“O senhor deputado acha que, tendo eu conhecimento de alguma coisa que pudesse inibir o exercício de funções públicas de alguém, eu teria feito o convite? […] O episódio que se passa, da escolha de um secretário de Estado e depois, passado umas semanas, ter de fazer essa constatação da inexistência de condições […] e ter de fazer a sua demissão, é um processo indesejável, penalizador para o Ministério das Finanças, para o Governo também”, afirmou Fernando Medina.

O governante respondia a questões do deputado do Chega André Ventura, durante uma audição na Comissão de Orçamento e Finanças, a propósito do caso que envolve a TAP e Alexandra Reis, depois de o PSD ter apresentado um requerimento potestativo.

O ministro das Finanças afirmou reiteradamente que não sabia da atribuição de uma indemnização de 500.000 euros a Alexandra Reis quando a convidou para secretária de Estado do Tesouro e lembrou, também várias vezes, que não fazia parte do Governo no momento da decisão sobre a indemnização.

Ainda assim, Fernando Medina admitiu que “uma matéria como a substituição de um administrador e a definição de uma eventual indemnização numa empresa pública não pode ser feita sem o conhecimento da tutela” e, por esse motivo, pediu à Inspeção-Geral de Finanças que analise a questão, para se perceber onde esteve a falha.

“Sou responsável agora e assumo total responsabilidade como ministro e, por isso, é que pedi, quando tive conhecimento, a Alexandra Reis a sua demissão, como pedi [o relatório] à Inspeção-Geral de Finanças, […] e também à CMVM relativamente à forma da sua comunicação e sobre essas matérias não me quero antecipar mais”, apontou o governante.

Fernando Medina garantiu ainda que, enquanto desempenhou funções em simultâneo com o ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, o acompanhamento feito à TAP era “regular”, “próximo” e “de solidez entre os dois gabinetes”.

Porém, admitiu, “não terá sido assim no passado”.

De seguida, a deputada da Iniciativa Liberal Carla Castro perguntou a Fernando Medina se, com os elementos de que agora dispõe, “tem a humildade de reconhecer que alguma coisa não correu bem no processo”.

“É evidente que eu assumo que as coisas, obviamente, não correram bem com o processo de designação”, respondeu Fernando Medina.

O governante reconheceu que “não é adequado fazer-se uma indicação e uma nomeação de um membro do Governo que depois se constata, poucas semanas depois da sua nomeação, que, por circunstâncias que não eram conhecidas à data da sua proposta de nomeação, colocam em causa a sua autoridade política”.

“É evidente que, se eu pudesse ter evitado isso, teria evitado isso”, sublinhou.

Interrogando-se se, caso conhecesse o que conhece hoje, teria feito a proposta de nomeação de Alexandra Reis, Medina respondeu de seguida: “Não, não teria”.

“Mas eu não tinha essa informação à data que fiz essa proposta e a informação de que eu dispunha era uma informação não só sólida sobre o currículo, sólida sobre o desempenho (…) e sólida já não só no seu currículo mais passado, mas também no seu currículo próximo que foi junto de duas empresas do Estado”, reiterou.

O ministro das Finanças salientou que Alexandra Reis “não era uma pessoa que estivesse muito longe, distante, sobre a qual não houvesse elementos” conhecidos, reforçando que a ex-secretária de Estado do Tesouro “reunia as condições” necessárias para o cargo.

“É evidente que as coisas não correram bem, é evidente que gostaria de que o país tivesse sido poupado a este desgaste e a esta situação, que o Governo também”, reiterou Fernando Medina.

E acrescentou: “Posso só dizer que não tinha informação à data que me pudesse ter feito evitar um desfecho que, para mim, se tornou inevitável tomar essa decisão - que também não foi fácil ser tomada - que é de pedir a alguém que apresente a sua demissão poucas semanas depois de ter sido convidada para o exercício de funções”.

Nesta intervenção, Medina quis ainda “deixar claro” que a avaliação pedida à Inspeção-Geral das Finanças (IGF) é “um processo de indemnização que foi atribuída por uma empresa” a Alexandra Reis.

“Não foi auto atribuída pela própria, que isto fique claro”, vincou.

