Gonçalo Ribeiro Telles, arquiteto paisagista e figura central do movimento monárquico em Portugal, morreu esta quarta-feira na sua casa de Lisboa, aos 98 anos, confirmou o SAPO24.
Nascido em Lisboa, a 25 de maio de 1922, Gonçalo Ribeiro Telles foi um dos pioneiros da defesa do ambiente, em Portugal e foi um dos principais responsáveis pelo desenho das áreas verdes de Lisboa, de Monsanto às zonas ribeirinhas, oriental e ocidental, do Vale de Alcântara, ao Jardim Amália, no Parque Eduardo VII, sem esquecer o mais antigo Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, que fez em parceria com Viana Barreto, pelo qual recebeu o Prémio Valmor, em 1975, nem projetos noutras zonas do país, como o Vale das Abadias, na Figueira da Foz.
Grande defensor da proteção legal dos parques naturais, dos jardins e hortas urbanas, os seus projetos como arquiteto paisagista moldaram de forma significativa não só a capital, mas também a área metropolitana.
O Corredor Verde de Monsanto e a integração da zona ribeirinha oriental e ocidental na Estrutura Verde Principal de Lisboa, bem como os projetos da Radial de Benfica, do Vale de Chelas, e do Parque Periférico também são da sua autoria.
Formando-se em Agronomia e Arquitetura Paisagista em 1950, no Instituto Superior de Agronomia, Ribeiro Telles iniciou a vida profissional na Câmara Municipal de Lisboa, onde trabalhou com Francisco Caldeira Cabral, com quem viria a publicar "A Árvore em Portugal".
Figura tutelar da defesa da ecologia para fundamentar a intervenção na paisagem e no território, Gonçalo Ribeiro Telles foi o responsável pelo lançamento da política de ambiente em Portugal, cuja legislação incentivou quando passou por vários cargos públicos, nomeadamente como ministro de Estado e da Qualidade de Vida, entre 1981 e 1983.
Foi galardoado em 1969 com o grau de Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, em 1988, pelo Presidente Mário Soares, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, em 1990, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Há três anos, Marcelo Rebelo de Sousa condecorou o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles com a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique, “em homenagem aos relevantes serviços que prestou ao país e em celebração do seu 95.º aniversário”.
Na altura, o Presidente da República considerou que “Portugal tem uma dívida de gratidão” para com este arquiteto paisagista, fundador do Partido Popular Monárquico (PPM), do qual depois se afastaria, e do Movimento do Partido da Terra (MPT), descrevendo-o como “cidadão corajoso e empenhado, homem de profundas convicções” que se bateu “pela democracia e pela liberdade antes e depois do 25 de Abril de 1974".
Monárquico confesso, Gonçalo Ribeiro Telles foi oposicionista ao Estado Novo quer constituindo o Movimento dos Monárquicos Independentes que concorreu à Assembleia Nacional em 1957, quer juntando-se à candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República em 1958, pois entendia que não se estava a discutir entre República e Monarquia mas sim entre Ditadura e Democracia.
Em 1969, foi candidato à Assembleia Nacional nas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), a que estava associado Mário Soares, com a Acção Socialista Portuguesa.
Em 1971, ajudou a fundar o movimento Convergência Monárquica e, após o 25 de Abril, foi um dos fundadores do Partido Popular Monárquico (PPM), a cujo diretório presidiu, e que, em 1979, fez parte da Aliança Democrática, liderada por Francisco Sá Carneiro.
O Duque de Bragança, Duarte Pio, escrevendo na biografia oficial de Ribeiro Telles, viu a fundação do PPM “como uma adaptação à linguagem moderna das ideias que os monárquicos sempre defenderam”, mas de que se afastaria vindo a fundar, em 1992, o Movimento do Partido da Terra cujo ideário reflecte as ideias que sempre defendeu e onde procura harmonizar a natureza com a acção humana.
“A construção da paisagem humanizada faz-se procurando harmonizar os interesses do Homem com a Natureza, porque ele é, ao mesmo tempo, senhor e escravo dela”, afirmou o arquiteto Ribeiro Telles na sua última lição que oficialmente ministrou na Universidade de Évora (UE).
