Na ocasião, Nossa Senhora ter-se-á apresentado como “rainha da paz" e, desde então, terá aparecido sucessivas vezes aos seis videntes, um fenómeno que se repete, pelo menos, todos os meses.

A hierarquia católica tem reagido com ceticismo ao fenómeno e chegou mesmo a afastar um dos principais sacerdotes associados ao caso. Nos últimos anos, Roma tem enviado missões para avaliar a legalidade canónica daquelas “aparições” mas, até agora, os resultados não têm sido conclusivos.

Apesar disso, estima-se que um milhão de peregrinos procurem todos os anos aquela vila localizada na zona croata da Bósnia.

Medjugorje não é local de turismo religioso

"Em Medjugorje, não há turistas, há peregrinos", repetem os residentes quando questionados sobre a chegada de um milhão de pessoas por ano à localidade do sul da Bósnia-Herzegovina, onde, há 36 anos há relatos de "aparições" da Virgem.

O operador turístico Davor Ljubic é dos primeiros a explicar que "em Medjugorje, não há turistas, há peregrinos" porque "ao contrário do turista, o peregrino, em vez de ficar a descansar na praia, vai à missa para descansar o espírito".

Ainda assim, Davor Ljubic concorda que tenha havido um "milagre económico" na localidade onde trabalha desde 1989, sendo atualmente proprietário de uma agência de viagens e gerente de um hotel.

"Há 35 anos, Medjugorje era uma aldeia pequena com vinhas e campos de tabaco, tão pequena como Fátima em 1917. Toda a estrutura de Medjugorje mudou. Há 35 anos não se viam casas assim, era quase impossível ter casas-de-banho no interior.

Agora veem-se belos hotéis, pensões, belos carros", descreveu.

Davor Ljubic acrescentou que atualmente há demasiada oferta hoteleira para o número de peregrinos, considerando que "se deve aprender com o Santuário de Fátima", que visitou 15 vezes, porque "Fátima tem oito mil camas e Medjugorje tem entre 15.000 a 20.000" ainda que o santuário português seja "visitado por cinco a seis milhões de pessoas" e o bósnio por mais de um milhão.

Deljko Vasilj, presidente do Centro de Informações de Turismo de Medjugorje, descreveu que "no início das aparições, a igreja estava sozinha no meio dos campos", mas estes transformaram-se em "terrenos de construção" e nasceu "uma pequena povoação em torno da igreja".

"Em Medjugorje vive-se quase exclusivamente do acolhimento de peregrinos, podemos mesmo dizer exclusivamente, o que faz de Medjugorje uma exceção regional porque a vida neste país é muito pobre. Muitas pessoas têm de emigrar", descreveu o responsável.

Deljko Vasilj precisou que Medjugorje tem cerca de 5.000 habitantes e "todos vivem de coisas ligadas ao acolhimento dos peregrinos", desde hotéis, a restaurantes, lojas e táxis, havendo ainda "cerca de 2.000 pessoas que vêm de localidades próximas para trabalhar aqui".

Os que trabalham nas lojas estão cansados dos jornalistas porque "há pessoas que vêm só para criticar Medjugorje", explicou o fotógrafo "Dani", depois de muitas reticências em prestar declarações à Lusa e não adiantando o apelido.

"Fico muito feliz por ter um contacto direto com os peregrinos. Vive-se a alegria e a paz deles. Não sou eu, nem os restaurantes, nem os hotéis que dão a imagem verdadeira de Medjugorje. São três coisas: a colina das aparições, o monte Krievac e a igreja. Eles vêm aqui para carregar as baterias espirituais", contou o fotógrafo que faz imagens dos peregrinos há 20 anos.

Daniela Duganzic trabalha há 11 anos numa loja de lembranças, onde o que mais vende são pedras pequenas com a imagem da Virgem a 1,50 euros, alguns livros e muitos terços, e explicou ser a primeira a acreditar na "Gospa" (Virgem Maria em croata).

"Durante dez anos não tive filhos e agora tenho dois. O meu médico dizia que era impossível. Fui ao monte Podbro, às missas ao domingo, ao Kri?evac com o meu marido. Após sete anos, a "Gospa" ajudou-me. Acredito muito na Gospa", contou.

Mirjana Vlaho também trabalha há cinco anos numa das dezenas de lojas de lembranças que decoram a rua principal, em frente à Igreja de Santiago, e o que mais se vende são os terços e imagens da Virgem Maria, com preços médios de dois a quatro euros.

