Na costa sul do Quénia, monumentos como o Forte Jesus de Mombaça e o padrão de Melinde sentem os efeitos do tempo agravados pela erosão marítima e as dificuldades de financiamento vão adiando as necessárias intervenções.
“As fundações do Forte Jesus foram construídas em rocha coralífera, mas o mar vai escavando a base e vão ficando degradadas”, explica Raphael Igombo, responsável do departamento educativo do National Museums of Kenya (Museus Nacionais do Quénia, NMK na sigla inglesa) em Mombaça, mostrando o desgaste sofrido pelo pesado maciço que sustenta o Forte Jesus há mais de 500 anos.
As paredes de coral suportam as muralhas do histórico forte, construído em 1593 pelos portugueses e classificado como património mundial pela UNESCO desde 2011.
“As condições climáticas estão a afetar o forte que sofre os efeitos das ondas a embater na muralha, da água salgada e da humidade. O mar está mesmo ao lado da muralha”, aponta o mesmo responsável.
O governo queniano está a promover a construção de um muro de contenção para atenuar o impacto das ondas e os efeitos da erosão (tal como fizeram anteriormente os portugueses com uma muralha exterior, hoje praticamente desaparecida), mas a obra, que arrancou há cerca de dois anos, tarda em chegar ao fim.
“A construção tem sido faseada, não só por causa da água, mas porque dependemos das verbas disponíveis”, disse Raphael Igombo, estimando que a ensecadeira (uma proteção para conter a água) possa ser concluída até ao final deste ano, se os fundos “forem libertados”.
O muro artificial onde o governo queniano investiu cerca de 500 milhões de xelins (4,3 milhões de euros), está colocado a seis metros da muralha e vai ajudar a travar a força das ondas, protegendo o forte “por mais 500 anos, antes de ser construída outra parede”, espera Raphel Igombo.
“As pessoas de Mombaça valorizam este património. Consideram-no seu e estão orgulhosos do potencial turístico e económico do forte. Podem não conhecer toda a história, mas sabem que os seus antepassados interagiram com os portugueses nalguma altura e valorizam isso porque faz tudo parte da construção do Quénia”, refere o especialista.
Também o governo português afirma estar empenhado na valorização deste património depois de ter empreendido um processo de aproximação entre os dois países e retomar a representação diplomática no Quénia, após um interregno de alguns anos como destaca a encarregada de negócios no país, Luísa Fragoso.
“Prosseguimos uma tradição de parceria que tem dado bons frutos e que pretendemos renovar conjuntamente, oferecendo o nosso know-how na área da recuperação e da preservação do património e reconhecendo o trabalho que o governo queniano tem desenvolvido nos edifícios históricos, como o Forte Jesus em Mombaça, onde realizou obras importantes para a sua preservação estrutural, no início deste ano”, destacou a diplomata.
Luísa Fragoso acrescentou que prosseguem os contactos para “definir novos programas de cooperação que vão ao encontro do interesse mútuo de perpetuar a história” que une os dois países.
O forte Jesus, que mudou nove vezes de mãos entre os séculos XVII e XIX, espelha a diversidade de Mombaça nos vestígios dos diferentes povos que por ali passaram : as ruínas da antiga capela portuguesa estão lado a lado com a casa dos árabes omani e os seus vários edifícios revelam os usos distintos que a fortaleza foi tendo, incluindo prisão, até chegar aos dias de hoje como atração turística.
O monumento perpetua na pedra os cem anos de presença portuguesa em Mombaça, lembrando as escaramuças com os árabes e outros povos que competiam pelo domínio da cidade, um importante entreposto comercial na rota das especiarias e comércio de escravos.
Ali chegaram a viver 400 soldados, adianta Raphael Igombo, salientando que o forte era um local “estratégico” que permitia avistar “cada navio que passasse por Mombaça”.
A epopeia da memória continua em Melinde, 100 quilómetros a norte, no local onde Vasco da Gama encontrou refúgio depois de uma receção hostil em Mombaça.
