![Longe dos holofotes, há lágrimas entre viúvas de polícias moçambicanos que morreram nas manifestações](/assets/img/blank.png)
“O meu marido morreu uma semana depois de ser baleado (…) O médico deu-nos alta, quando chegamos na nossa casa, ele não levou sequer uma hora, perdeu a vida”, conta à Lusa Inês Guambe, na sua residência, nos arredores de Maputo, ainda de luto.
À paisana, Belmiro Guambe, membro da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), não estava em serviço quando foi alvejado no braço e nas costelas, à porta de casa, na noite do dia 09 de dezembro, minutos após deixar um grupo de amigos com os quais confraternizava.
No seu funeral, as autoridades consideraram que Guambe morreu após ser atingido por “balas perdidas” durante uma operação policial para travar grupos de manifestantes contra os resultados eleitorais no Bairro Luís Cabral, na periferia de Maputo, mas a versão da sua mulher é diferente.
“Ele estava a tentar abrir o portão, quando foi abordado por um polícia(…) Ele ajoelhou-se e identificou-se. Ele disse ao polícia que ele era um colega. Mas acusaram-no de estar entre os manifestantes e dispararam (…) Ele caiu dentro do quintal. Gritou o meu nome e saí”, conta Inês, acrescentando que viu o autor dos disparos, que também atingiram uma janela da residência do casal.
Após dias internado, o agente, de 34 anos, sete dos quais na corporação, não resistiu aos ferimentos e perdeu a vida no dia 16 de dezembro, em casa.
Os médicos que o assistiram disseram à família que havia estilhaços das balas que o atingiram espalhados pelo peito.
“Eu me sinto mal porque, primeiro, antes de ser polícia, ele era um ser humano. E ele, naquele dia, pediu para que eles não disparassem e, mesmo assim, eles dispararam”, acrescentou a viúva.
Dois meses passaram-se desde a morte do homem com o qual Inês vivia há mais de 10 anos e, embora ainda assombrada pela imagem de Guambe caído no chão do quintal da sua casa, a ambição é recomeçar, já que “a vida tem de seguir”.
Hoje, vivendo na casa de familiares a mais de 50 quilómetros do centro da capital moçambicana, Inês tem um pequeno negócio, mas, sem Guambe, “a vida está difícil”, sobretudo porque, atualmente, não conta com qualquer apoio.
As cerimónias fúnebres foram custeadas pelas autoridades e a viúva teve também apoio do movimento “Geração 18 de Março”, um grupo de jovens ativistas voluntários que tem apoiado as vítimas dos protestos pós-eleitorais, mas atualmente depende apenas do lucro de uma banca improvisada na varanda da sua casa.
“Não está fácil. Eu dependia muito dele”, admite a viúva.
Como Inês, segundo a Associação Moçambicana de Polícias, há dezenas de mulheres de agentes moçambicanos que perderam a vida nos últimos três meses de protestos em Moçambique, alguns dos quais mortos pela própria população, em retaliação a atuações descritas como repressivas pelas comunidades.
“Temos várias mulheres que ficaram viúvas e crianças que ficaram órfãs porque os pais foram assassinados em serviço”, lamentou à Lusa Nazário Muanambane, presidente da associação.
Os últimos dados avançados Comando-geral da Polícia moçambicana, em 27 de janeiro, revelavam que pelo menos 17 membros da polícia morreram e 187 ficaram feridos durante as manifestações, que também provocaram a destruição de 77 comandos distritais da corporação.
Moçambique vive desde outubro um clima de forte agitação social, com manifestações e paralisações convocadas, primeiro, pelo antigo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que rejeita os resultados eleitorais que deram vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.
Atualmente, os protestos, em pequena escala, têm ocorrido em diferentes pontos do país e, além da contestação aos resultados, os populares queixam-se do aumento do custo de vida e outros problemas sociais.
Desde outubro, pelo menos 327 pessoas morreram, incluindo cerca de duas dezenas de menores, e cerca de 750 foram baleadas durante os protestos, de acordo com a plataforma eleitoral Decide, organização não-governamental que acompanha os processos eleitorais.
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