Não há padrões específicos que afiram as cadências certas para elogiar o presidente dos Estados Unidos da América. Mike Pence, atual vice-presidente de Donald Trump, fixou essa métrica em um elogio a cada 12 segundos, depois de ter elogiado o presidente 14 vezes em menos de três minutos numa reunião na Casa Branca, há três anos.
“Estamos consigo, senhor presidente”, foi repetindo, ao longo do mandato, um homem que Trump nem sempre tratou da melhor maneira.
Apesar de, no início da pandemia de covid-19, ter sido a Pence que Trump confiou o gabinete de crise, o presidente não se inibia de lhe retirar protagonismo, aparecendo ele próprio nas conferências de imprensa diárias.
Mas, ao mesmo tempo, Trump reconhecia a utilidade de ter Pence a lidar com as dificuldades de gestão da crise sanitária, em particular com o poder local, apontando o passado como governador para a habilidade de Pence para travar a inquietude dos autarcas e dos líderes dos governos estaduais, que se queixavam com frequência da falta de apoio do Governo federal.
Isto foi dito ainda em julho, e quando Pence estava à frente do gabinete de combate à pandemia de covid-19, foi desautorizado. O vice-presidente prometeu ajuda aos governadores para que cada estado encontrasse fundos para os respetivos planos sanitários — mas o presidente desautorizou-o, dizendo estar disposto a cortar todos os fundos para os estados, caso eles não reabrissem as escolas. Porém, nem por isso Pence mostrou o menor embaraço ou irritação.
Mike Pence também nunca desafiou o presidente ou o desmentiu, mostrando que era um leitor atento das numerosas mensagens de Trump na rede social Twitter, que depois repetia na solenidade dos eventos onde representava a Casa Branca.
A parceria entre os dois homens regressa agora para uma tentativa de reedição dos últimos quatro anos. A imprensa norte-americana salienta a inquestionável lealdade do vice-presidente — e alguns analistas defendem que Pence é mesmo o único homem em que Donald Trump realmente confia, tendo sobrevivido às várias alterações que o presidente fez à administração.
Porém, esta é uma parceria improvável. Aos 61 anos, Mike Pence, apesar de mais novo, é também mais conservador do que Trump. Ainda assim, o milionário intuiu que Pence lhe poderia ser muito útil para cativar o voto e os fundos de campanha da comunidade cristã evangélica, que vale quase um quarto do eleitorado dos EUA e junto da qual o antigo governador do Indiana tem elevados níveis de prestígio.
Durante o mandato, Pence foi sempre a peça discreta da equipa de Trump, tornando-se o único elemento que o Presidente nunca criticou publicamente e em quem foi progressivamente ganhando mais confiança. “Ele merece a confiança do Presidente”, disse um dos assessores de Trump, referindo-se ao modo como Pence foi sempre tratado, apesar deste ter confessado que, em privado, é muitas vezes “totalmente arrasado” pelas fúrias do chefe de Estado.
O vice conservador do presidente “espalhafatoso”
Mike Pence nasceu a 7 de junho de 1959, em Columbus, no Indiana. O agora vice-presidente norte-americano teve uma educação conservadora e revelou um forte sentimento religioso, de cristão evangélico, que moldou a sua vida pessoal e influenciou a sua carreira política. Formou-se em Direito na Universidade de Indiana, mas cedo procurou a vida política, tendo perdido duas corridas para a câmara de representantes, em 1988 e 1990.
Foi finalmente eleito pelo estado do Indiana em 2000 e permaneceu no lugar de congressista até 2013. Nesse ano, Pence foi eleito governador de Indiana, tendo ficado conhecido por ter realizado a maior descida de impostos daquele estado do centro dos EUA, mas também por ter assinado várias leis de restrição à prática do aborto, numa postura política muito conservadora que lhe valeu críticas mesmo dos setores mais moderados do Partido Republicano.
Antes de formar a dupla, em 2016, Mike Pence ainda chegou a pensar candidatar-se mesmo a presidente dos EUA e teve até várias reuniões com dirigentes do Tea Party, a fação ultrarradical republicana que via nele potencial para contrariar a hegemonia das fações mais poderosas do partido no Congresso. Mas o convite de Trump para ser o seu candidato a vice-Presidente, nesse mesmo ano, retirou-lhe a ambição e Mike Pence muito rapidamente aceitou o desafio, apesar das reservas sobre o perfil do então empresário, que ele admitia ser muito “espalhafatoso” para o seu gosto mais conservador.
Durante a campanha de 2016, contudo, a relação tremeu quando surgiu um vídeo de Donald Trump a fazer comentários obscenos sobre mulheres. Na altura, Pence criticou-o: “Não posso tolerar as suas observações e não as posso defender”, comentou, na altura, certamente bem mais chocado do que as palavras o deixaram entender, mas mostrando ao seu parceiro de campanha que a lealdade tinha algumas linhas vermelhas que, sobretudo no campo moral, não poderiam ser ultrapassadas.
Amanhã, quando os votos começarem a ser desembrulhados, logo se saberá se a parceria continua por mais quatro anos e Mike Pence continua a ser o homem do presidente.
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