Apesar de tudo aquilo por que passámos, continuo a ver a minha família como privilegiada, muito agradecida quer à equipa extraordinária do IPO de Lisboa que nos acompanhou ao longo de cinco anos, quer aos amigos e família que nos ajudaram em tudo o que se possa imaginar. Mas por muito que nos seja explicada a gravidade da situação, com todas as letras, não existem palavras que consigam descrever a violência de ver um filho parar de respirar.

Mesmo uma família solidamente estruturada, onde todos olham por todos, precisa de tempo para se reorganizar, para ajudar a levantar cada um que se vai abaixo, para que continuem a ser uma família.

Ao longo dos últimos oito anos, fui conversando com outras mães que passaram pelo mesmo. Não existem duas histórias iguais, mas o tempo que precisam para voltar a realizar as actividades mais básicas é um denominador comum.

E no campo laboral, quanto tempo será necessário para voltar ao trabalho? Ao longo do mês de Setembro fiz o exercício de perguntar a várias pessoas:

  • Quanto tempo precisa para voltar a trabalhar depois de perder um filho?
  • Sabe que o Código do Trabalho prevê 5 dias?

O choque, o espanto e a incredulidade foram as reacções que mais recebi. O desconhecimento e o medo de falar na morte, esse assunto tabu, levam a perpetuar esta situação.  

Estes pais não são coitadinhos, nem heróis, são apenas Pais. Pais que precisam de algum tempo para se reajustarem a uma nova realidade, de olharem pelos outros filhos – sim, os irmãos não podem ser deixados de fora desta equação, pois também precisam de tempo e apoio psicológico para se reerguerem. 

Esta circunstância não é um exclusivo dos pais de crianças e jovens com cancro, mas essa é a realidade que melhor conheço. 20 dias para os pais regressarem e tentarem exercer a sua profissão de forma responsável, não é um número mágico, ou uma métrica cientificamente comprovada, mas é uma ajuda concreta que pode fazer a diferença. 

Esta proposta da Associação Acreditar teve por base um estudo comparativo da legislação em vigor em vários países europeus e conversas que foram mantidas com vários pais ao longo de 27 anos de acompanhamento destas famílias.

A reacção da sociedade civil, que de forma tão expressiva se solidarizou assim que tomou conhecimento desta realidade, bem como a forma consensual como os vários partidos representados na Assembleia da República reagiram, apresentado Projectos de Lei ou comprometendo-se a fazê-lo, leva-nos a crer que os próximos pais, que naturalmente só conseguimos imaginar que são outros que não nós, vão ter mais tempo para recomeçarem, não necessariamente recuperados, mas provavelmente menos atordoados. Salvaguardando que aqueles a quem faz bem ir trabalhar não ficam impedidos de o fazer, os que precisam de algum tempo poderão ter mais uns dias para se começarem a reerguer.

Esperemos que assim seja.

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Filipa Silveira e Castro, é mãe do Vasco, da Vera, do Tomás e do Bernardo e membro da direcção da Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro. A Acreditar existe desde 1994. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica. O que a Acreditar faz há 27 anos - minimizar o impacto da doença oncológica na criança e na sua família - é ainda mais premente agora em tempos de crise pandémica.