"Os húngaros compram muito pouco, os italianos e os americanos compram muito mais. Os americanos, por exemplo, facilmente gastam 100 dólares", contou a empregada de 38 anos, que garante ter um "bom salário" e ser "declarada porque muitos trabalham ao negro", num país onde "o salário mínimo é de 440 marcos, cerca de 225 euros".

Junto à igreja, os taxistas aguardam, na conversa e a fumar, pelos peregrinos que nem sempre chegam porque "há demasiados autocarros das agências de viagens", considerou Ante Vidovi?, taxista há 30 anos que trabalha "bastante na primavera e no verão para ganhar dinheiro para o inverno" quando "não há praticamente peregrinos".

O taxista conhece desde miúdo as seis pessoas que alegam ter aparições, diz acreditar piamente nelas e não critica as que têm pensões porque "toda a gente aqui tem pensões e se a hotelaria é o único trabalho, elas também têm que viver".

Da perseguição religiosa às peregrinações

Apesar de o Vaticano não ter reconhecido até agora a localidade como santuário, o enviado especial da Santa Sé, o arcebispo polaco Henryk Hoser, esteve em Medjugorje para estudar as necessidades pastorais dos peregrinos, algo visto como um primeiro passo para o reconhecimento de uma história que começou num ambiente de medo e de perseguição política aos que acreditaram nas "aparições".

"Seriam precisas horas para contar tudo", afirmou à Lusa Marinko Ivankovic, de 76 anos, e conhecido em Medjugorje como aquele que protegeu as pessoas na origem do fenómeno e que foi anunciar aos franciscanos que elas estavam a ter "aparições" numa altura em que o regime comunista ateu da ex-Jugoslávia tinha mão de ferro contra as manifestações religiosas em público.

"Houve muitas perseguições. O meu primeiro interrogatório foi a 30 de junho, após alguns dias de aparições. Acusaram-me de ter inventado tudo com as crianças, de as ter convencido a fazerem de conta. Interrogaram-me várias vezes depois. Muitas pessoas sofreram na aldeia, muitas foram presas. Durante um ano, a polícia proibiu as pessoas de subirem até à colina", relembrou.

Jela Odak, presidente da Associação de Guias para os Peregrinos de Medjugorje, lembra-se dos polícias armados e com cães no sopé do monte Podbro, conhecido como "a colina das aparições", para dissuadir as pessoas de subirem para rezar porque "se considerava que o que se passava em Medjugorje era uma tentativa para destruir o Estado comunista".

"Quando as aparições da Virgem começaram, o que se dizia nas famílias dos videntes era para se calarem e não falarem do que tinham vivido. O regime apercebeu-se que tinha acontecido qualquer coisa e rapidamente começou a prender as pessoas por fazerem cânticos à Virgem. Não se podia rezar em público, nem trazer um terço ao pescoço e muito menos um crucifixo quando estávamos em espaços públicos", recordou a guia que nasceu em Medjugorje em 1965.

A guerra da Bósnia, entre abril de 1992 e dezembro de 1995, não atingiu Medjugorje - "milagrosamente" segundo alguns residentes - e, hoje, mais de um milhão de peregrinos visitam Medjugorje anualmente, oriundos de 120 países, de acordo com Reljko Vasilj, presidente do Centro de Informações de Turismo de Medjugorje, que precisou à Lusa que, no total, a localidade foi visitada, por "cerca de 30 milhões" de pessoas.

"Antes da guerra a capacidade de alojamento era de 10.000 camas, ou seja, 300 mil pessoas por ano, e após a guerra era de cerca de 20.000 camas, com um milhão de peregrinos por ano", precisou o responsável, sublinhando que atualmente há cerca de 20 hotéis e o resto são "pensões familiares".

Ivan Kozina é proprietário da "mais antiga agência de viagens de Medjugorje" e explicou que "nos últimos três anos a oferta hoteleira tem sido muito superior à procura", algo muito diferente dos anos imediatamente após as "aparições" quando só havia "cerca de 300 casas que podiam receber peregrinos e ninguém tinha quarto de hóspedes".

"Nos anos 1981,82,83, o padre Slavko ligava-me e pedia-me alojamento para 50 pessoas. Eu ia de família em família e as pessoas cediam a cama aos peregrinos e acolhiam duas ou três pessoas. O problema foi quando os peregrinos começaram a vir de autocarro. Eram precisas 20 a 25 casas para um autocarro! E quando chegavam cinco autocarros da Áustria e de Itália era o caos!", contou.

