Abdesselam Tazi, 64 anos, em prisão preventiva na cadeia de alta segurança de Monsanto, em Lisboa, está acusado pelo Ministério Público (MP) de oito crimes: adesão a organização terrorista internacional, falsificação com vista ao terrorismo, recrutamento para o terrorismo, financiamento do terrorismo e quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo.

Na leitura da decisão instrutória, o juiz Ivo Rosa sustentou que a prova apresentada pelo MP na acusação é “indireta”, acrescentando que dos factos imputados a Tazi não é possível inferir ou concluir que o arguido tenha atuado com o propósito de falsificar documentos, de financiar, de aderir ou de recrutar elementos para o Estado Islâmico ou para outra organização terrorista.

O juiz salientou que “não se mostraram" provados indícios suficientes quanto aos factos descritos na acusação relacionados com o terrorismo, razão pela qual o arguido não foi pronunciado - não será julgado - por esses factos.

Ivo Rosa colocou em causa a prova apresentada pelo MP que sustentaria as ligações ao terrorismo, e disse que a acusação formou a sua convicção “em meios de prova indireta”, que podem ter diversas leituras e interpretações.

O facto de Tazi ter utilizado passaportes e cartões de crédito falsos, ter viajado para a Turquia, estar na posse de manuscritos do Islão, ser muçulmano e ortodoxo, não haver prova direta de que radicalizou Hicham El Hanafi [detido em França desde 20 de novembro de 2016 por envolvimento na preparação de um atentado terrorista] não se pode, segundo o juiz, “extrair-se uma conclusão ou inferir que dos mesmos o arguido aderiu a uma organização terrorista ou que recrutou o Hicham El Hanafi”.

A acusação do MP refere que o arguido se deslocou várias vezes ao Centro de Acolhimento para Refugiados, no concelho de Loures, para recrutar operacionais para o Estado Islâmico, nomeadamente em agosto de 2015. Contudo o juiz Ivo Rosa aponta uma contradição na acusação, pois nessa data o arguido não se encontrava em Portugal.

O arguido, que se vai manter em prisão preventiva, foi pronunciado – vai ser julgado - apenas por um crime de falsificação de documento (relativo à falsificação do passaporte) e por quatro crimes de contrafação de moeda (relativos ao uso de quatro cartões de crédito falsos), que nada têm a ver com terrorismo ou com ligações terroristas.

O arguido será julgado por estes crimes em Aveiro – para onde o processo será remetido – pois foi nessa comarca “onde se consumou o crime de contrafação de moeda”.

O juiz de instrução criminal Ivo Rosa justificou a manutenção da medida de coação de prisão preventiva a Tazi com o perigo de fuga e de continuação da atividade criminosa.

Questionados pela agência Lusa, os procuradores do Ministério Público João Melo e Vítor Magalhães, responsáveis pelo inquérito e presentes na instrução – fase facultativa que visa decidir por um juiz se o processo segue para julgamento -, afirmaram que vão recorrer da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Já o advogado do ex-polícia marroquino mostrou-se satisfeito com a decisão instrutória.

“Estou contente com esta decisão, que é justa, objetiva, concreta e fundamentada. Não há indícios de que tenham sido praticados factos relacionados com o terrorismo”, disse Lopes Guerreiro aos jornalistas, à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa.

Segundo a acusação do MP, a que agência Lusa teve acesso, Abdesselam Tazi deslocou-se várias vezes ao Centro de Acolhimento para Refugiados, no concelho de Loures, para recrutar operacionais para esta organização, prometendo-lhes mensalmente 1.800 dólares norte-americanos (cerca de 1.500 euros).

Abdesselam Tazi fez-se sempre acompanhar de Hicham El Hanafi [detido em França desde 20 de novembro de 2016 por envolvimento na preparação de um atentado terrorista], que havia radicalizado e recrutado em Marrocos, antes de ambos viajarem para a Europa. O MP diz que o processo de refugiado, os apoios e a colocação em Portugal deste suspeito foram idênticos aos do arguido, tendo ambos ficado a viver juntos no distrito de Aveiro.

“Pelo menos a partir de 23 de setembro de 2013, a principal atividade desenvolvida pelo arguido em Portugal consistia em auxiliar e financiar a deslocação de cidadãos marroquinos para a Europa e em obter meios de financiamento para a causa ‘jihadista’”, indica a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.

O MP conta que Abdesselam Tazi "passou a visitar regularmente" o Centro de Acolhimento para Refugiados (CAR) “para dar apoio às pessoas em relação às quais organizara a sua vinda para Portugal e outros migrantes jovens que pudessem ser radicalizados e recrutados para aderirem ao Daesh” (acrónimo árabe do grupo extremista Estado Islâmico), procurando convencê-las de “que teriam uma vida melhor se aderissem ao Daesh e fossem viver para a Síria”.