"Heróis contra o terror", do jornalista Nuno Tiago Pinto, conta como o jovem português decidiu deixar tudo no início de 2015 para combater o grupo terrorista, como lutou junto das Unidades de Proteção Popular (YPG) curdas e de outros voluntários internacionais, e como acabou por morrer, a 03 de maio, aos 22 anos.
O facto de se ter suicidado, algo inédito - nunca um voluntário internacional se suicidara ao serviço das YPG - não impediu que Mário fosse considerado mártir por aquela milícia curda.
"Um herói português" é como o britânico Macer Gifford, que com ele combateu na Síria, se lhe refere.
"O Mário foi o primeiro português a decidir viajar para a Síria para combater o Estado Islâmico", recorda em entrevista à Lusa o jornalista da revista Sábado, que em 2015 começou a falar regularmente com Mário através da Internet.
Era um rapaz de 21 anos, estava na Força Aérea, estava desiludido com a Força Aérea.
Ao ver na televisão e na Internet, a partir do verão de 2014, as imagens de tudo o que estava a acontecer na Síria, Mário decidiu que tinha de fazer alguma coisa.
"Decidiu travar uma batalha que no fundo é nossa, mas individualmente (...). Decidiu ir para combater o mal", lembra Nuno Tiago Pinto.
O autor, que no livro reúne depoimentos de vários outros voluntários estrangeiros que se cruzaram com Mário na Síria - assim como de familiares e amigos - sublinha que Mário e os outros ocidentais são realmente voluntários.
"Ninguém lhes paga nada. Pagam a viagem do próprio bolso, não tem direito a despesas médicas, se lhes acontecer alguma coisa estão por sua conta e risco (...). Tudo o que eles fazem é pela vontade pura de quererem ir lutar contra o mal", defende.
Essa é, pelo menos a motivação comum. Depois, cada um terá outras razões individuais.
"Há aqueles que são antigos soldados e são viciados em guerra, querem continuar a lutar, existem os que tem afinidade ideológica com o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), com o federalismo democrático (...); existem os que têm motivações religiosas, que são cristãos e querem ir combater o islão mais radical. Mas o que une todas estas visões é aquela vontade de querer lutar contra um grupo terrorista que se puder vem atacar-nos onde nós estamos".
Mário Nunes, que na Síria adotou o nome de guerra Kendal, esteve no terreno por duas vezes, primeiro no início de 2015 e depois no início 2016.
Na primeira missão era um soldado de infantaria, estava inserido numa unidade curda que tinha alguns ocidentais e participou em assaltos a aldeias, assim como na conquista das montanhas Abd Al-Aziz, uma batalha importante aquela altura.
Depois, desmotivado pelo cansaço e pela falta de ação no terreno, regressou à Europa.
Em 2016 voltou para a Síria e entrou numa unidade especial que entretanto tinha sido criada, uma espécie de forças especiais das YPG, chamada 223, unidade só de ocidentais, extremamente operacional e que participava em todas as batalhas, conta Nuno Tiago Pinto.
Segundo o autor do livro, a vida dos combatentes é 90% tédio e 10% de ação e batalha, para grande frustração dos voluntários internacionais, que vão para a guerra "com vontade de lutar".
Ao regressar ao terreno, em janeiro de 2016, Mário tornou-se operador de metralhadora pesada e nesse período, participou, além de outras batalhas, na conquista de al-Shadadi, onde o Estado Islâmico instalara os mercados de escravos onde eram vendidas mulheres e raparigas como escravas sexuais.
Essa foi uma das mais importantes operações das forças sírias contra o grupo terrorista.
Mas mais uma vez a ação abrandou e Mário Nunes, que inicialmente andava muito entusiasmado, como contou à Lusa Macer Gifford, começou a desanimar.
"A unidade 223 era uma unidade extremamente operacional, mas também extremamente tensa. Eles tinham muitas regras para cumprir, treinavam todos os dias, era uma coisa muito intensa", conta Nuno Tiago Pinto.
Isto aconteceu numa altura em que os voluntários internacionais não podiam sair do país, ao contrário do que acontecia antes, porque as fronteiras entre a Síria e o Curdistão iraquiano estavam fechadas.
"Quando as operações começaram a escassear, e com problemas pessoais, talvez com a namorada, e porque a fronteira entre a Síria e o Iraque estava fechada, ele sentiu-se um pouco encurralado e perdeu a direção", contou Macer Gifford.
“O Mário acabou por entrar em depressão. A conclusão a que cheguei, depois de falar com muitas pessoas, foi que a depressão o levou à morte", conta por seu lado o jornalista português.
O funeral do antigo militar da Força Aérea acabou por acontecer só em julho devido à dificuldade em trasladar o corpo, numa cerimónia discreta sem qualquer representação militar, no cemitério de Portalegre.
Macer Gifford lamenta que não tivesse havido algum reconhecimento público do mérito de Mário Nunes.
"Mesmo que não tivesse recebido um funeral militar, devia ter recebido uma honra civil, algum reconhecimento do Governo ou das autoridades locais", disse à Lusa.
"Ele serviu o seu país e, enquanto o fazia, viu todo o horror que se passava lá fora e (...) decidiu sair da segurança da sua casa e ir lutar e acho que se distinguiu. Certamente ganhou o respeito de todos quantos o conheceram na Síria e morreu como um herói português, na minha opinião", acrescentou.
Também Nuno Tiago Pinto concorda que Mário devia ter recebido "pelo menos um reconhecimento público", porque a guerra que o jovem português travou "só é distante para quem estiver distraído".
"O objetivo último do EI é dominar o mundo e dominar-nos a nós em primeira instância, porque estamos no chamado Al-Andalus", afirmou.
"É uma batalha que se eles puderem trazer às nossas portas vão trazer. E o Mário tomou a decisão de não ficar à espera que eles chegassem, foi lutar onde eles estavam e isso é de louvar. Por isso é que este livro se chama heróis contra o terror, porque estas pessoas são de facto heróis".
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