Ao percorrer a estrada que liga a Marinha Grande à Vieira de Leiria, o cinzento do fogo, que há um ano destruiu o Pinhal de Leiria, mistura-se com um cenário de centenas de árvores partidas ao meio, folhas, ramos e pinhas espalhadas ao longo dos vários quilómetros de estrada.
"Parecia o fim do mundo. Nunca vi nada assim." As frases são de Sandra Moreira, uma moradora com casa em frente à praia, cujos vidros foram destruídos por objetos que voaram, e até a parede da casa apresentava buracos.
Sandra Moreira, que limpava os estragos do Leslie durante a manhã de hoje, contou à Lusa que durante a noite de sábado foi obrigada a segurar a porta de casa, que quase cedeu à força do vento. A chaminé, as telhas e vários vidros da varanda estão partidos. "Vários destroços do restaurante da frente foram projetados contra a casa."
Uns metros ao lado, a lota da venda de peixe está totalmente destruída. Ao longo de toda a marginal, os destroços da fúria do vento acumulam-se.
Além dos mirones, que acorreram logo pela manhã para presenciar a destruição, os proprietários de casas e cafés limpavam o que podiam. Dois apoios de praia ficaram destruídos. O mesmo se passou com restaurantes e cafés virados para a praia.
"Estores e telhas voaram. A esplanada foi destruída. Não saí de casa e o barulho do vento era ensurdecedor. Foi mesmo algo fora do normal. Depois faltou a luz toda a noite", adianta Pascoal Rodrigues, dono de um espaço arrendado para restauração.
Uma sapataria ficou totalmente destruída. "Os sapatos e armários estão espalhados pela rua", conta a proprietária, explicando que os destroços terão partido os vidros " e o "vento fez o resto".
Neste espaço, a destruição foi aproveitada para furto. "Avisaram-me que estavam pessoas a carregar o carro com mercadoria."
O presidente da Junta de Freguesia de Vieira de Leiria, Álvaro Cardoso, confirmou que a GNR foi alertada para situações de furto, de suspeitos que terão aproveitado as montras partidas para retirarem objetos.
Os bombeiros não têm mãos a medir. Num prédio, as varandas desapareceram ou estão danificadas com pedaços de alumínio que terão sido arrancados de outros locais. A fúria do vento, como muitas pessoas constataram, também não poupou as instalações da Polícia Marítima.
O posto, que é utilizado de forma permanente durante a época balnear para apoio aos veraneantes, ficou sem telhado e sem algumas paredes.
No local, o comandante da Capitania do Porto da Nazaré, Paulo Agostinho, explicou que "dificilmente será possível recuperar o edifício", que tinha sofrido remodelações "recentemente".
Paulo Agostinho informou ainda que na zona de São Pedro de Moel, na Marinha Grande, o telhado do Farol do Penedo da Saudade também voou à passagem da tempestade Leslie. "Na Praia da Vieira foi onde se verificaram maiores estragos", frisou.
Ao lado, o hotel Cristal também sofreu danos. "Os clientes ficaram muito assustados. Um autocarro que transportava turistas ficou com os vidros partidos e foram obrigados a pedir a sua substituição, para transporte das pessoas, que hoje iriam embora", explicou a assistente da direção, Magda Trovão.
Esta responsável revelou que o Leslie partiu "uma vidraça, a sacada de um bar em vidro, várias estruturas de madeira", destruiu parte da piscina coberta do hotel e provocou danos no parque aquático. "Aconteceu tudo durante cerca de uma hora. Entre as 21:30 e 22:30 foi o período mais crítico. Foi tudo pelo ar."
"Foi mau de mais o que aconteceu. Estamos conscientes que o incêndio piorou a proteção e que no verão as temperaturas vão aumentar e o inverno será mais intenso. Sem proteção, o vento irá afetar mais a vila", afirmou o presidente da Junta, Álvaro Cardoso (PS).
O autarca, que confessou que a sua habitação também sofreu danos ao nível do telhado, afirmou que o barulho do vento era "assustador".
Referindo que ainda não tem o balanço de todos os prejuízos, Álvaro Cardoso disse que desconhece se há pessoas deslocadas ou desalojadas.
"A primeira intervenção que decorreu durante toda a noite com os bombeiros foi a desobstrução das vias, prevenindo qualquer acidente. As árvores caíram em quase todas as ruas. Criámos o gabinete de crise nos bombeiros, para onde se deslocou uma psicóloga, que deu apoio às pessoas que estavam mais vulneráveis e emocionalmente abatidas", revelou o presidente.
Álvaro Cardoso afirmou ainda que a passagem da tempestade Leslie provocou "prejuízos elevadíssimos na Praia da Vieira".
"Dois apoios de praia foram destruídos e durante a noite tivemos de ir desobstruir a marginal porque a cobertura destes ficou depositada no meio da via. Na Vieira é rara a rua onde não se veem pessoas a consertar os telhados. Não estarei a exagerar se disser que mais de uma centena de casas foram danificadas", constatou.
Segundo Álvaro Cardoso, há vários pinheiros partidos "numa extensão ainda considerável", "árvores caídas e casas destelhadas, com chaminés partidas".
"As habitações que estavam rodeadas por pinhais sofreram mais danos, com a queda de árvores para a sua estrutura. Depois há um conjunto de casas abandonadas que estavam sinalizadas pela Proteção Civil, cujas fachadas caíram. Tivemos de intervir derrubando as fachadas, sobretudo as que estavam viradas para a via pública", adiantou o presidente.
A eletricidade e a água ainda estão a ser repostas em vários pontos da freguesia.
A passagem do Leslie por Portugal, no sábado e hoje, provocou um morto, 28 feridos ligeiros e 61 desalojados.
A ANPC mobilizou 8.217 operacionais, que tiverem de responder a 2.495 ocorrências, sobretudo queda de árvores e de estruturas e deslizamento de terras.
O distrito mais afetado pelo Leslie foi o de Coimbra, onde a tempestade, com um “percurso muito errático”, se fez sentir com maior intensidade, disse o comandante da ANPC, Duarte da Costa.
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