte enquanto membro da família internacional. Concorda?
Não tenho um conhecimento tão profundo do sentir dos grupos populares como o meu colega António Costa Pinto pretende ter, pelo menos. Acho que isso, normalmente, parte de uma leitura de que as camadas mais populares têm uma relação mais marcada pelas questões materialistas da vida política.
Creio que, no caso específico que estamos a discutir, a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin tornou-se um acontecimento que interpelou vários grupos sociais e, portanto, não estaria tão certo de que a questão se limita a um desentendimento entre o PCP e sectores mais atentos à política internacional.
De qualquer das maneiras diferenciaria o caso da Coreia do Norte do caso da Rússia de Putin. O caso da Coreia do Norte é um caso potencialmente mais embaraçoso em si mesmo do que o caso da Rússia de Putin, porque o regime da Coreia do Norte reivindica-se em última instância da tradição comunista.
No caso da Rússia de Putin, o PCP é um partido que tem tido posições muito críticas da situação interna na Rússia de Putin, que, justamente, identifica como um regime e uma sociedade construída contra o legado socialista do século XX. E, na verdade, antes da invasão da Ucrânia era mais fácil encontrar no Partido Comunista Português posições críticas sobre as políticas económicas, as políticas sociais seguidas por Putin na Rússia do que noutros partidos até mais próximos do centro político.
Em relação à situação internacional, o PCP tende a olhar menos para as questões político-ideológicas que caracterizam o governo interno e olha para a Rússia de Putin como um actor cujas acções pode criticar, mas como parte de um quadro global, em que, para o PCP, o problema principal, a força liderante, continua a ser identificada com a NATO e com os Estados Unidos da América.
Por que motivo, ao contrário de grande parte dos seus congéneres na Europa, que se transformaram noutro tipo de partidos ou perderam influência, o PCP sobreviveu em Portugal? Ou isso também está em causa - passou de 12 para seis deputados em 2022?
É uma pergunta que não tem uma resposta simples. Mas um dos efeitos significativos tem que ver com a proximidade a um marco revolucionário, que é o 25 de Abril, estamos agora a celebrar os seus 50 anos.
O momento fundador afirmativo do comunismo italiano ou do comunismo francês é o pós Segunda Guerra Mundial. A constituição da Itália livre, do fascismo italiano, e a constituição de uma uma República Francesa com um dinamismo novo, em que a força memorialística da acção dos comunistas na resistência à ocupação alemã e à Itália de Mussolini é muito forte.
E isso traduziu-se, em democracia, numa grande capacidade desses partidos comunistas de influenciarem territorialmente a vida nos seus países, disputando a hegemonia cultural, no caso do comunismo italiano disputando essa hegemonia à Igreja Católica, por exemplo, e também uma grande capacidade de se articularem com os sectores trabalhadores mais ligados a uma certa forma de sindicalismo mais convencional.
o 25 de Abril português foi há menos tempo que o 25 de Abril italiano e as transformações económicas e sociais na estrutura produtiva e nas culturas políticas a isso associadas, com a emergência da precariedade, são também mais recentes
No caso português, no anos 90 ainda encontramos uma expressão importante do sindicalismo ligado ao movimento de trabalhadores e ao movimento operário. Nas últimas décadas tem-se sentido maior dificuldade, até pelas transformações na estrutura económica de produção - com questões como a contratação colectiva, que são processos que, em países como a Itália e como a França, aconteceram mais cedo.
Resumindo, há dois factores: o 25 de Abril português foi há menos tempo que o 25 de Abril italiano e as transformações económicas e sociais na estrutura produtiva e nas culturas políticas a isso associadas, com a emergência da precariedade, são também mais recentes.
A isto julgo que há que acrescentar o talento político que o Partido Comunista revelou em diferentes circunstâncias. Vou dar um exemplo concreto: quando na sucessão de Carlos Carvalhas emerge como liderança a figura Jerónimo de Sousa, a reacção da generalidade da opinião publicada, recordo-me bem disso, foi muito negativa, até porque Carlos Carvalhas era conotado com um Partido Comunista tido como mais moderado - nos termos centristas com que normalmente o comentariado político avalia "objectivamente" as coisas.
Mas a figura de Jerónimo de Sousa, e a liderança do Partido Comunista nesse processo, revelou-se bastante astuciosa, e o episódio mais significativo é o de 2015, quando ele, olhando agora para o que foi o PCP nos últimos 20 a 25 anos, consegue duas coisas ao mesmo tempo: dar prova de uma grande firmeza na relação com o centro-esquerda e com o Partido Socialista, e prova dessa firmeza está no voto contra os orçamentos do Estado que levaram às eleições anteriores [2022], e também dar prova de uma flexibilidade política significativa quando, aparentemente até pela iniciativa do PCP, abre porta à chamada geringonça [2015].
Há aqui uma flexibilidade que combina firmeza e adaptação. Normalmente explicamos isto no comentário político e na ciência política por ser um partido mais ortodoxo ou mais moderado. Se calhar, o Partido Comunista Português e a sua direcção traçaram nos últimos anos uma diagonal em relação a estes pares de opostos e fizeram uma coisa diferente, e a isso podemos chamar uma certa virtuosidade na sua liderança política.