Em resposta a Carla Castro sobre a situação na TAP, Medina salientou que a companhia aérea tem “superado largamente os objetivos que estão inscritos para o desempenho da empresa” no plano de reestruturação.

“A empresa, felizmente para o país e felizmente para a empresa, registado resultados mais positivos bastante antes do tempo que estava previsto no plano de recuperação”, indicou.

"Estive com Alexandra Reis uma vez" antes de convite para secretária de Estado

"Pessoalmente, creio que terei estado com a engenheira Alexandra Reis, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, uma vez, acompanhada pela CEO [presidente executiva da TAP], a propósito de um pedido que foi feito à Câmara Municipal de Lisboa, de apoio a diligências no âmbito do plano de reestruturação", afirmou o governante, do decurso da mesma audição na Comissão de Orçamento e Finanças, em resposta às questões do deputado social-democrata Hugo Carneiro.

E vincou: "Alexandra Reis não faz parte do nosso grupo de amigos, não o fez. Repito, estive com a engenheira Alexandra Reis uma vez enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, antes de a convidar para secretária de Estado do Tesouro".

Medina reiterou também que não sabia da indemnização de 500.000 euros que Alexandra Reis recebeu pela saída antecipada do Conselho de Administração da TAP, porque não era membro do Governo na altura dessa decisão.

"Percebo bem os objetivos de quem quer criar uma participação que nunca existiu, mas os factos são estes e resistem a qualquer questão que possa ser colocada", disse o ministro das Finanças.

Questionado sobre a escolha de Alexandra Reis para a presidência da NAV Portugal – Navegação Aérea, Medina explicou que assinou o despacho de nomeação por proposta do Ministério das Infraestruturas, a quem compete fazer a indicação do presidente.

Já ao Ministério das Finanças, esclareceu, compete indicar o vogal com responsabilidade na área financeira.

“O meu conhecimento do ponto de vista do seu desempenho e do seu currículo já o tinha, já me tinha chegado por várias vias e era amplamente positivo”, sublinhou o governante.

Fernando Medina refutou a “sucessão de críticas” que têm sido feitas nos últimos dias quanto à atuação do ministro das Finanças, considerando ser “hoje claro que não ocupava qualquer posição no Governo da República” no momento da decisão sobre a indemnização e que é também “claro pelas palavras do ex-ministro João Leão e do ex-secretário de Estado Miguel Cruz que não participaram na decisão no seu tempo”.

O governante disse ainda que o secretário de Estado João Nuno Mendes, que transitou da equipa anterior, não tinha a tutela da TAP.

Quanto às críticas diretas a si, Fernando Medina considerou que “apelam ao ofensivo e algumas até no domínio do ridículo”, nomeadamente no que diz respeito a um alegado “conhecimento informal da situação”, através da sua mulher.

“A minha mulher não ocupava funções de diretora jurídica da TAP nessa altura [da indemnização], como, aliás, teve um gesto de sacrifício pessoal de demissão de diretora jurídica da TAP no dia em que assumi funções como ministro das Finanças”, reiterou.

“O meu antecessor, o ministro João Leão, e o antecessor secretário de Estado do Tesouro - com tutela da TAP - Miguel Cruz, disseram que não tinham essa informação [da indemnização]. Não constava nas pastas de transição do ministério e não foi encontrado registo dessa informação nos registos do ministério”, garantiu Fernando Medina.

Após ter sido questionado pelo deputado do PSD Hugo Carneiro se não tinha conhecimento de uma notícia do jornal Expresso, de maio de 2022, segundo a qual Alexandra Reis teria recebido uma “indemnização milionária” da TAP, Fernando Medina disse que, enquanto ministro das Finanças, a sua “fonte fundamental de informação sobre o que se passa no ministério não são notícias pouco especificadas de jornais”.

“O que eu posso garantir é que não tomei a decisão, não participei na decisão, não fui informado da decisão, pela razão direta de que não era membro do Governo. E o senhor deputado pode dar três voltas ao mundo, é que eu não ocupava funções”, referiu.

Hugo Carneiro perguntou depois a Medina quando é que convidou Alexandra Reis para o Governo, tendo o ministro das Finanças respondido que foi “pouco tempo antes de ser público”.

