Carlos Miguel encontrava-se internado no Hospital de Santarém e morreu de doença prolongada, disse a família.

Ator, artista plástico, escritor, Carlos Miguel construiu uma carreira de cerca de 40 anos, grande parte dela nos palcos do teatro de comédia e de revista, sobretudo no Parque Mayer, em Lisboa.

Numa entrevista à RTP, em 2010, que o levou de novo aos cenários do teatro de revista em Portugal, então desabitados, Carlos Miguel recordou "Lisboa, Tejo e Tudo", de César de Oliveira, Raul Solnado e Fialho Gouveia, como a sua produção preferida.

"Duas sessões por dia, dois anos em cartaz, no Teatro ABC", depois da estreia em 1986, recordou o ator.

O percurso de Carlos Miguel no teatro teve início em 1959, no Conservatório Nacional, em simultâneo com os seus primeiros trabalhos em palco, no Teatro da Trindade, num espetáculo de mímica, que também viria a estudar em Paris, com o mestre Marcel Marceau.

Na década de 1960, fez parte da Companhia Lírica e da Companhia de Teatro Popular, mas foi na Empresa Teatral José Miguel, que se manteve ativa durante cerca de 20 anos, que se estreou na revista. Foi em 1966, na produção "Mini saias", de Paulo da Fonseca, César de Oliveira e Rogério Bracinha.

O sucesso e a facilidade com que se adaptou ao modelo ditaram o seu futuro nas quatro décadas seguintes, durante as quais entrou em cerca de 200 peças, na maioria de revista, muitas delas ‘produções-chave’ da história do "teatro musical à portuguesa", como "O prato do dia", "Pimenta na língua", "Ora bolas p'ró Pagode" e "Cala-te boca!...", um desafio à censura dos últimos anos da ditadura.

Depois de Abril, é ainda e sempre o teatro de revista que domina: "Lisboa acordou", "Ó pá, pega na vassoura!", "Ó patêgo, olha o balão", "Vamos a votos", "Quem tem Ecu tem medo" e, mais tarde, o grande sucesso da sua carreira e talvez um dos últimos dos tempos em plenitude do Parque Mayer, "Lisboa, Tejo e tudo", uma produção da Empresa Carlos Santos.

O ator, porém, entrou em comédias, como "Os porquinhos da Índia", "A cama dos comuns", "Que medo, senhor Alfredo!" e "Três na (mesma) cama".

O seu nome era presença regular nas produções de teatro comercial, de empresários como Giuseppe Bastos e Vasco Morgado, interpretando sobretudo autores portugueses, como Aníbal Nazaré, Augusto Fraga, César de Oliveira, Coelho Júnior, Eduardo Damas, José Maria Viana Dionísio, Henrique Santana, Rogério Bracinha, mas também autores como Claude Magnier e Yves Jamiaque.

No palco, trabalhou com gerações de atores como Armando Cortez, Camacho Costa, Canto e Castro, Carlos Santos, Fernanda Borsatti, Io Apolloni, Luís Alberto, Luís Cerqueira, Manuela Maria, Maria Dulce, Maria Laurent, Mariema, Natalina José, Vera Mónica.

Foi, porém, na televisão, num desempenho a solo, durante quase 90 semanas, a partir de março de 1984, que Carlos Miguel firmou o seu nome, junto do grande público, com as mais de 40 personagens assumidas por Fininho, sessão após sessão, do concurso "1, 2, 3", da RTP1.

Sucederam-se então, nos anos de 1980/1990, novos trabalhos em televisão, sempre em comédia - ou a fazer valer o seu jeito de comédia - em séries como “Eu Show Nico” e “Nico D’Obra”, de Nicolau Breyner, “Trapos e Companhia”, “Os Andrades”, “Polícias”, “Reformado e Mal Pago” e “Médico de Família”.

Um cancro nas cordas vocais, em 1998, afastou-o da profissão e de Lisboa, onde nascera, para se fixar na aldeia do Granho, em Salvaterra de Magos.

Regressou aos palcos, pontualmente, para encenar "Não passa disto", que escreveu para o Teatro Taborda, de Santarém, e para participar em "Três na mesma cama", no Teatro Azul, de Nuno Miguel Henriques.

Foi, no entanto, a pintura, que ficou do curso da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, que também frequentou, a par do Conservatório, e a formação na área de literatura, que dominaram os 23 anos sem fazer teatro.

Em outubro de 2011, numa conversa com o ator José Raposo, no Centro Cultural do Cartaxo, manifestou-se “um grande defensor do teatro de revista e dos atores portugueses, sobretudo daqueles que ficam esquecidos, depois de tanto terem feito pelo teatro na vida”.

Para Carlos Miguel, porém, a importância estava na cultura: "É a alma das coisas, sem cultura não há futuro”.

Carlos Miguel não era crente, disse um amigo do ator à agência Lusa. Por isso, não haverá cerimónias fúnebres.

O seu corpo será acompanhado pela família, no domingo, para o crematório de Almeirim.

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