A Câmara Municipal da Marinha Grande, que partilhou a informação nas suas redes sociais, decretou luto municipal.
Norberto Barroca nasceu na Marinha Grande em 1937 e tinha formação em Arquitetura e História. Mas notabilizou-se, sobretudo, por múltipla atividade teatral enquanto ator, declamador, encenador, cenógrafo, figurinista, professor e autor. Ainda fez rádio, cinema e gravou discos de poesia.
"Fazia teatro em casa", na Marinha Grande, "e dizia poesia; depois, também no Externato Afonso Lopes Vieira. Quando fui estudar arquitetura para Lisboa iniciei-me no Teatro Universitário, com direção de Fernando Amado", recordou Norberto Barroca numa biografia escrita em 2019, a pedido da Câmara Municipal da Marinha Grande, hoje divulgada.
Foi com Fernando Amado que chegou ao Centro Nacional de Cultura, onde se estreou no Grupo Fernando Pessoa, desde a sua fundação, em 1960, dizendo poesia.
"Com o Grupo [dirigido por João d'Ávila e Fernando Amado], fiz espetáculos por todo o país e também no Brasil, Angola e Moçambique".
Seguiu-se, em 1964, a Casa da Comédia, também com direção de Fernando Amado. Norberto Barroca foi protagonista da peça "Deseja-se mulher", de Almada Negreiros, autor que aí conheceu.
Na Casa da Comédia deu os primeiros passos como encenador, em 1967, com "As noites brancas", de Dostoievski. A encenação de "Fando e Lis", de Fernando Arrabal, valeu-lhe em 1969 o Prémio da Imprensa de Encenação, que garantiu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para estudar teatro em Londres, na East 15th Acting School.
A arquitetura levou-o a trabalhar em Lourenço Marques, hoje Maputo, em Moçambique, onde também continuou a fazer teatro, experimentando a temática africana.
De regresso a Portugal, fez parte do Teatro Experimental de Cascais e encenou espetáculos em quase todas as companhias e salas de Lisboa: Teatro Estúdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins, 1.º Acto de Algés, A Barraca, A Comuna, Novo Grupo/Teatro Aberto, Teatro S. Luiz, que dirigiu, Teatro Maria Matos, Teatro Nacional D. Maria II, e também palcos de expressões de comédia e revista, como o antigo Teatro Laura Alves, na rua da Palma, e os teatros ABC e Maria Vitória, no Parque Mayer.
Também trabalhou em Viseu, n'A Centelha, projeto de descentralização levado até à cidade, no final da década de 1970, com São José Lapa e Jorge Fraga, entre outros, e no Porto, na Seiva Trupe, levando à cena "Um cálice de Porto", que foi apresentado durante dois anos em várias cidades do país e na Galiza, em Espanha.
De 1998 a 2009, foi diretor artístico do Teatro Experimental do Porto: "Dirigi e interpretei um importante reportório do teatro mundial, no Porto e em Vila Nova de Gaia", assume na biografia.
Enquanto ator e encenador trabalhou com quase todos os nomes fundamentais do teatro nacional, como Glória de Matos, Graça Lobo, Mirita Casimiro, Manuela de Freitas, Maria do Céu Guerra, Laura Soveral, Isabel Ruth, Irene Cruz, João Perry, Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho, Filipe La Féria, Fernanda Lapa, José Wallenstein, Canto e Castro, Lourdes Norberto, Glicínia Quartin, Alina Vaz, Ana Zannatti e Ricardo Trêpa, António Capelo, Estrela Novais, António Reis, Varela Silva e Raul Solnado, entre muitos mais.
O seu repertório atravessa toda a história do teatro, de Gil Vicente, Shakespeare e Ben Jonson, de Joe Orton a Jeff Baron, Kafka e Pirandello, de Francisco Manuel de Mello a Camilo Castelo Branco Raul Brandão, Jorge de Sena e Alexandre O'Neill ou Luís de Stau-Monteiro.
O percurso no teatro fica ainda marcado pelos espetáculos para a infância, encomendados pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, os espetáculos para a Expo'98 e ainda para o 90.º aniversário das aparições de Fátima, "Memórias de Lúcia".
Em cinema e televisão, destacam-se as suas atuações em "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava", o derradeiro filme de Paulo Rocha, "Singularidades de uma Rapariga Loura" e "Cristóvão Colombo - O Enigma", de Manoel de Oliveira, "Passagem por Lisboa" e "A Santa Aliança", de Eduardo Geada, "Coitado do Jorge" e "Agosto", de Jorge Silva Melo, "Os Putos" e "Noites Brancas", produzidos pela RTP, entre mais de três dezenas de filmes, séries filmadas e produções dramáticas.
Ao longo da carreira, Norberto Barroca recebeu diversas distinções. Além do Prémio da Encenação da Casa da Imprensa, foi reconhecido com os prémios de Melhor Espectáculo do Ano da Associação de Críticos e da Revista Nova Gente (1982 e 1983), com o diploma de "Excelência Pessoana" da Associação Fernando Pessoa (2003), com a Medalha de Oiro de Mérito Cultural da Câmara de Vila Nova de Gaia (2006), a Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores (2009) e o Prémio Reconhecimento da Fundação Inatel - Leiria.
Foi ainda homenageado pela Ordem dos Arquitectos, por mais de 50 anos de vida associativa (2019).
"Esta é uma triste notícia que muito nos marca. Norberto Barroca foi e será - porque nunca o esqueceremos - um grande marinhense", afirma a presidente da Câmara da Marinha Grande, Cidália Ferreira, sobre a morte do encenador, em nota de pesar divulgada pelo município.
"Graças a Norberto Barroca boa parte da memória histórica do povo marinhense permanecerá eternamente viva. Obrigada por tudo, Norberto. Ficam as enormes saudades", acrescenta Cidália Ferreira.
A mais recente encenação de Norberto Barroca foi a comemoração dos 250 anos da chegada de Guilherme Stephens à Marinha Grande, espetáculo realizado em 19 de outubro de 2019.
Além de luto municipal, Cidália Ferreira avançou à agência Lusa que a galeria municipal da Marinha Grande receberá o nome de Norberto Barroca.
Lá será depositado, trabalhado e divulgado o espólio do ator e encenador, concretizando um projeto que o próprio vinha preparando com a autarquia, garantiu.
(Notícia atualizada às 20h40)
Comentários