Interrogado de seguida se não questionou Alexandra Reis sobre o seu passado, e sobre porque é que “saiu da TAP e foi para a NAV”, Medina salientou que foi “certamente porque havia uma avaliação positiva do seu desempenho da TAP” que “foi proposta pelo ministério das Infraestruturas para a NAV”.

“Isso, aliás, é um sinal, e foi indicador positivo, que se soma a uma avaliação curricular e de informações recebidas pelo desempenho profissional da engenheira, que a tornavam com um perfil adequado para o exercício das funções para que era convidada”, sublinhou.

Medina destacou que “a engenheira Alexandra não só foi convidada para a administração da TAP, como foi depois convidada pelo ministério das Infraestruturas para a administração da NAV”.

“Obviamente que isto tem por base quem com ela trabalha de forma direta, que é o Ministério das Infraestruturas - tratam-se de tutelas que eram exercidas pelo ministério das Infraestruturas”, referiu.

O ministro das Finanças referiu assim que essa avaliação positiva feita pelo Ministério das Infraestruturas, na altura tutelado por Pedro Nuno Santos, conjugada com a análise curricular que ele próprio fez “de um currículo muito extenso no setor privado e também no setor público”, levaram-no a formular o convite para que Alexandra Reis ocupasse o cargo de secretária de Estado do Tesouro.

“A engenheira Alexandra Reis não era uma pessoa estranha à administração pública portuguesa (…) era uma pessoa com o seu currículo bem firmado na gestão pública portuguesa, porque tinha ocupado funções de administração em duas importantes áreas: na TAP e na NAV”, vincou.

Dirigindo-se assim a Hugo Carneiro, Medina disse: “Se isso não lhe chega para poder ser ponderada numa lista de habilitação a alguém que tem como função principal acompanhar a gestão do setor empresarial do Estado, senhor deputado, acho que temos visões diferentes sobre o que é que são os currículo necessários para aquele tipo de função”.

Medina defende quadro legislativo próprio para “benefício da transparência da gestão”

“Uma das lições a retirar, e até para benefício da transparência da gestão, é que acho que temos de ter não é um estatuto de gestor público que depois vai-se aplicando ou não nestas empresas. […] Estas empresas, possivelmente, precisam de um quadro legislativo próprio”, defendeu Fernando Medina.

O governante respondia a questões do deputado comunista Bruno Dias quando defendeu que “numa empresa num processo de reestruturação tão importante e tão profundo como o da TAP”, “é essencial que haja sobriedade” na gestão.

“Não se devem importar, não se podem importar, nomeadamente nesta circunstâncias, nestes momentos, práticas como algumas que vimos no setor privado e que são manifestamente desajustadas no contexto que vivemos”, afirmou Fernando Medina, referindo-se à indemnização de 500.000 euros que Alexandra Reis recebeu no âmbito do acordo para terminar funções no Conselho de Administração da companhia aérea, numa altura em que os trabalhadores continuam com cortes salariais, no âmbito do plano de reestruturação que está a ser levado a cabo.

O ministro das Finanças lembrou que a TAP, sendo propriedade do Estado, atua, no entanto, em setores de concorrência e que está sujeita ao estatuto do gestor público, exceto em alguns casos, como o das remunerações.

Para Fernando Medina, estas empresas “devem ter um quadro relativamente ao funcionamento e à ‘governance’ da sua atuação que seja próprio, bem identificado, com regras bem claras para retirar margens de ambiguidade”.

Já em resposta à deputada bloquista Mariana Mortágua, Fernando Medina disse que o nome de Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro foi uma escolha sua, após recolhidas informações de natureza curricular.

“Fui procurar quem tivesse, em simultâneo, fortes e sólidas capacidades de gestão, mas que estivesse protegido de incompatibilidades relativamente ao setor público, mas que tivesse também experiência na área da administração pública”, explicou o governante.

Fernando Medina disse ainda que tinha conhecimento que a ex-secretária de Estado não tinha cumprido o mandato na TAP e que conhecia também as razões, mas que foi para si “importante”, no momento da escolha para a sua equipa, não haver “nenhum fator de incompetência” relacionado com a saída da companhia aérea.

Questionado pelo deputado social-democrata Duarte Pacheco se tinha sido o ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, a recomendar Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, Medina negou.