Portanto, são estes três factores: o peso histórico da resistência é mais recente no caso português, as transformações económicas estruturais, e as culturas políticas e sindicais a ela associadas, são mais tardias no contexto português relativamente aos países da Europa mais ocidental, e, nos últimos 20 ou 25 anos, há um certo virtuosismo político na forma de se relacionar com uma identidade, uma ortodoxia e ao mesmo tempo uma capacidade de adaptação, de negociação.
No actual contexto, as sondagens e as últimas eleições apontam para um declínio da presença parlamentar do PCP. Até que ponto esse declínio é significativo, depende da arrumação geral de forças.
A criação do PCP não foi fácil, a corrente dominante era anarquista, anti-poder. Depois do 25 de Abril o PCP participou nos sucessivos governos provisórios e, recentemente na geringonça, como disse. Voltaremos a ver o PCP no poder, um ministro com ou sem pasta?
O Partido Comunista Português quando tem essas posições no governo é num contexto ainda assim revolucionário, mas mesmo assim com as especificidades que referiu. No actual contexto, as sondagens e as últimas eleições apontam para um declínio da presença parlamentar do PCP. Até que ponto esse declínio é significativo, depende da arrumação geral de forças. Imaginemos que uma maioria à esquerda depende do número de deputados do PCP. Aí, a redução do número não tem de traduzir-se, necessariamente, numa redução da importância estratégica do PCP.
Parece-me que, deste ponto de vista, o que podemos testemunhar na actual circunstância é que há no eleitorado, quer no que vota no PCP, quer no que não vota mas já votou ou poderia votar, uma relação de alguma estabilidade quanto às expectativas do que o PCP vai fazer. Se depender do PCP existir um governo do PS, isso acontecerá? Depois de 2015 há uma convicção instalada de que não será um obstáculo.
Ao mesmo tempo, depois de 2019, creio que também há alguma convicção, pelo menos eu enquanto simpatizante do PCP é assim que olho, de que esse entendimento com o Partido Socialista visa transformar o programa de intenções inicial do PCP. Mas não creio que seja por aí, neste momento, que o PS esteja a enfrentar problemas de mobilização eleitoral. Há vinte anos talvez fosse, ou, pelo menos, era nesses termos que a questão era discutida. Porquê votar no PCP se é sempre um partido simplesmente de protesto? Hoje a questão não se coloca aí.
Mas a minha pergunta é precisamente essa, se o PCP alguma vez foi ou será um partido de poder.
Coloca a questão em termos de poder e, desse ponto de vista, é verdade que à direita, e também na área do Partido Socialista, a questão do poder é simples ou está bastante resolvida. Isto é, existe algo que se identifica com poder, que são as instituições políticas, o governo, as presidências, e isso é algo que deve ser ocupado e exercido na sociedade.
Depois existe outra área do poder, que é o poder económico, ou aquele primo chamado mercado, a iniciativa privada, na qual o poder político é suposto não interferir. Caricaturando, a questão resume-se à ideia de que o poder político é aquele de que os partidos políticos se devem ocupar, o poder económico, no fundo, fica com a iniciativa privada.
Para partidos como o PCP, e em parte também para o Bloco de Esquerda, a questão é diferente, ou seja, o poder não é apenas identificado como aquilo que está à espera de ser exercido a partir de São Bento, mas há um diagnóstico daquilo que classificam como problemas sociais que aponta para a importância muitas vezes maior do poder económico, capitalismo, capital privado, depende de quem diz.
Não é que o PCP seja alérgico e alheio ao poder
E, desse ponto de vista, a preocupação do PCP não é apenas com o exercício do poder político nas instituições políticas estatais, mas é a capacidade de desenvolver formas de contrapoder a esse poder económico. Daí a grande importância que o PCP atribui, por exemplo, às formas de organização sindical ou política no trabalho.
Não é que o PCP seja alérgico e alheio ao poder, como na tradição anarquista propriamente dita, ou tenha uma posição um pouco mais ingénua, é porque entende que o poder não é apenas aquilo que é exercido por um primeiro-ministro ou por um conjunto de ministros, mas é aquilo que se decide também nomeadamente no âmbito da organização económica.
O problema do poder não é só o problema do poder público, mas também o problema do poder privado sobre a economia, por isso o PCP não coloca todas as fichas na conquista de lugares institucionais. E daí gastar tanta energia com questões como a contratação colectiva - uma das recentes declarações do secretário-geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo, foi: se o PS alterar este aspecto da lei laboral - que não tinha nenhuma implicação imediata do ponto de vista da despesa orçamental, que normalmente é o que está em jogo nas discussões à esquerda -, amanhã assinamos um contrato de apoio ao PS.
Acho que isto é um bom indício das concepções de poder e de política do PCP e é também algo bastante mais difícil de traduzir em mensagem política eleitoral. Uma parte das dificuldade do PCP também resulta desta dificuldade em exprimir em termos de contrato exequível com o eleitor aquilo que, do seu ponto de vista, corresponde a um diagnóstico sobre os desafios que se colocam.
