“A atitude que o México e que o próximo governo da Argentina estão a demonstrar, infelizmente, está orientada a promover uma mudança na região de graves consequências para a estabilidade da região”, denunciou em entrevista à Lusa Karen Longaric.

“Aqui está claramente desenhado um plano geopolítico desses governos populistas, que se autodefiniram como socialistas do século XXI, ao qual (o Presidente mexicano Juan Manuel) López Obrador parece ter-se somado como um operador importante da política de Evo Morales. Uma política de desestabilização da Bolívia. De facto, na Argentina, o (presidente Mauricio) Macri já não manda. Quem está a tomar as decisões mais importantes nesse país é (o Presidente eleito Alberto) Fernández. Está a antecipar as decisões do seu próximo período governamental”, apontou Karen Longaric.

Juan Manuel López Obrador ofereceu asilo ao ex-Presidente boliviano assim que Evo Morales anunciou a sua renúncia e antes que começasse a responder por processos judiciais na Bolívia, a começar por fraude nas eleições presidenciais de 20 de outubro.

López Obrador enviou um avião para transportar Morales, que se havia refugiado no Chapare, região boliviana de cultivo de coca, de onde o ex-Presidente da Bolívia emergiu politicamente.

O Presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, foi um dos primeiros a reconhecer a vitória de Evo Morales nas eleições, mesmo quando compactas e participadas manifestações populares em toda a Bolívia denunciavam a fraude.

Diplomata de carreira e professora de Direito Internacional Público nas mais prestigiosas universidades da Bolívia, a ministra Karen Longaric, acumula títulos como o de doutora em Relações Económicas Internacionais com especialidade em Integração Sul-americana e em Solução de Controvérsias Internacionais, obtido na Universidade de Havana, Cuba.

Esse conhecimento acumulado da região leva-a a afirmar que as declarações de Evo Morales, permitidas pelo governo mexicano, são “expressões de caráter político que desestabilizam e que põem em risco as relações entre os países da região”.

Por isso, o governo da Bolívia fez uma queixa formal ao México.

“Foi uma declaração perante a embaixadora do México. Eu invoquei que houve uma mudança na política do México. Manifestei a nossa preocupação com o facto de que o México está a violar as normas do direito de asilo, permitindo ao senhor Evo Morales não só se pronunciar sobre a política interna boliviana, mas também desestabilizar o momento político na Bolívia ao ameaçar retornar e mobilizar a sua gente, desafiando a legalidade na Bolívia”, revelou a ministra.

A resposta mexicana acentuou a deceção da Bolívia.

“Eles responderam que a Constituição mexicana não lhes impunha limites à liberdade de expressão dos asilados. Porém, não há nenhuma norma na Constituição política do Estado mexicano que permita interpretar essa liberdade e a possibilidade de violar uma norma internacional”, argumentou Karen Longaric.

“As normas do direito ao asilo são iguais no mundo todo. É um princípio do direito de asilo que o asilado esteja limitado para emitir expressões de caráter político que desestabilizem ou que ponham em risco as relações entre os países”, salientou.

Questionada pela Lusa se considerava que o papel do México, mais do que conceder asilo, era de conivência com a suposta estratégia de Evo Morales de desestabilizar a Bolívia, a ministra preferiu manter a diplomacia, mas acusou o México de desrespeitar a sua própria linha histórica nas relações internacionais para proteger Evo Morales.

“É muito difícil, para mim, como chefe da diplomacia da República da Bolívia afirmar que haja conivência, mas estamos muito preocupados porque as manifestações diárias e de tom cada dia mais elevado do ex-Presidente boliviano, que parece protegido e imune a tudo, deixa-nos muito preocupados”, indicou Longaric.

“O México, que sempre foi um país respeitoso da política interna dos outros Estados, a não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados, hoje está a violar a doutrina Estrada que é a ponta-de-lança da sua política externa. Parece que o interesse de proteger Evo Morales é muito maior do que a legalidade das instituições mexicanas que sustentam a sua política externa”, acusou.

A doutrina Estrada diz que o importante para se reconhecer um governo é saber se esse governo é efetivo e se controla o Estado. Se um governo tem o comando, questionar a forma como se chegou ao poder é uma indevida ingerência nos negócios de um Estado estrangeiro.

Genaro Estrada foi um estadista, académico e escritor mexicano, que desempenhou o cargo de secretário das Relações Exteriores do México entre 1930 e 1932 e o arquiteto da Doutrina Estrada.

A Presidente Jeanine Áñez assumiu o poder dois dias depois de Evo Morales e toda a linha sucessória renunciarem, deixando um perigoso vácuo de poder no país.

A Constituição boliviana, impulsionada pelo próprio Morales, prevê que, perante um vácuo de poder, um novo governo possa ser proclamado, mesmo sem uma maioria na Assembleia Legislativa.

Jeanine Áñez era a vice-presidente do Senado, onde o Movimento Ao Socialismo (MAS), partido de Evo Morales, detém 2/3 dos legisladores.