"O Presidente da República promulgou hoje o diploma da Assembleia da República que alarga o período de faltas justificadas em caso de falecimento de descendente ou afim no 1.º grau da linha reta, alterando o Código do Trabalho", lê-se na nota publicada no website da Presidência da República.

O alargamento do luto parental de cinco para 20 dias consecutivos foi aprovado na votação global da Assembleia da República a 26 de novembro, num processo legislativo que gerou um consenso alargado.

O texto final da Comissão de Trabalho e Segurança Social, que teve por base nove projetos de lei do PS, PSD, BE, PCP, PAN, IL, Chega e das duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues, foi aprovado hoje com a abstenção da Iniciativa Liberal.

A proposta altera o artigo 251º do Código do Trabalho relativo às faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim, passando agora de cinco para “20 dias consecutivos” o período de luto “por falecimento de descendente ou afim no 1º grau da linha reta”.

Já no caso de “falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim ascendente no 1º grau de linha reta”, mantêm-se ​​​​​​os cinco dias consecutivos de faltas justificadas, bem como "em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador".

A alteração legislativa prevê também que “nas situações de falecimento de descendentes ou afins no 1º grau de linha reta”, os progenitores tenham “direito a solicitar acompanhamento psicológico em serviço do Serviço Nacional de Saúde”.

Este direito é também estendido a casos de situações de “falecimento de familiares próximos como cônjuge e ascendentes”.

​​​​​​​Na origem destes projetos de lei está a petição lançada pela Acreditar - Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro, em 1 de setembro, com o mote “O luto de uma vida em cinco dias”, por considerar que os cinco dias previsto na lei são “manifestamente insuficientes” para os pais que perdem um filho, perante uma dor que dura “toda a vida”.

Em poucos dias a petição reuniu milhares de assinaturas tendo sido entregue na Assembleia da República em 12 de outubro.

João de Bragança, Presidente da Acreditar e primeiro signatário desta petição, recordou no texto que há 20 anos teve cinco dias para regressar ao trabalho após a morte da sua filha de sete anos. "Serviram para pouco, para quase nada", escreveu.

E se "nenhum luto é igual a outro luto, porque cada um de nós é diferente do outro: há a fé, o sentido que damos às coisas, a rede social ou familiar, as circunstâncias do drama", certo é que "cinco dias – o tempo que o Estado nos dá para regressarmos ao trabalho após a morte de um filho - será manifestamente pouco", escreve João de Bragança. "Em cinco dias faz-se o imediato, o urgente, tantas vezes o burocraticamente inadiável. Damos uma camada de tinta à alma e ao corpo, não lhe damos novas fundações. Não nos preparamos para o futuro, por absoluta falta de tempo".

Mauro Paulino e Sofia Gabriel, do Instituto de Psicologia Clínica e Forense, salientam que "a perda de um filho é considerada uma das experiências mais traumáticas vivenciadas pelo ser humano. Este luto é definido como um processo intenso, complexo e de longa duração, dada a sua natureza incompreensível e devastadora. Por estes fatores, o luto por um filho tende a ser mais prolongado do que outros lutos, pois pode durar toda uma vida".

Segundo os investigadores, "este luto encontra-se associado a sintomas de depressão e de stress pós-traumático, bem como a um risco elevado de suicídio e de necessidade de hospitalização psiquiátrica. Os sintomas tendem a estar particularmente presentes nos primeiros seis meses, mas a maioria dos pais vivência sintomas de depressão e de stresse pós-traumático vários anos após a perda. Um fenómeno representativo da intensidade do sofrimento são as taxas de mortalidade tendencialmente superiores dos pais, seja pelo decréscimo na saúde física e mental, ou devido às taxas elevadas de suicídio".

Assim, defendem, "sendo certo que o Código do Trabalho não poderá abranger a universalidade das situações, nem abranger um tempo indeterminado de faltas por motivo de falecimento de um filho, resulta, pelo menos, evidente, à luz da ciência psicológica, que o prazo de cinco dias é manifestamente insuficiente para a intensidade do trauma de perder um filho".