A primeira questão foi sobre a ausência de contactos do presidente à viúva de Ihor Homeniuk, o homem ucraniano morto no Aeroporto de Lisboa pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). "Entendi que o presidente de Portugal não deveria pegar no telefone e ligar para a Ucrânia (...) não devia abrir uma exceção ao seu procedimento em Portugal".
"Em privado, nunca contactei com vítimas nem com familiares de vítimas", afirmou o presidente, dizendo que é um princípio "não tomar posição sobre um processo judicial em curso" — "para não me imiscuir".
Ainda assim, o presidente da República diz que falou do tema várias vezes com o primeiro-ministro, António Costa. "Falei sobre a matéria em maio. Depois, sucessivamente, nenhum jornalista me perguntou sobre a matéria", afirmou, garantindo que se tivesse sido questionado pela imprensa, diria estar em contacto com o chefe do governo português.
Acusado de ter estado em silêncio nove meses sobre a morte de Ihor Homenyuk nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, o chefe de Estado contrapôs que abordou este caso "no início de abril" afirmando que a sua investigação devia ir até "às últimas consequências", mas evitou interferir no processo criminal em curso.
Questionado sobre por que motivo não contactou a viúva deste cidadão ucraniano, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou "que o Presidente de Portugal não devia pegar no telefone e ligar para a Ucrânia", porque isso seria visto "como uma imiscuição na atividade de outras autoridades portuguesas e uma antecipação de juízo".
Confrontado com o facto de a trasladação do corpo ter sido paga pela família e interrogado sobre por que "a sua magistratura de influência desapareceu", o Presidente da República rejeitou essa opinião: "Não desapareceu. Falei com o primeiro-ministro inúmeras vezes disso. Eu não trago a público as conversas com o primeiro-ministro".
"Aliás, posso lembrar que havia um problema pendente desde o Programa do Governo que era a reforma global do SEF. Vinha de trás. E, portanto, o que se passa é que, se já tínhamos falado antes dessa matéria, os prós e os contras de mexer no SEF, por maioria de razão, quando surgiu a investigação administrativa e a investigação criminal nunca deixámos de falar. Nunca trouxe público porque achei que não devia trazer a público", acrescentou.
Bombardeado pelas questões de Ricardo Costa e Bernardo Ferrão, na SIC, Marcelo Rebelo de Sousa precisou de pedir licença para responder às perguntas, sublinhando que não vai "antecipar o julgamento dos tribunais", e apontando para um "novo SEF", que significa a transferência do controlo das fronteiras para outras entidades.
Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que é preciso "um novo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras".
"Um novo SEF, é o Governo quem decide, mas significa provavelmente a transferência das competências do SEF de controlo de fronteiras para outras entidades policiais. E isto é uma revolução difícil, por isso é que demorou tanto tempo a ser debatida", considerou.
Marcelo Rebelo de Sousa defendeu ainda que tem de se fazer a reestruturação da TAP e pagar o respetivo preço, considerando que a empresa é fundamental para Portugal.
Na entrevista à SIC, que durou cerca de 40 minutos, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que a TAP tem de existir sobretudo "por uma razão muito simples: chama-se comunidades portuguesas". "Deve entender-se que isso deve pesar em termos de contributo financeiro num momento em que a pandemia fez juntar à situação anterior da TAP uma situação generalizada? Eu acho que sim. Tem de se fazer uma reestruturação e tem de se pagar o preço dessa reestruturação", acrescentou.
O chefe de Estado e candidato presidencial referiu que "é obrigatório" este processo passar pelas instâncias europeias e apontou o Governo como o órgão de soberania "competente para isso".
No seu entender, "a Assembleia tem uma palavra a dizer, sim, se houver repercussões orçamentais", mas foi dito pelo Governo que o Orçamento do Estado para 2021 comporta o montante associado a este plano de reestruturação - que informou ainda não ter recebido.
"Então, se comporta, provavelmente a Assembleia discute, e deve discutir, mas não delibera", reforçou.
Marcelo Rebelo de Sousa declarou ter "a exata noção" do que pode vir a acontecer a prazo em relação à TAP: "Eu tenho a noção, como tenho a noção em relação ao Novo Banco. Ser Presidente obriga a ter essa noção, de manhã, à tarde e à noite, durante cinco anos consecutivos".
