“Eu percebo a implicação económica e social tremenda que tudo isto tem, mas não podemos novamente ser precipitados na nossa abordagem e, dessa forma, comprometer aquilo que foi o esforço que fizemos, designadamente com muita dificuldade agora em janeiro”, disse à agência Lusa o presidente da associação, Ricardo Mexia.

A este propósito, o médico acrescentou: “Tenho muito receio que agora, com esta descida dos números, de repente passemos outra vez a ser os melhores do mundo e a querer reabrir tudo sem verdadeiramente ponderar essas implicações”.

Esperando que “haja ponderação” nesta matéria e que a comunicação “também seja clara” sobre os desafios que o país ainda enfrenta, Ricardo Mexia notou que “vacinar todos ainda está muto longe”, sendo que as diversas medidas de proteção vão manter-se “durante muito tempo”.

Questionado se um eventual desconfinamento tem de ser feito com conta peso e medida, Ricardo Mexia respondeu: “Precisamente, planear o desconfinamento e fazê-lo de forma regrada e disciplinada”.

Na terça-feira, a ministra da Saúde, Marta Temido, disse que Portugal deverá continuar com o nível de confinamento atual até meados de março, indicando que o país continua com uma “incidência extremamente elevada” de novos casos de contágio pelo novo coronavírus.

“É bastante evidente que o atual confinamento tem que ser prolongado por mais tempo, desde já durante o mês de fevereiro, e depois sujeito a uma avaliação, mas provavelmente por um período que os peritos hoje estimaram em 60 dias a contar do seu início”, afirmou Marta Temido, após uma reunião virtual com especialistas no Infarmed, em Lisboa.

O confinamento decretado em 15 de janeiro marcou o início do decréscimo do número de novos casos, “mais acentuado” a partir do agravamento das medidas e o fecho das escolas, no dia 21 de janeiro.

Embora “mais atrasada”, verificou-se também a partir desse momento uma redução gradual do número de internamentos e de mortes atribuídas à covid-19.

Processo de vacinação deve ser muito mais claro

O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública defendeu também que o processo de distribuição e administração das vacinas contra a covid-19 deve ser muito mais transparente e claro.

“Esse [processo] tem de ser muito mais transparente, tem de ser muito mais claro e tem de ser melhor comunicado. As pessoas têm de ter noção, perceção, de quando é que é expectável que venham a ser vacinadas”, afirmou à agência Lusa Ricardo Mexia.

O médico exemplificou que “continua a haver um simulador que diz que grande parte dos portugueses vão ser vacinados em abril”.

“Ora, isso não tem interação com a realidade, infelizmente. Gostávamos muito que fosse verdade, mas não é possível, porque não há vacinas para isso”, declarou.

Insistindo que “ser claro em relação ao momento e o modelo como as pessoas vão ser vacinadas é absolutamente fundamental”, o presidente da associação apontou, por outro lado, a necessidade de se evitar o ruído relativo às “situações de ultrapassagens, dos abusos que houve na administração das vacinas”, pois “prejudicam a confiança de toda a gente no processo”.

Ricardo Mexia referiu ainda a necessidade de se “ser claro em relação àquilo que são os grupos prioritários, ser claro em relação à forma como devem ser geridas, por exemplo, as eventuais sobras que surjam”, para que “toda a gente mantenha confiança no processo”.

Reconhecendo que a questão da vacinação tem um problema central, que é externo - “o ritmo de chegada das vacinas” -, o dirigente reconheceu que esta é uma situação que o país tem “alguma dificuldade em mudar”, mas se o puder fazer era, no seu entender, uma “boa aposta”.

“Contra isso podemos, eventualmente, encontrar outras soluções, contratar outras vacinas que estejam disponíveis no mercado, sabendo que é um mercado global, extremamente competitivo”, disse.

Ricardo Mexia adiantou que “Portugal goza, felizmente, de uma grande confiança nas vacinas, aliás é um país ímpar na Europa” nesta matéria.

“Eu acredito que há um bom ambiente para implementar a vacinação, agora se eles não confiam no processo de administração das vacinas porque veem todos os dias que a situação se complica por diversas razões”, como o ruído que “se quer introduzir no sistema, naturalmente, que isso também compromete alguma da sua confiança”, afirmou, dizendo esperar que “isto não leve a que haja pessoas a equacionar a possibilidade de, quando chegar a sua vez, não se vacinarem”.

“É fundamental que todas as pessoas se vacinem quanto tiverem essa oportunidade”, apelou.

Na segunda-feira, a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou que quase 400 mil doses da vacina contra a covid-19 foram administradas até às 13:00 desse dia.

“Até hoje [segunda-feira] às 13:00, foram realizadas, encontram-se registadas 397.404 inoculações. São cerca de 292 mil primeiras doses e cerca de 104 mil, quase 105 mil, segundas doses”, especificou Marta Temido.

A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.341.496 mortos no mundo, resultantes de mais de 106,8 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 14.718 pessoas dos 774.889 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.