O diagnóstico, hoje divulgado, faz parte de um relatório de uma comissão de especialistas da revista científica Lancet, segundo o qual o planeta não terá capacidade de alimentar tantas pessoas sem uma transformação dos hábitos alimentares, uma melhoria na produção e uma redução do desperdício.
E essa mudança, para o consumo de alimentos mais saudáveis, também vai evitar a morte prematura de 11 milhões de pessoas em cada ano, reduzindo a morte de adultos entre 19% e 23,6%.
Segundo os especialistas, uma dieta-padrão saudável e planetária consistirá em aproximadamente 35% das calorias provenientes de grãos integrais e tubérculos, em ter nas plantas a principal origem da proteína (incluindo-se apenas cerca de 14 gramas de carne vermelha por dia), e no consumo de 500 gramas de vegetais e frutas por dia.
É esta mudança nos hábitos alimentares que levará à diminuição em 50% do consumo de carne vermelha e açúcar e a um aumento de 50% de consumo de frutos secos, verduras, legumes e fruta.
Esta mudança, diz-se no relatório, garante um sistema alimentar mundial e não põe em causa os limites do planeta na produção de alimentos, tendo em conta por exemplo as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, o uso da terra e da água e o ciclo dos nutrientes.
E essa mudança, segundo o documento, é “urgentemente necessária”, já que mais de três mil milhões de pessoas sofrem de desnutrição e a produção de alimentos está a exceder a capacidade do planeta, impulsionando as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e o aumento da poluição pelo uso excessivo de fertilizantes.
O relatório da Comissão EAT, da Lancet, propõe uma dieta baseada em alimentos à base de plantas e com pouca quantidade de alimentos de origem animal, de grãos refinados, comida altamente processada e açucares.
“As dietas atuais estão a levar a Terra além dos seus limites ao mesmo tempo que causam problemas de saúde. Tal coloca ambos, pessoas e planeta, em risco”, diz o documento.
Tim Lang, da Universidade de Londres, um dos membros da comissão, diz que “os alimentos que comemos e a forma como os produzimos determinam a saúde das pessoas e do planeta, e atualmente estamos a fazer isto de forma muito errada”.
A Comissão EAT é um projeto a três anos que reúne 37 especialistas de 16 países, com experiência em saúde, nutrição, sustentabilidade ambiental, sistemas alimentares, economia e governança política.
No relatório, os responsáveis salientam que o aumento da produção alimentar nos últimos 50 anos contribuiu para o aumento da esperança de vida, e para a redução da fome, da mortalidade infantil e da pobreza global, mas notam que esses benefícios estão agora a desviar-se para dietas pouco saudáveis, altas em calorias, açucares, amidos refinados e excesso de carne, e baixo teor de frutas, legumes, grãos integrais, frutos secos, sementes e peixe.
Atualmente, diz-se no documento, os países da América do Norte comem quase 6,5 vezes mais carne do que o recomendado, enquanto no sul da Ásia se come metade do que era suposto. Todos os países estão a comer mais vegetais ricos em amido, como a batata e a mandioca, do que o recomendado, 1,5 vezes mais no sul da Ásia ou 7,5 vezes mais na África subsariana.
No modelo proposto aumenta-se o consumo de ácidos polinsaturados saudáveis e reduz-se o consumo de gorduras saturadas, e aumenta-se também a ingestão de micronutrientes essenciais como o ferro, o zinco, o ácido fólico, a vitamina A e o cálcio. A falta de vitamina B12 (muito presente em alimentos de origem animal) poderá ter de ser compensada.
Os autores notam ainda que é necessário descarbonizar mais rápido do que o previsto o sistema energético, para permitir alimentar 10 mil milhões de pessoas em 2050 sem produzir mais gases com efeito de estufa. E que é preciso reduzir a perda de biodiversidade e o uso de fósforo (fertilizantes) e não aumentar o uso de azoto (em fertilizantes também).
E propõem que sejam criadas políticas para encorajar as pessoas a escolher dietas saudáveis, restrições de publicidade e campanhas de educação. Depois os preços dos alimentos devem refletir os custos de produção, mas também os custos ambientais, pelo que pode haver aumento dos custos para consumidores, podendo ser necessárias políticas de proteção social.
E o desperdício alimentar deve ser reduzido pelo menos a metade. Notam os responsáveis que esse desperdício acontece em países pobres durante a produção, devido a mau planeamento, falta de acesso a mercados e falta de estruturas de armazenamento e processamento.
Nos países ricos o desperdício é causado sobretudo pelos consumidores e pode ser resolvido com campanhas que melhorem hábitos de compra, o entendimento dos rótulos, e o armazenamento, preparação, proporções e uso de sobras.
A Lancet lançará este ano vários relatórios, o próximo, no final do mês, será sobre obesidade, desnutrição e alterações climáticas.
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