Confrontado com a escassez de vacinas para a gripe depois das garantias de que quem se quisesse vacinar o poderia fazer, Marcelo assumiu a responsabilidade, dizendo que se baseou nas garantias dadas pro Marta Temido. Ainda assim, considera que, até porque o primeiro estado de emergência foi uma ideia sua, assumir responsabilidade pela gestão sanitária.
"A vacina da Pfizer é um processo longo que pode ir até ao fim do ano", alertou Marcelo, lembrando que as vacinas de outros fabricantes estão atrasadas.
Marcelo considera que alternativa de direita está "em construção"
Marcelo Rebelo de Sousa deu hoje a primeira entrevista após anunciar a recandidatura à presidência da República. O atual chefe de Estado sucedeu em 2016 a Aníbal Cavaco Silva, que, tal como todos os outros três presidentes da República pós-25 de Abril antes dele, cumpriu dois mandatos em Belém.
Marcelo foi ainda questionado sobre a sua preocupação com a existência de uma alternativa de poder à direita e foi desafiado a comentar o estado do PSD liderado por Rui Rio.
"Neste momento, naturalmente que cada setor há de fazer os possíveis para que haja essa alternativa", retorquiu, evitando dar a sua opinião.
Perante a insistência dos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que, "olhando para as últimas sondagens, está em construção" essa alternativa, e "tem havido flutuações".
"Mas o problema é o seguinte, é que hoje está óbvio, desde 2015, que o centro-direita só vai ao poder se atingir 45%", apontou, salientando que essa meta "é realmente muito exigente em termos de afirmação de um qualquer partido ou de uma coligação".
Remetendo para os portugueses a possibilidade de Rui Rio vir a ser ou não primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou: "O líder da oposição está a fazer um percurso, eu ainda há pouco dizia, para ir subindo, ir afirmando".
O Presidente da República ressalvou que trabalha igualmente bem com todos os governos e primeiros-ministros, sejam de esquerda ou direita.
Quanto às condições para a formação de futuros executivos, reiterou que não exige acordos escritos, defendendo que o que importa é a palavra, e voltou a argumentar que em termos constitucionais não pode ser vedado o apoio parlamentar de "um determinado partido" a uma solução de Governo, numa alusão ao Chega.
"O Presidente da República não pode discriminar. O partido está ilegalizado? Não está. Quem é competente para ilegalizar? O Tribunal Constitucional, por iniciativa do Ministério Público", argumentou.
O chefe de Estado observou uma vez mais que no exercício das suas funções "há muita coisa que faz", mas de umas "gosta mais", e de outras "gosta muito menos".
Relativamente às presidenciais de 24 de janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu que os candidatos a estas eleições sejam convidados para assistir também às sessões sobre a evolução da covid-19 em Portugal, que têm decorrido no Infarmed, em Lisboa.
Sobre o resultado que espera alcançar, qualificou como "uma loucura" a ideia de que poderia alcançar o recorde eleitoral de 70,35% dos votos expressos obtido por Mário Soares em 1991 na sua reeleição.
"Isso é uma loucura. Eu tenho vários defeitos, mas não sou burro nem louco", declarou, sustentando que "Mário Soares é irrepetível", porque "ninguém teve o passado dele durante a ditadura, ninguém teve o passado dele na revolução e depois da revolução".
Por outro lado, realçou que Soares "teve o apoio do PSD. que valia 50% na altura, e do PS", numa conjuntura em que "não havia pandemia".
"Portanto, se eu já levava uma abada com o primeiro e o segundo fatores, com o terceiro, é o que for. Eleições, perde-se, vai-se à segunda volta, ganha-se tangencialmente na primeira volta ou ganha-se menos tangencialmente na primeira volta", concluiu.
Interrogado se não sente se sente corresponsável pelo crescimento do Chega por se ter situado em termos ideológicos demasiadamente ao centro, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: "Eu não sou um Presidente de fação. Eu não fui eleito para ser Presidente da direita contra a esquerda, nem para proteger a esquerda contra a direita".
No seu entender, em Portugal "a alternativa à direita começou a esboroar-se quando houve uma divisão de estratégia entre o PSD e o CDS entre 2016 e 2017" e "os partidos clássicos têm muita dificuldade em lidar com a democracia inorgânica", que tem crescido gradualmente.
No seu entender, o futuro do Chega também "depende dos outros partidos que estão na direita e na esquerda - podem querer maximizar o peso do novo partido, na forma como o tratam ou não tratam dão-lhe peso".
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