Na publicação, a jovem — a quem o SAPO24 pediu uma entrevista, tendo este pedido sido declinado —  procurou desta forma rebater a "imagem totalmente distorcida e ridícula que alguns procuraram criar" da sua pessoa. O seu objetivo, esclarece, não é "defender" um cartaz que aceitou segurar mas que não era da sua autoria, mas esclarecer o seu ponto de vista sobre o tema em debate.

Antes, a jovem lamenta "a multiplicidade de respostas que visaram ridicularizar este cartaz e quem o segurava, de uma forma por vezes violenta".  "Como é evidente ninguém associa a eutanásia à 'abertura da época de caça aos velhinhos', como ouvi há dias na televisão. Não sendo eu a autora do cartaz, sei que o mesmo pretendeu sensibilizar as pessoas para a vulnerabilidade dos idosos caso a eutanásia venha a ser legalizada e promovida pelo Estado. A sua condição mais frágil e débil, possíveis fracos recursos económicos e falta de acesso a cuidados paliativos torna-las-á mais suscetíveis para pedir a morte caso esta opção seja legitimada pela Sociedade e facultada pelos serviços do Estado. Este é o verdadeiro significado do cartaz", esclarece.

Vera informa ainda que não se considera mal informada sobre o tema. "De facto existe muita gente que não está informada sobre o tema da eutanásia. No entanto, posso afirmar com convicção que não sou uma delas. Sou estudante de Medicina e escolhi este ramo porque soube desde cedo que queria dedicar a minha vida a cuidar dos outros e a lutar pelo valor que mais importa neste mundo: a Vida. Por isso é natural que me sinta triste ao deparar-me com a possibilidade de que a profissão que sonho vir a exercer possa ter no futuro uma função acrescida: o poder legal para matar."

No seu entender, o poder legal para matar vai "totalmente contra a natureza de um médico e contra o seu Código Deontológico. (...) O dever do médico é o da 'prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano' (Título I, Capítulo II, Artigo 5º).  (....) nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos tratamentos não permitem reverter a sua evolução natural, o médico deve dirigir a sua ação para o bem-estar dos doentes, evitando a futilidade terapêutica, designadamente a utilização de meios de diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios, induzir mais sofrimento, sem que daí advenha qualquer benefício (Título II, Capítulo II, Artigo 66º). A isto chama-se distanásia, uma prática ética/médica condenável."

Assim, acrescenta, "um não à eutanásia não deve, de modo algum, ser confundido com um sim à distanásia. O doente é detentor do direito de cessar ou recusar quaisquer tratamentos, não de pedir antecipação propositada da sua morte – 'O uso de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado contra a vontade do doente' (Título II, Capítulo II, artigo 67º) e 'Ao médico é vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia” (Título II, Capítulo II, artigo 65º)'".

Vera Guedes de Sousa critica ainda a tentativa de "branquear" palavras. "Querem fazer passar eutanásia por sinónimo de 'morte medicamente assistida', como se esta não fosse já uma prática atual e dever de todos os médicos – o de acompanhar o doente até ao fim da sua vida, prestando-lhe cuidado e atendimento. Na eutanásia, por sua vez, o médico torna-se o veículo da precipitação da morte do doente", escreve.

A jovem acrescenta ainda que "qualquer vida e qualquer morte são sempre dignas. É muito perigoso afirmar que existem vidas menos dignas do que outras, seja por motivo de doença ou lesão. Uma pessoa doente ou lesionada não tem, de modo algum, menos dignidade do que uma pessoa saudável, pelo que a necessidade de antecipar a morte para que esta seja mais digna não pode ser um argumento".

A sua nota deixa ainda um alerta para a ausência de cuidados paliativos em Portugal que permitam assistir todos aqueles que deles necessitem. "Uma pessoa que está a sofrer merece receber todos os cuidados de saúde a que tem direito, para que sofra o mínimo possível. Infelizmente isto não acontece em Portugal. Neste momento, mais de 70 mil pessoas não têm acesso a Cuidados Paliativos. Esta sim devia ser a luta dos portugueses e dos seus representantes políticos. Como explicar a pressa na criação de uma lei que permitirá que pessoas sejam assistidas para morrer, quando não damos às mesmas os cuidados a que elas têm direito?", questiona.

A estudante de Medicina alerta igualmente para o risco de a legalização da morte assistida ser "uma rampa deslizante" inevitável. "Nos países em que é legal, a eutanásia tem vindo a tornar-se progressivamente uma ‘solução barata’, ‘normal’ e até ‘útil’ do ponto de vista económico", lamenta.

"A Vida é inviolável e a Lei deve proteger e defender este princípio de forma absoluta. Legalizar a opção pela morte em determinadas situações significaria a aceitação pela Sociedade de que determinado critérios podem desvalorizar a Vida. Em defesa de todos os que estão vulneráveis, em sofrimento, dos que perderam a esperança ou se sentem um fardo para os seus, a Sociedade deve afirmar a dignidade e a inviolabilidade da vida em todas as circunstâncias", conclui.

A Assembleia da República chumbou a 29 de maio os projetos de lei do PAN, BE, PS e PEV para a despenalização da eutanásia.

O projeto do PAN teve 107 votos a favor, 116 contra e 11 abstenções. O diploma do PS recebeu 110 votos a favor, 115 contra e quatro abstenções. O projeto do BE recebeu 117 votos contra, 104 a favor e oito abstenções. O diploma do PEV recolheu 104 votos favoráveis, 117 contra e oito abstenções.

Seis deputados do PSD votaram a favor da despenalização da eutanásia, mas apenas duas parlamentares – Teresa Leal Coelho e Paula Teixeira da Cruz – o fizeram em relação aos quatro projetos em discussão.

Entre os deputados do PS, somente os deputados Ascenso Simões e Miranda Calha votaram contra todos os projetos.

Nas semanas que antecederam a votação, várias pessoas se manifestaram a favor e contra a morte medicamente assistida, entre os quais o ex-presidente Cavaco Silva, que apelou par parlamento que não passasse os diplomas.