"Estivemos em contacto no dia 11 de janeiro, dia do seu aniversário. Estava cheia de energia e de esperança para o futuro", contou Kroenes à AFP, depois de confirmar esta segunda-feira que a alemã "faleceu a 27 de janeiro”.

De 1942 até o final da Segunda Guerra Mundial, Brunhilde Pomsel trabalhou como secretária e estenógrafa de Joseph Goebbels, um dos mais temidos e influentes dirigentes do regime nazi de Adolf Hitler.

Pomsel era considerada a última testemunha viva dos círculos do poder nazi, e afirmava que, como a maioria das pessoas da sua geração, não estava consciente dos crimes cometidos pelos nazis e, em particular, sobre o que acontecia nos campos de concentração.

"Devo recriminar-me por não me ter interessado por política?", questiona Pomsel no documentário "A German Life” [“Uma vida alemã”]. "Nós próprios estávamos num gigantesco campo de concentração", comentou, referindo-se à repressão a qualquer oposição ao regime nazi estava sujeita.

O documentário, que tem por base horas e horas de entrevista a Pomsel, foi conduzido quando esta tinha 103 anos.

"Não sou o tipo de pessoa de resistir. Não me atreveria (...) sou um dos cobardes", assumiu neste documentário. A alemã explicou igualmente que só teve noção do que se passava realmente nos campos de concentração em 1950, altura em que foi libertada pelos soviéticos, depois de cumprir uma pena de cinco anos de prisão.

Pomsel faleceu pouco depois de ter concluído a sua autobiografia, cuja publicação está prevista para março deste ano. Segundo Kroenes, o objetivo de Pomsel com este livro era alertar para a ascensão do populismo de direita nas atuais democracias ocidentais.

“Considerando a evolução política na Europa e nos Estados Unidos e face ao crescente nacionalismo europeu (...), [Pomsel] dizia que as suas memórias seriam um sinal de alarme para as gerações atuais e futuras", explicou Kroenes.

Esta evolução política é "terrível, absolutamente terrível", disse também Pomsel recentemente à AFP.

A Alemanha realizou um profundo trabalho de análise do seu passado, mas em muitas famílias alemãs o papel de parentes envolvidos na máquina totalitária nazi continua a ser um tabu.

Durante décadas, oficiais nazis e das SS, a polícia política, escaparam à justiça. A partir de 2011, foram reabertas investigações contra os últimos sobreviventes. Mas, devido à idade avançada e aos problemas de saúde da maioria, apenas alguns destes foram julgados e condenados.

Em junho passado, numa entrevista à AFP, Brunhilde Pomsel disse que tinha "a consciência tranquila”. "Sobre Goebbels pode-se dizer uma coisa, era um ator excelente", acrescentou. Para a ex-secretária, a imagem de "anão raivoso" que vociferava e gesticulava perante as multidões era um papel que ele interpretava. No dia-a-dia, Goebbels era "frio" e calmo, conta.

Brunhilde Pomsel nasceu em Berlim, a 11 de janeiro de 1911 e identificava-se como uma pessoa obediente, algo que atribuía ao seu pai, um veterano da Primeira Guerra Mundial, severo na forma de educar os filhos.

No início da vida profissional, a jovem alemã trabalhou numa loja de roupa de um empresário judeu e para um advogado também judeu. Por outro lado, trabalhou também para um ativista do partido nazi transcrevendo memórias da Primeira Guerra Mundial.

Foi por intermédio deste terceiro empregador que Pomsel foi contratada, em 1933, como secretária na divisão de notícias da corporação de radiodifusão do governo alemão. O emprego, bem remunerado, implicava que se alistasse no Partido Nazi, conta o The Washington Post.

Pomsel, que manteve o contacto com uma amiga judia de longa data que acabou por perecer em Auschwitz, acreditava que os judeus eram recolocados na Checoslováquia e que os campos de concentração eram centros corretivos para pessoas que perturbavam a paz.

“Ninguém acredita em nós. Todos acham que sabíamos tudo. Não sabíamos nada”, lamenta neste documentário.

Em 1942, Pomsel é promovida e vai trabalhar como secretária de Goebbels, ministro da Propaganda, responsável por todos os meios de comunicação da Alemanha nazi.

Quando o fim do regime nazi se tornou inevitável, Pomsel e outros trabalhadores do governo refugiaram-se numa cave do Ministério de Propaganda, onde se embriagaram com álcool. Goebbels e a família foram para o mesmo bunker onde Hitler acabou por cometer suicídio, a 30 de abril de 1945. No dia seguinte, Goebbels e a mulher, Magda, acabaram com a própria vida. Os seus seis filhos foram envenenados.

Pomsel e os colegas renderam-se aos russos, que a mantiveram presa durante cinco anos. Trabalhou na radiodifusão da Alemanha Ocidental até se retirar. Viveu toda a vida em Munique, nunca casou e nunca teve filhos.