De acordo com Ivan Kozina, a partir de 1986, "o regime comunista começou a ceder" com o surgimento de agências de viagens na localidade devido "à pressão do exterior de pessoas que queriam vir a Medjugorje".

Hoje, "é toda uma região que vive com os serviços prestados aos peregrinos", desde o alojamento, aos restaurantes, aos transportes, ou seja, "muitas pessoas vivem diretamente de Medjugorje", acrescentou o operador turístico de 59 anos, sublinhando que "Deus dá a poucos a possibilidade de viver num lugar onde a Virgem aparece".

Um local de procura de paz

A missa do final da tarde é em croata e traduzida simultaneamente em várias línguas para centenas de peregrinos atentos aos auscultadores e entoando ladainhas que ecoam na Igreja de Santiago, em Medjugorje, no sul da Bósnia-Herzegovina.

A rezar junto ao altar exterior da igreja, em frente a um ecrã gigante que transmite a missa, está Michael Henry, de 60 anos, que foi passar uma estada de "um a dois meses" em Medjugorje em busca da "paz interior e espiritualidade" que sentiu na primeira vez que aí foi, há apenas um ano.

"Eu sei que isto é só uma aldeia, mas sinto-me bem, feliz e em paz quando aqui estou. Estivemos a rezar na Colina das Aparições com duas das pessoas que têm aparições. Não estava à espera de nada, simplesmente venho para rezar a Nossa Senhora", contou o reformado que vive na Malásia.

À esquerda e à direita da igreja, no exterior, os fiéis alinham-se à espera da sua vez para entrarem num dos cerca de 50 confessionários onde estão colocadas faixas com o idioma percebido pelos padres, incluindo a língua portuguesa.

À espera de se confessar ao padre Carlos Macedo, que acompanha grupos de peregrinos portugueses a Medjurgorje há vários anos, estava Maria José Quadros, de 64 anos, que fez uma longa viagem até chegar à localidade bósnia, desde a Ilha Graciosa, nos Açores, passando pelas ilhas Terceira e São Miguel, fazendo escala em Lisboa para chegar a Split, na Croácia, e apanhando um autocarro até Medjugorje.

"A gente sente aqui uma paz, é uma doçura. Eu nem sei explicar. É diferente. Aqui parece que é o céu na Terra. [A palavra] não é mágica mas é talvez uma maneira das pessoas do mundo entenderem porque a gente já não é do mundo, a gente já vive noutra dimensão", descreveu a açoriana que vai a Medjugorje há quatro anos.

Viagem ainda mais longa teve Beverly Pereira, residente na cidade de Artesia, nos Estados Unidos, que se juntou a um grupo de meia centena de pessoas do Sri Lanka para realizar a sua "última paragem" no itinerário de "lugares sagrados" que tem visitado, depois de ter estado duas vezes em Fátima e duas vezes em Lourdes, em França.

"Fui a vários lugares sagrados. Já lhes perdi a conta. Este era o que me faltava na minha lista. Sinto que Nossa Senhora está aqui. Ela deu-me um sinal porque quando fui à Colina das Aparições, o meu rosário mudou ligeiramente de cor. Nossa Senhora sempre foi boa comigo e venho para rezar. Até vou rezar pelos Estados Unidos porque estamos cheios de problemas e o presidente Trump deixa-nos em alerta", descreveu a educadora de infância de 65 anos.

Yvowni Alles, de 68 anos, também esteve em Fátima há oito anos e fez uma longa viagem para cumprir a segunda peregrinação a Medjugorje que lhe custou 1.300 euros e teve de "rezar muito para ter o visto" porque é do Sri Lanka.

"Não vim aqui para pedir favores, só para agradecer. Estive aqui no ano passado, na mesma altura e fui novamente arrastada para aqui. Sinto-me muito feliz e abençoada pela Virgem Maria. Nem que morra amanhã, morro feliz", contou esta dona de casa, à saída da missa.

O irlandês Brian Davis, de 36 anos, também já foi ao Santuário de Fátima e disse que "a diferença é que em Medjugorje as aparições continuam e é algo muito impressionante", argumentando que, ele próprio, sentiu "algo muito poderoso".

"Já cá tinha estado há seis anos e senti necessidade de voltar. Tirei férias de propósito. É um lugar muito calmo, que transmite paz. Fátima também tem essa paz mas aqui sente-se que as aparições continuam", afirmou o irlandês de Dublin, considerando que "o Vaticano ainda não reconheceu Medjugorje porque ainda há coisas a acontecer".