E temos ainda outra questão, que está cada vez mais afastada da discussão política, que é a questão da relação do país com as instituições internacionais, nomeadamente com a União Europeia.
E a NATO, também.
De novo, a dificuldade do PCP também se coloca a esse nível. A questão do euro, por exemplo. O PCP, quase que de forma que um consultor político diria excessivamente honesta, não deixa de colocar a questão do euro, sendo que é uma questão para a qual não tem uma resposta fácil.
Mas não deixa de a colocar, na medida em que entende que o tipo de mudanças políticas, sociais, a nível salarial, de organização dos serviços sociais que pretende propor, e que à esquerda são consensuais, não são exequíveis sem se assumir uma postura de desafio à ordem europeia actual.
Mas está no Parlamento Europeu.
Claro, está no Parlamento Europeu. Em relação à Europa o PCP tem esta posição, que também me parece fazer sentido dentro da análise do Partido Comunista Português, mas que não é fácil de explicar em termos claros, que é a defesa da saída do euro, mas não da União Europeia. À partida não devia ser difícil de entender, na medida em que o euro é qualquer coisa que veio depois da União Europeia. Mas como temos uma relação com a União Europeia muito marcada pelas relações financeiras que com ela estabelecemos...
Uma relação mais oportunista que ideológica?
Não diria oportunista no sentido de obter ganhos, mas há uma leitura, que podemos até argumentar que é incorrecta - e há vários economistas na área do PCP que assim argumentam e, creio eu, de forma persuasiva -, que boa parte da população identifica a União Europeia com um período de progresso e desenvolvimento do país. E isto cria dificuldades para uma crítica da União Europeia em Portugal.
o comunismo, enquanto ideia vive muito deste desígnio. Pensa num protagonista revolucionário, que é a classe operária, e na ideia de os trabalhadores lutarem contra a sua exploração e, portanto, contra o destino da sua vida
O que tem o comunismo contra os ricos? Lembro a frase de Olof Palme que ficou célebre quando Otelo lhe disse que queria acabar com os ricos em Portugal: "Curioso, na Suécia queremos acabar com os pobres". A luta de classes continua a fazer sentido?
[Ri] Se lhe responder provocatoriamente, diria que o comunismo tem tanto contra os ricos como tem contra os pobres. No fundo, o comunismo, enquanto ideia, para regressarmos ao início, vive muito deste desígnio. Pensa num protagonista revolucionário, que é a classe operária, e na ideia de os trabalhadores lutarem contra a sua exploração e, portanto, contra o destino da sua vida como destino dedicado simplesmente ao trabalho. E escolhem uma classe para lutar por uma sociedade sem classes.
Portanto, não sei se tem alguma coisa contra os ricos, se tem contra os ricos e contra os pobres. Almeja, se quisermos colocar isto como uma utopia, uma repartição mais igualitária da riqueza, um nivelamento das diferenças entre ricos e pobres. Desse ponto de vista, independente da posição do Partido Comunista estar mais ou menos enfraquecida aqui ou noutros países, não deixa de representar um dos polos do debate político-ideológico. O outro polo, se quiser, é o da iniciativa liberal mais privada, como expressão e até como branding do partido que surgiu em Portugal há pouco tempo. São dois polos no meio dos quais os actores políticos se vão posicionando.
Imagino que Paulo Raimundo não teria disponibilidade para ser secretário-geral do PCP se não fosse um funcionário do partido
Por acaso, o PCP é o partido com mais património.
Sim. O PCP é o partido que sente mais necessidade de ter recursos próprios. Ou seja, de ter jornais, de ter meios de comunicação, de ter funcionários políticos, partindo do pressuposto que os seus militantes têm menor disponibilidade, muitas vezes devido à sua própria condição laboral, para a actividade política.
Diferente de outros partidos, de quadros formados normalmente a partir de profissões liberais. Imagino que Paulo Raimundo não teria disponibilidade para ser secretário-geral do PCP se não fosse um funcionário do partido. A questão não se coloca com Pedro Nuno Santos ou com Luís Montenegro.
Os recursos próprios que o PCP tem têm muito que ver com essa necessidade de alimentar um aparelho, uma máquina de militância em que a figura do funcionário desempenha um papel muito relevante no dinamismo não institucional do partido. Ou seja, não é um partido que vive dos tempos institucionais, tem uma vida quotidiana. E isso, desse ponto de vista, assemelha-se a uma empresa pública.
O Partido Comunista perdeu a sua matriz revolucionária?
A tradição revolucionária contemporânea continua a ser central no imaginário do PCP. Mas é-o de uma forma "pactuada". Por um lado, o PCP continua a colocar no horizonte a necessidade da transformação revolucionária da sociedade actual. Por outro, o PCP entende que essa transformação foi de algum modo iniciada pela própria Revolução de Abril, que não dá por derrotada e cujas conquistas pretende frequentemente "defender" e preservar.
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