“Eu acho que hoje é um dia importante para mim, mulher, ocupando um lugar no Governo, vir aqui prestar homenagem a uma mulher de causas. Eu gostava de destacar uma das causas dela que foi a lei de despenalização do aborto, que defendeu em 1974 e que foi aprovado em 1975, num parlamento de homens onde ouviu, direi, quase insultos”, afirmou a governante.

Maria Manuel Leitão Marques, que representou o Governo português no Hôtel des Invalides, em Paris, lembrou que Simone Veil sobreviveu aos campos da morte em Auschwitz mas quando defendeu a lei de legalização da interrupção voluntária da gravidez em França ouviu coisas como “pôr as crianças no forno”.

“Ela bateu-se pelas causas dela sem medo, enfrentando às vezes oposições difíceis mas sempre com grande determinação. Acho que hoje é isso que nos deve orientar na política e na vida: termos as nossas causas e sermos determinados, pacientes e resilientes a lutar por elas”, continuou.

A ministra portuguesa destacou, também, “um facto indelével na história da União Europeia” que foi “o facto de Simone Veil ter sido a primeira presidente de um Parlamento Europeu eleito por cidadãos europeus”.

Maria Manuel Leitão Marques acrescentou que Simone Veil “é uma referência para todas as pessoas, para homens e para mulheres”, apontando ainda como alguns dos seus combates a luta pela igualdade e pelo acesso à educação, inclusivamente num “projeto que fez para as prisões”.

Questionada sobre se ainda se está longe para que mais mulheres ocupem lugares cimeiros na sociedade, a ministra disse que se está “muito mais perto do que quando Veil defendeu na Assembleia francesa” a causa da despenalização do aborto.

“Mas estamos ainda longe, acho que é um processo que se vai fazendo. As quotas naturalmente ajudaram a chegar a esse objetivo, mas há muito mais para além disso. Se olhar para as direções de empresas, por exemplo, verá ainda uma assembleia muito masculina”, afirmou.

As cerimónias fúnebres são presididas pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, na presença de familiares de Simone Veil, representantes da Fundação para a Memória do Holocausto, União para a diversidade republicana, União dos deportados de Auschwitz e do Conselho Representativo das Instituições Judaicas de França.

Simone Veil morreu a 30 de junho, com 89 anos.

Figura maior da vida política francesa, académica, Simone Veil escapou aos campos da morte durante a II Guerra Mundial, para onde foi deportada com 16 anos, e incarnava para os franceses a memória do holocausto judeu.

Curadora da Fundação Champalimaud, feminista inflexível, com fortes convicções morais e republicanas, Simone Veil foi a primeira mulher a assumir as funções de ministra de Estado em França, assim como foi a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu.

Simone Veil nasceu em 13 de julho de 1927 em Nice, sudeste de França, no seio de uma família judia e laica. Toda a sua família foi deportada em 1944 para campos de concentração: o seu pai e o seu irmão, Jean, para a Lituânia, uma das irmãs foi mandada para Ravensbruck, e ela, a sua mãe e uma segunda irmã foram deportadas para Auschwitz. Apenas as três irmãs sobreviveram.

Em 1974, entrou na política como ministra da Saúde no Governo de Jacques Chirac. O seu combate para adotar a lei – contra uma boa parte da direita francesa – sobre a interrupção voluntária da gravidez fez dela, durante muito tempo, a figura mais popular do país.

Em junho de 1979, Veil foi eleita presidente do Parlamento Europeu, função onde se manteve até 1982.

Personalidade feminina preferida dos franceses, de acordo com uma sondagem em 2014, Simone Veil foi ainda eleita em 2008 para a Academia Francesa, tornando-se a sexagésima mulher a pertencer à instituição.