Maria Clara Henriques, da aldeia de Moledo, no concelho da Lourinhã, afirma ter assistido a várias "curas" nas sete vezes que foi a Medjugorje, depois de, em 2005, ter lido um livro do padre Jozo Zovko, pároco de Medjugorje no início das "aparições", e de ter ido assistir a uma missa que ele fez em Lisboa.

"Aqui havia um clima, uma coisa que me aconchegava, um amor que eu não conseguia explicar. Era um amor tão grande uns pelos outros que eu nunca tinha encontrado em sítio nenhum. Fiz a peregrinação toda e houve muitos testemunhos de curas e muitas coisas e fui-me embora com uma grande vontade de vir outra vez e de trazer todos que eu conhecia atrás de mim", descreveu a portuguesa de 57 anos.

O confessionário do mundo

"Os peregrinos falam de Medjugorje como o centro espiritual do mundo porque as coisas que precisam em casa só conseguem atingir aqui. Aqui foi o lugar onde muitas pessoas se conseguiram reconciliar com Deus e começar uma nova vida convertida. Muitos dizem que Medjugorje é o confessionário do mundo", explicou à Lusa Sanja Pehar, chefe de redação da estação de rádio Mir Medjugorje.

Há 32 anos, Medjugorje conquistou Milona Von Habsburg, sobrinha do príncipe herdeiro do antigo império austro-húngaro, o arquiduque Otto de Habsburg, o qual era o filho mais velho de Carlos I, último imperador da Áustria e antigo rei da Hungria, da Croácia e da Boémia.

Ao "terceiro aniversário das aparições", em junho de 1984, a descendente da família imperial austro-húngara foi em peregrinação até à pequena localidade bósnia, onde dormiu em tendas, no meio de vinhas e sob vigilância da polícia, tendo aí ficado a morar, até hoje, depois de uma confissão no topo da colina do Kri?evac, "o Monte da Cruz".

"Tive de dizer tudo a este padre, todos os 25 anos, não só uma lista de pecados mas a vida inteira. Ele fez-me uma grande absolvição e a vida nova começou porque havia uma relação nova com a missa, com a oração", descreveu Milona Von Habsburg, sublinhando que Fátima também foi muito central na vida da sua família.

Hoje, a arquiduquesa é a embaixadora internacional da "Mary's Meals", uma associação que fornece mais de um milhão de refeições diárias em escolas do Sudão do Sul, Libéria, Benim, Uganda, Quénia, Malawi, Zâmbia, Haiti e Índia, entre outros países.

"Uma confissão" também mudou a vida de Patrick Latta que se instalou com a esposa, Nancy, em Medjugorje, há 24 anos, para "ser vizinho da Virgem", deixando para trás a cidade de Vancouver, no Canadá, onde ele era empresário no ramo automóvel e ela advogada.

"Eu tinha um grande negócio com carros. O dinheiro era o meu Deus. Se me perguntasse o que era Deus mostrava-lhe uma nota de 20 dólares. Mas a Nancy emprestou-me um livro de mensagens de Medjugorje, abri ao calhas e li uma mensagem que dizia "Convoco-te para a conversão pela última vez". Aquilo foi direto ao coração e chorei, chorei", contou o canadiano.

Patrick Latta confessou-se, então, pela primeira vez em 30 anos e "disse tudo ao padre, os casamentos, os divórcios, os adultérios, os problemas dos filhos", algo que descreve como "o maior milagre" da sua vida, tendo depois vendido "tudo o que tinham" e construido um castelo de estilo medieval nas imediações de Medjugorje para receber padres, freiras e peregrinos.

Marija Dugandzic é a responsável pelos arquivos da paróquia e pela organização de retiros espirituais internacionais, tendo-se mudado para Medjugorje em 1984 porque foi "atraída pelo amor da Virgem e por um poder superior".

"Eu morava em Split, tinha uma bela carreira pela frente e vir para Medjugorje não era de todo lógico", contou, explicando que começou por trabalhar como guia para os peregrinos italianos, depois para a paróquia e tendo também sido responsável pela estação de rádio Mir Medjugorje.

A estação, que começou a emitir a 25 de novembro de 1997, transmite noticiários, programas de cultura, música e entretenimento em croata, mas também, emite a missa do final do dia, em direto e em várias línguas através da sua página internet.

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