Em entrevista à Lusa à margem da participação no Foro La Toja, na Galiza, Espanha, o também reitor emérito da Universidade Centro-Europeia de Viena considera que a “única solução” é os 27 países [da UE] “concordarem com um sistema de migração comum, com regras comuns, senão a mobilidade interna [de migrantes] não funciona”.

“Também é preciso maior proteção das fronteiras e um controlo muito forte da emigração ilegal, bem como um sistema de entrada legal nos países. É preciso que cada um diga, a cada ano, quantos migrantes pode acolher, para que eles entrem legalmente e tenham proteção social. Como isto se faz numa UE onde alguns países recusam migrantes? É por isso que defendo que a UE precisa de assentar no voto maioritário, em vez da unanimidade”, sustentou o professor natural do Canadá.

Por outro lado, o intelectual defende também a necessidade de criar critérios para o acolhimento de migrantes: “Dizer, por exemplo, que os países não podem recusar migrantes com base na raça ou religião. Isso são questões irrelevantes para a questão”.

“Considero que este será o maior desafio da Europa no século XXI. Eles [migrantes] estão a chegar, continuam a chegar”, alertou.

Ignatieff destaca ainda que “a população europeia está envelhecida e as empresas estão desesperadas por trabalhadores”.

Por agora, diz, a gestão da UE com migrantes “é uma confusão terrível”.

“Acho que não existe uma verdadeira política de asilo ou de migração na Europa. Estão a tentar empurrar controlo para países africanos - Marrocos, Líbia… Mas os Estados são fracos, é muito difícil controlar”, vincou.

A 5.ª edição do Foro La Toja realizou-se entre quinta-feira e sábado na ilha de La Toja, em Espanha.

O encontro, que se apresenta como uma referência para o debate intelectual e académico, teve este ano por tema “Um Mundo mais incerto”.

O fórum junta líderes empresariais, políticos e sociais na reflexão entre as vozes mais proeminentes destes setores em ambos os lados do Atlântico.

UE "extremamente fraca a travar colapso da democracia"

A União Europeia (UE) tem sido “extremamente fraca a travar o colapso da democracia” em alguns dos seus países-membros e “chegará o dia em que a sua existência vai estar ameaçada”, disse o investigador académico Michael Ignatieff.

“Vai chegar um momento em que três ou quatro países da Europa vão ser não democráticos. A Europa vai ter de decidir o que fazer. Tem de ser mais forte. Se for preciso mudar para uma votação por maioria, em vez da unanimidade, para reforçar as regras que estão constantemente a ser violadas por alguns países-membros, isso terá de acontecer”, afirmou o académico canadiano, numa entrevista à Lusa à margem da participação no Fórum La Toja, na Galiza, Espanha.

Michael Ignatieff lembrou que a Universidade Centro-Europeia, de que é reitor, “estava em Budapeste quando [em 2018] foi expulsa da Hungria por Viktor Orban [primeiro-ministro]”, pelo que leva "muito a sério o perigo do autoritarismo na Europa”.

“Orbán pegou no sistema académico e esmagou-o. Não fomos apenas nós, foi todo o sistema universitário. É um desastre. Isto está a acontecer na Europa. Mostra que a Europa é extremamente fraca a defender e proteger liberdade académica e em travar o colapso da democracia”, sustentou.

O historiador considera que “os europeus não estão conscientes desta realidade” e “não percebem quão fraca a Europa é” ou que “foi incapaz de impedir Orban de expulsar uma universidade de um país-membro, tal como tem sido incapaz em impedir três países de banirem a importação de cereais ucranianos”.

“Isto são sinais de fraqueza. Eu sou a favor da Europa, mas vamos ser honestos sobre as suas fraquezas e fazer algo. Quero uma Europa muito mais forte. Mais forte em democracia e para travar este tipo de coisas”, sublinhou.

Ignatieff observa que, se juntarmos “os países onde uma força autoritarista de direita pode chegar ao poder, eles são muitos”, fazendo referência à Polónia, França e Itália.

“Devemos olhar para isto seriamente”, sustenta.

Para Ignatieff, “se a UE é associação de democracias livres, é isso que tem de ser”.

“Isto é existencial, o resto é um detalhe. Se isto acontecer [se não for uma união de democracias], já não será a Europa”, avisou.

A questão, diz o académico, é que “mais cedo ou mais tarde vai acontecer”, e até “pode acontecer em breve, se Le Pen vencer [as eleições] em França, se a senhora Meloni [primeira-ministra em Itália] seguir em frente”.

“A própria existência da Europa está ameaçada. E os lideres dos outros países – de Lisboa, de Madrid – terão de dizer ‘No passarán’ [Não passarão]”, afirma.

