“O poder é – e eu nem quero utilizar a palavra – medo”.
Bob Woodward introduz esta citação, que atribui a Donald Trump, logo no início do livro “Medo”, a mais recente obra de investigação do jornalista, divulgada a 11 de setembro nos EUA, e cuja edição portuguesa foi lançada terça-feira.
A frase terá sido dita a Woodward numa entrevista dada pelo Presidente dos EUA no seu próprio hotel, o Trump Internacional Tower, em Washington, e, ao contrário de outras citações que lhe são atribuídas no livro, ainda não foi desmentida pela Casa Branca.
Nos 42 comícios realizados em 22 Estados, na campanha para as eleições intercalares, na terça-feira, Trump usou várias vezes a palavra “medo”, nas muitas vezes em que introduziu o tema da imigração, referindo-se à “invasão” que constituía a caravana de refugiados que se dirigia desde a América Central para a fronteira dos EUA.
Quem nesses comícios tivesse lido o livro de Bob Woodward (apesar dos apelos de Trump para que os seus apoiantes não se entregassem à sua leitura), teria percebido melhor a estratégia por detrás desses discursos, já que “Medo” explica em várias páginas o instinto de Trump para perceber que a sua base de apoio eleitoral se move muito por receios: dos produtos estrangeiros que tiram lucro às empresas americanas; dos imigrantes hispânicos que tiram o emprego aos americanos; dos muçulmanos que chegam para cometer ataques terroristas.
O livro também ajuda a compreender melhor a reação de Donald Trump perante o recente episódio do assassínio de Jamal Khashoggi, na embaixada da Arábia Saudita em Istambul.
Bob Woodward revela que Derek Harvey, membro do Conselho de Segurança Nacional de Trump, acreditava que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, “era o futuro”, por perceber que as mudanças a ser operadas no Reino eram a melhor forma de garantir a sobrevivência política do governo saudita.
Isto ajuda a melhor compreender porque, na reação às denúncias do governo turco de que Salman era o cérebro por detrás da operação de assassínio de Khashoggi, Trump tenha mostrado reservas em fazer críticas diretas ao príncipe saudita.
Trump, seguindo o conselho de Derek Harvey (secundado pelo genro, Jared Kushner) procurava construir uma parceria com Mohammed bin Salman contra os interesses do Irão no Médio Oriente, explica Woodward.
O livro, escrito com base em centenas de horas com fontes próximas de Donald Trump, muitas delas em registo de 'deep background' (informações de fontes não identificadas que servem apenas para o jornalista contextualizar os factos), procura dar uma visão abrangente do dia-a-dia na Casa Branca e da forma como Trump se deixa influenciar (e manipular) por alguns dos mais próximos assessores.
Woodward relata episódios em que membros da equipa de Trump lhe procuram ocultar factos, considerando que ele poderia tomar decisões prejudiciais para os EUA com base neles, dando a entender que no ‘staff’ há quem não confie nas capacidades do Presidente (como dias depois da publicação do livro foi escrito num artigo de opinião divulgado pelo jornal The New York Times).
Logo após a publicação de “Medo”, Donald Trump disse que a obra era “apenas mais um mau livro” e que Bob Woodward “tinha muitos problemas de credibilidade”, negando muitos episódios e factos por ele relatados (secundado por alguns membros da sua equipa, que também desmentiram situações e frases, como foi o caso de John Kelly, chefe de gabinete de Trump, quando leu que teria dito que o Presidente era um “idiota”).
Bob Woodward foi um dos jornalistas do Washington Post, juntamente com Carl Bernstein, por detrás da investigação (1972-74) conhecida por Watergate (que lhes valeu um prémio Pulitzer), que revelou manobras de sabotagem do Partido Republicano ao Partido Democrata, com o conhecimento do então Presidente Richard Nixon, culminando na demissão deste, em 1974.
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