Talvez estivesse à procura de casos mais graves, maiores montantes, provas mais contundentes. As diligências do Juiz Federal Sérgio Moro, de Curitiba, e os próprios jornalistas, levantavam casos suficientemente suspeitos e até com indícios muito fortes de que o homem que já foi o herói incontestado do Brasil teria cometido uma série de delitos de corrupção passiva – nomeadamente, a propriedade de uma casa de praia e de uma quinta – e até activa, com a apropriação de objectos preciosos pertença do Erário (escondidos num cofre) e recebimentos indevidos por conferências. Tudo delitos menores, em termos dos milhares de milhões de mega-corrupções imputados a muitas figuras públicas, algumas já a cumprir pena efectiva. Lula chegou a ser levado para depor perante Sérgio Moro, em Março, no âmbito da famosa Operação Lava Jato, que investiga esses tais crimes milionários. Poderia ter sido chamado a apresentar-se voluntariamente, mas Moro fez questão de o mandar buscar.
A iminência duma prisão preventiva chegou a tal ponto que, em Abril, Dilma Rousseff, ainda Presidente, enviou a Lula em um documento sem data que o nomeava Ministro-chefe da Casa Civil, o que lhe daria imunidade à prisão se a Policia Federal lhe batesse à porta. Dilma ligou a Lula a explicar o documento e a conversa foi gravada, o que configura o crime de obstrução de justiça. Moro, a precisar de apoio popular perante a enorme pressão de Brasília, forneceu a gravação à comunicação social, o que por sua vez levou os adversários a acusarem-no de fuga de informação.
Enquanto este vai-não-vai com Lula prosseguia, iam decorrendo processos contra outros acusados de corrupção (Lava Jato, Zelotes, etc) e ainda o impedimento de Dilma, entretanto afastada provisoriamente da Presidência. O consenso geral dos analistas é que Sérgio Moro quer ir por etapas, cercando Lula por todos os lados, até chegar finalmente a uma prisão que certamente levantará grandes ondas de choque no Brasil.
Os processos têm de passar por Rodrigo Janot, o Procurador Geral da República, e ser aprovados pelo Supremo Tribunal Federal, cujos onze juízes são maioritariamente nomeados pelo PT, mas nem sempre decidem segundo a sua filiação, pois também eles recebem pressões por todos os lados. Mas toda a máquina do PT está permanentemente atenta às decisões de Moro, que vê como o grande inimigo que pode incriminar Lula.
Ora, o que aconteceu agora foi inesperado, apanhando os operacionais do Partido dos Trabalhadores desprevenidos. Rodrigo Janot recebeu uma acusação contra Lula relacionada com o processo Lava Jato. Nela se afirma que o ex-Presidente cometeu os crimes de tráfico de influência e obstrução de Justiça juntamente como o ex-Senador Delcídio do Amaral e o empresário José Carlos Bumlai. Os três tentaram pagar ao ex-Administrador da Petrobras, Nestor Cerveró, para que não declarasse os milhões de reais (ou de euros, ou dólares, são sempre dezenas de milhões) que a empresa estatal tinha pago ao PT e a várias pessoas. (Todos os aqui nomeados estão já presos, menos Lula.)
Esperava-se que Janot enviasse o processo para Moro, em Curitiba, no que certamente seria impedido pelo Juiz do Supremo Tribunal Teori Zavascki. Mas Janot, alegando que os delitos ocorreram em Brasília, mandou o processo para o Juiz do Distrito Federal, Ricardo Leite, que o aceitou imediatamente. Deste modo Lula passa a réu e poderá mesmo ser preso preventivamente, se o Juiz assim achar conveniente. As provas, provenientes de denúncia voluntária ("delação premiada") de Delcídio e Cerveró, e de gravações, são muito robustas. Independentemente de outros processos que certamente virão a atormentar Lula, este é um caso concreto, com direito a prisão efectiva.
É interessante que Lula, prevendo mais ataques vindos de Curitiba, no dia 28 de Julho apresentou uma petição ao Comité de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, afirmando ser vítima das acções da Lava Jato. Segundo a petição, Lula se diz perseguido pelos "actos ilegais" praticados por Moro, entre eles a gravação e divulgação de conversas privadas com advogados e também a famosa conversa com Dilma Rouseff, além da condução coerciva para o depoimento no dia 4 de Março.
Não se sabe qual será a resposta do Comité. Os especialistas acham que não aceitará a queixa, uma vez que tudo tem decorrido dentro da lei do país, e a fuga de informação do telefonema com Dilma não é suficiente para considerar uma infracção aos Direitos Humanos.
Mas, qualquer que seja o desfecho da petição em Genebra, não cobre a decisão do Juiz Ricardo Leite, em Brasília. Desta vez Luís Inácio Lula da Silva vai mesmo ter de enfrentar a Justiça.
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