Gonçalo Ribeiro Telles desempenhou vários cargos políticos e funções profissionais, designadamente subsecretário e secretário de Estado do Ambiente, ministro de Estado e da Qualidade de Vida, professor catedrático da UE, deputado ao parlamento pelo PPM e como independente pelo PS. Foi também vereador da Câmara Municipal de Lisboa pelo MPT.
Da sua passagem pelo governo nasceu um conjunto de decretos-lei que foi determinante para a definição de uma política de ambiente e de paisagem, destacando-se a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional.
Enquanto deputado na Assembleia da Republica são da sua responsabilidade as propostas da Lei de Bases do Ambiente, da Lei da Regionalização, da Lei Condicionante da Plantação de Eucaliptos, da Lei dos Baldios, da Lei da Caça, e da Lei do Impacte Ambiental.
A nível internacional, foi feito Cavaleiro da Ordem de Mérito da Itália, oficial da Ordem Militar de Sant’iago da Espada e Ordem da bandeira com rubis da Hungria.
No plano cultural, foi um dos fundadores do Centro Nacional de Cultura (CNC).
Gostava de dar como exemplo os frescos de Ambrogio Lorenzetti, no Palácio Comunal de Siena, vindos do século XIII, com exemplos de “Bom Governo” e “Mau Governo”, na gestão e ordenamento das cidades.
No primeiro caso, sublinhava a imagem de uma cidade de portas abertas, numa comunicação entre o campo organizado e a urbe, com gente a entrar e a sair.
No segundo caso, a mesma cidade mas com as portas encerradas, como num grande condomínio fechado, e as representações da crueldade, da traição, da maldade, da vã glória e da soberba, lado a lado com o tirano.
Em 2013, Gonçalo Ribeiro Telles foi distinguido com o ‘Nobel’ da Arquitetura Paisagista, o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, que lhe seria atribuído em Auckland, na Nova Zelândia, pela federação internacional do setor, a Federação Internacional dos Arquitetos Paisagistas (IFLA).
O prémio tem como objetivo "reconhecer um arquiteto paisagista cuja obra e contribuições ao longo da vida tenham tido um impacto incomparável e duradoiro no bem-estar da sociedade e do ambiente, e na promoção da profissão".
O cineasta João Mário Grilo dirigiu "A Vossa Terra - paisagens de Gonçalo Ribeiro Teles", documentário sobre o arquiteto paisagista e a sua obra, estreado em 2016, no festival de cinema IndieLisboa.
Em junho, Lisboa inaugurou na antiga Casa dos 24, na rua da Fé, em Lisboa, a exposição o "Mester da Paisagem", dedicada ao arquiteto, percorrendo o seu pensamento e forma de trabalho.
Na Gulbenkian, o jardim serve de suporte ao Centro Interpretativo Gonçalo Ribeiro Telles.
A Fundação Calouste Gulbenkian já reagiu à morte de Gonçalo Ribeiro Teles, expressando "o seu profundo pesar pelo desaparecimento do Arq. Gonçalo Ribeiro Telles, uma figura ímpar ligada à Instituição desde o primeiro momento".
Isabel Mota, presidente da Fundação, lembrou “o amigo e visionário que inspirou gerações de arquitetos paisagistas, responsável, em conjunto com António Viana Barreto, pelo desenho do jardim da Fundação Gulbenkian, um espaço que se tornou emblemático para todos os que diariamente aqui esquecem o bulício da cidade”.
A presidente da Fundação destaca também “o incansável defensor das cidades ecológicas e humanizadas, das reservas e parques naturais, dos jardins e das hortas urbanas, perante a ameaça constante dos interesses privados e corporativos”. “Nunca é demais realçar o espírito de um homem à frente do seu tempo que viu, como poucos, o que reservava o futuro numa altura em que os alarmes das crise ecológica e climática ainda não soavam com a força de hoje. Um homem profundamente cansado de ter razão que tantas vezes viu a cidade tomar um rumo contrário à visão que, sabiamente, defendia, baseada num profundo conhecimento e num amplo bom-senso. Este homem que apreciava o carácter dinâmico dos jardins, tão ligado ao movimento da vida, como gostava de dizer, com elementos que nascem, crescem, reproduzem-se e morrem, ficará para sempre ligado a esta Fundação e a este jardim admirável que ajudou a criar.”
[Notícia atualizada às 17:53]
Comentários