Ignatieff considera que “o autoritarismo populista faz um diagnóstico do descontentamento das pessoas que os outros partidos não ouvem”, o que “é bom, desde que respeitem a Constituição”.

“Se passarem para a violência, para a repressão, se violarem a Constituição, então são uma ameaça e tem de ser parados, pela força se necessário”, disse.

O reitor alerta que estes partidos “ouvem o descontentamento da população que deve ser ouvidos, mas nunca apresentam soluções”.

“Para mim, liberal, temos de nos concentrar em que as nossas políticas resolvam os problemas. Se as pessoas estão zangadas porque os ricos recebem tudo e os pobres nada, então é preciso mudar algo”, refere.

Na sua perspetiva, é preciso “ter soluções”, porque “é quando não há soluções que o populismo encontra o seu público”.

“O populismo é um desafio para a democracia mas obriga-nos a fazer melhor. E estou otimista de que o possamos fazer”, afiançou.

"Perder Ucrânia livre e independente seria desastre para a Europa”

Perder uma “Ucrânia livre e independente seria um desastre para a Europa”, avisa o historiador Michael Ignatieff, para quem a guerra “vai continuar até a independência nacional” daquele país estar garantida.

“Temos de ter uma Ucrânia livre e independente. Perder isso seria um desastre para a Europa, porque mostraria à Rússia que a agressão vale a pena, o que aterrorizaria os polacos, os checos… e devia aterrorizar toda a Europa ocidental”, vincou o reitor emérito da Universidade Centro-Europeia de Viena, em entrevista à Lusa à margem da participação no Fórum La Toja, na Galiza, Espanha.

Alertando para a necessidade de ser a Europa a fornecer armas à Ucrânia no caso de Joe Biden perder as eleições para a presidência nos Estados Unidos da América (em 2024), Ignatieff assinala que “toda a gente na Europa quer que a guerra acabe”, mas o conflito “não vai acabar até que a Ucrânia tenha garantido a sua sobrevivência”.

Para o académico, o fim da guerra não depende de políticas ou de sanções, antes será decidido no campo de batalha.

“A não ser que algo mude, a Ucrânia terá de encontrar uma solução de paz com 20% do território ainda ocupado pelo inimigo e isso é terrível”, afirmou.

O professor espera que “Biden seja reeleito”, mas, se não for, o que espera é que “a Europa se chegue à frente e comece a fornecer à Ucrânia as armas necessárias para garantir a sua independência nacional”.

Se Joe Biden vencer, Ignatieff considera que “a pressão fica fora da Europa”, mas “se o pior acontece e os Republicanos ganham” as eleições de 2024 nos Estados Unidos, “a Europa tem de ser corajosa, porque a pressão vai estar em cada país – Lisboa, Madrid, até Londres”

Nesse caso, “terá de ser a Europa a fornecer a Ucrânia, para eles lutarem até que a independência nacional esteja segura”.

Questionado sobre se as novas ameaças globais colocaram o mundo perante uma nova guerra fria, Ignatieff sublinhou que “a história é muito útil para dizer o que mudou e não mudou”.

“Na Guerra Fria, havia partidos comunistas que olhavam para Moscovo como inspiração. Acreditavam que o sistema soviético era inspirador. Hoje, ninguém, zero, nada, acha que o poder de Putin é inspirador. Não há poder de atração no modelo russo de poder”, afiança.

Há, sim, “alguns países interessados em alianças com Rússia”, mas “não são alianças de ideologia ou de crença”.

Outra coisa que mudou desde a Guerra Fria, é que “há 60 ou 70 anos os países em desenvolvimento tinham de alinhar ou com a Rússia ou com os Estados Unidos”.

“Agora, estes grandes poderes - Brasil, África do Sul, Índia - podem escolher que querem, e há uma grande competição. Eles podem dizer que querem um pouco de tecnologia chinesa, de diesel russo, de tecnologia norte-americana, mas não queremos ser controlados por ninguém”, descreve.

Para Ignatieff, “isto é uma coisa nova” e “torna tudo mais complicado”, mas “é bom para o mundo, porque estes países podem agora exercer a sua soberania e liberdade no panorama internacional de uma forma que não podiam durante a guerra fria”.

“Estou horrorizado com a invasão da Ucrânia e a violação da soberania de um país das Nações Unidas. Estou espantado como, por exemplo, o Brasil e África do Sul pareçam tão indiferentes à reclamação de autodeterminação dos ucranianos, mas eles estão apenas a dizer: queremos escolher como usamos os nossos poderes para o máximo de benefício próprio”, referiu.