O pilar que o navegador português mandou construir para celebrar a amizade com o rei muçulmano de Melinde, ergue-se branco, solitário e vigilante, sobre um rochedo de coral, testemunho da passagem dos milhares de navios carregados de especiarias que despertavam a cobiça dos navegadores portugueses.
Hoje assiste ao corrupio dos turistas que costumam abundar junto deste monumento, um dos mais emblemáticos do Quénia.
Jimbi Katana, investigador do NMK, aponta para uma fenda que avança no maciço coralífero denunciando os efeitos da erosão e os estragos do mar sobre um dos monumentos mais antigos dos portugueses na África austral, construído ainda antes do Forte Jesus, em 1498.
“O mar está a subir e quando as ondas estão altas chega até aqui. Este é o risco que enfrentamos. Temos de garantir que esta área fica a salvo das marés e das correntes”, indica o responsável do NMK.
A base de coral onde está implantado o padrão revela a ameaça da subida dos mares que as pequenas estruturas de pedra que tentam atenuar a força das ondas não conseguem travar.
“As fundações estão a ser minadas pelas correntes. Parte da rocha onde nos encontramos colapsou e estamos a ver como podemos encontrar soluções para que o pilar não seja varrido pelo oceano”, diz Jimbi Katana, acrescentando que também é preciso financiamento.
A reabilitação envolve “a estabilização da rocha”, atravessada por um túnel, substituindo as vigas já oxidadas e desgastadas e a construção de um quebra-mar para minimizar o impacto das ondas, um projeto estimado em mais de 50 milhões de xelins (cerca de 500 mil euros).
“Queremos preservar este monumento que é uma paragem obrigatória em Melinde. É uma herança partilhada entre portugueses e quenianos”, destaca Jimbi Katana.
Portugal apoia as intenções quenianas garante Luísa Fragoso, que visitou o local este ano. “A cooperação na área do património não deixará de ter em conta os projetos definidos pelas autoridades quenianas para o investimento na revitalização dos monumentos e das áreas envolventes”, salientou.
Portugal está "disponível" para ajudar a preservar monumentos no Quénia
A reabilitação e conservação manutenção dos monumentos ligados à história portuguesa no Quénia compete ao governo queniano, mas Portugal está “disponível” para colaborar, segundo a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
Património histórico, como Forte Jesus em Mombaça ou o padrão de Vasco da Gama e a igreja portuguesa de Melinde enfrentam diversos riscos, desde a erosão provocada pelo mar ao desgaste da passagem do tempo, mas a sua conservação está fortemente condicionada pelas dificuldades de financiamento.
Reconhecendo que estes são “três importantíssimos exemplos de património português em África”, Teresa Ribeiro assinalou que Portugal “está disponível para colaborar”, mas sublinhou que a recuperação do património e responsabilidades quanto à conservação desse património pertencem inteiramente ao Quénia.
“Nós [Portugal] ajudaremos sem nenhuma hesitação, mas o património está no Quénia, pertence ao Quénia e deve ser devidamente zelado pelo Quénia, ainda que possa mobilizar apoios internacionais e ainda que Portugal tenha um especial apreço pela conservação desse património e esteja disponível para ajudar à sua manutenção nas melhores condições”, afirmou a governante.
Teresa Ribeiro adiantou que Portugal está disponível para apoiar o Quénia sobretudo na elaboração dos estudos técnicos, para os quais conta também com o apoio da Fundação Gulbenkian “que tem dado um contributo inestimável na identificação do património e realização de estudos técnicos com vista à sua recuperação”.
Atualmente, o Quénia tem em curso intervenções no Forte Jesus, em Mombaça, monumento classificado pela UNESCO como património mundial e datado do século XVI e pretende avançar com a construção de um quebra-mar para atenuar os efeitos da ondulação sobre o padrão de Vasco da Gama, construído em 1498, em Melinde.
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