“Não tenho casa e foi por isso que atravessei o rio Buenge para arranjar alguma coisa” para tentar “sustentar” os filhos, para não os ver sofrer com fome, disse hoje à Lusa.

Áurico diz que o ciclone, na sexta-feira, foi a “pior desgraça” pela qual já passou, quando vento e chuva torrenciais se abateram de madrugada sobre Mogincual, povoação costeira agora desligada do resto da província.

A travessia do rio é feita com material improvisado pelos residentes: postes de energia, troncos de árvores, tudo levado até ali pela fúria das águas.

Há relatos de fome e mortes: Áurico Sabonete conta que a poucos metros da sua casa foram encontrados os corpos de três crianças, entre os escombros de uma casa que desabou enquanto dormiam.

Não se sabe que já fazem parte do balanço provisório do Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD) moçambicano que até domingo contabilizava 12 mortes, nove por desabamento de casas, duas por queda de árvores e uma pessoa eletrocutada.

Áurico vive agora num cajueiro, única árvore que escapou no seu quintal.

O excedente que devia garantir alimento até a próxima colheita está encharcado e deteriorado, complicando ainda mais a equação da segurança alimentar, quando pouco se pode esperar desta safra.

Na mesma travessia, Hortênsia Jorge, uma professora primária de Nanhupo, distrito de Mogincual, tenta encontrar equilíbrio entre o caminho improvisado para chegar a Nacala.

Quer levantar dinheiro, comprar comida e outros bens que começam a escassear no distrito.

“É arriscado fazer a travessia”, mas não há outro remédio: “temos de passar para poder chegar à cidade” e garantir a sobrevivência no meio do amontoado de escombros em que se tornou a aldeia onde leciona, à semelhança de quase todo o distrito, referiu.

A falta de energia elétrica, com a rede tombada pelo ciclone, cortou as comunicações e a interrupção de serviços bancários, provocando a escassez e a especulação de preços de produtos básicos, incluindo a farinha de milho, que virou ouro branco nos distritos de Mogincual e Liúpo.

Várias escolas estão parcial ou totalmente destruídas e as salas que tiveram o teto poupado pelas rajadas de ventos agora abrigam centenas de famílias desalojadas pelo ciclone, que clamam por uma ajuda urgente.

Famílias procuram grãos de milho e feijões entre plantações tombadas, varridas pelo vento.

Na estrada de terra batida que liga Monapo e Mogincual, filas de pequenas trouxas à cabeça e passos apressados de homens e mulheres denunciam o drama.

Camilo António constrói uma nova palhota ao lado do que resta da casa que caiu.

Pega em caniço que amarra com cordas desfiadas de galhos de árvores silvestres.

“Toda a casa caiu” conta à Lusa o morador de Namialo, no distrito de Meconta, com todos os seus bens “enterrados” sob as paredes desabadas.

Uma nuvem negra no horizonte, do lado poente, volta a assustar Pedro Primeiro, um morador de Namitile, em Napala, enquanto reconstrói uma pequena barraca de estacas que diz só servir para “se esconder do sol” que agora brilha.

“Temos medo de que o ciclone volte”, conta à Lusa num tom sofrido, ao mesmo tempo que pede à força “divina” para “não o deixar voltar”.

Apesar de o ciclone ter perdido intensidade e de ser ter transformado numa depressão, continua a provocar chuva intensa em partes do norte e centro de Moçambique e mantém-se o alerta para uma possível subida de caudal dos rios.

A tempestade Gombe chegou à costa moçambicana na madrugada de sexta-feira na categoria de ciclone intenso com chuva torrencial e vento de 165 quilómetros por hora, com rajadas superiores a 200.

O INGD estima que haja 5.500 casas de construção tradicional danificadas, 3.000 das quais destruídas por completo, 113 escolas e seis unidades sanitárias com prejuízos.