"O ex-ministro Pedro Nuno Santos não me recomendou Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, porque, aliás, não lhe fiz essa pergunta", respondeu o ministro das Finanças.

Nesta audição, o PS acusou o PSD de estar a tentar fazer “um número político” ao ter chamado ao parlamento o ministro das Finanças numa altura em o Governo está à espera da resposta da IGF e da CMVM para prestar mais esclarecimentos sobre a polémica que envolveu Alexandra Reis.

Salientando que, durante a audição, não surgiu qualquer informação que não fosse já conhecida, o deputado do PS Carlos Pereira acusou os deputados do PSD de não terem querido esperar por uma “verdadeira avaliação” para saberem “aquilo que se passou”.

“Não quiseram porque, no momento em que essa avaliação existir, os senhores já não podem fazer a chicana que fizeram hoje, a rapsódia que fizeram hoje nesta audição”, referiu.

Na reta final da audição, o deputado do PSD Paulo Rios de Oliveira considerou que Medina entrou no “Ministério das Finanças com um pequeno pecado original”, porque “Portugal está habituado a ter nas Finanças economistas vestidos de políticos, e desta vez teve um político vestido de economista”.

No final da audição, em resposta a Paulo Rios de Oliveira, Medina salientou que o facto de o deputado social-democrata ter-se referido ao “pecado original” mostra que o PSD “nunca digeriu o facto” de o próprio ter sido indigitado ministro das Finanças, acrescentando que “a indigestão está a ficar maior”.

“Eu percebo-vos bem, porque verdadeiramente o problema que vocês têm com o ministro das Finanças - e com o Governo na área governativa das Finanças em particular -, é que nós estamos a atingir resultados que os senhores nunca atingiram em nenhum momento da vossa governação”, referiu.

Medina defendeu que o Governo está a responder, “em cada momento do tempo”, com “exigência, com rigor, às necessidades que o país tem”.

“E, quando olhamos em comparação às propostas do PSD em cada um desses momentos, o que nós vemos é um balão cheio, um balão cheio de vaidade, cheio de proclamações, de retórica, e completamente vazio nas soluções que apresenta”, criticou.

O contexto

Esta quarta-feira, o grupo parlamentar do Partido Socialista 'chumbou' os requerimentos do PSD, PCP, BE e Chega para chamar a audições na Assembleia da República Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Alexandra Reis e os responsáveis da TAP.

No mesmo dia, PSD anunciou que iria recorrer ao direito potestativo, para forçar a audição de Fernando Medina.

Em 27 de dezembro, o ministro das Finanças, Fernando Medina, demitiu Alexandra Reis das funções de secretária de Estado do Tesouro, menos de um mês depois de a ter convidado para este lugar no Governo e ao fim de quatro dias de polémica com a indemnização de 500 mil euros que esta gestora de carreira recebera da TAP, empresa então tutelada pelo ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, que se demitiu um dia depois para "assumir a responsabilidade política" do caso.

No dia 30 de dezembro, o ministro das Finanças disse que a sua mulher não sabia nem participou no processo de negociação da indemnização de Alexandra Reis, afirmando serem falsas as insinuações de que chefiava o departamento jurídico da TAP à data dos factos.

"A minha mulher no momento em que o acordo é feito não se encontrava na empresa [TAP] pela simples razão que se encontrava de licença de maternidade pelo nascimento da nossa filha, que nasceu em dezembro", afirmou o Fernando Medina, acentuando que não estava, por isso, na empresa em fevereiro, tendo depois, em março, apresentado o seu pedido de demissão como quadro da transportadora área.

Segundo Fernando Medina, por esse motivo, a sua mulher "não estava na empresa, não teve conhecimento, não negociou, não participou e nada teve a ver com esse processo".

Na segunda-feira, o primeiro-ministro, António Costa, falou pela primeira vez publicamente sobre a polémica, pouco depois de anunciar os atuais secretários de Estados João Galamba e Marina Gonçalves para as funções de ministro das Infraestruturas e de ministra da Habitação, respetivamente, considerando que asseguram continuidade de políticas, transparência de ação e experiência, evitando-se "abrandamento" na execução do programa governativo.