Segundo José Jorge Letria, que disse ter perdido um amigo de mais de 50 anos, António Torrado morreu em casa, em consequência de doença prolongada.
Poeta e dramaturgo premiado, antigo professor do ensino secundário, António Torrado esteve desde cedo ligado à pedagogia, à produção literária para os mais novos, à recuperação e reinterpretação do conto tradicional e à promoção da leitura.
"O mercador de coisa nenhuma", "Teatro às três pancadas", "Donzela guerreira" e "O veado florido" são algumas das obras escritas por António Torrado, distinguido em 1988, pelo conjunto da obra, com o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens.
Torrado recebeu esta distinção outras quatro vezes, em reconhecimento de títulos literários distintos: em 1980, com o livro "Como se faz cor-de-laranja", em 1984, com "O livro das sete cores", em 1996, com "O mercador de coisa nenhuma" e, em 1988, com "As estrelas - Quando os reis eram príncipes".
Este foi um dos seus títulos incluídos na Lista de Honra do International Board of Books for Young People (IBBY), assim como “O veado florido”.
António Torrado nasceu em Lisboa, em 1939, formou-se em Filosofia em Coimbra e dedicou-se ao ensino na década de 1960, até ser afastado por motivos políticos.
Escreveu para jornais, trabalhou na área editorial, foi chefe do Departamento de Programas Infantis na RTP e "fundador de uma escola infantil e básica, pioneira em Portugal do Movimento da Escola Moderna", como refere a biografia na página da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas.
António Torrado, que já deu o nome a várias escolas do ensino básico, foi ainda cofundador da Associação Portuguesa de Escritores, do Instituto de Apoio à Criança e da Sociedade Portuguesa de Autores.
Era membro da Associação Internacional de Críticos Literários, e foi responsável pela cadeira de Escrita Dramatúrgica da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Formou professores em Portugal e noutros países de língua portuguesa, coordenou o curso anual de Expressão Poética e Narrativa do antigo Centro Artístico Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian, e trabalhou de perto em dramaturgias com o Teatro da Comuna, de que foi dramaturgo residente.
Em entrevista em 2010 ao jornal Público, quando completou quarenta anos de vida literária, António Torrado manifestava-se feliz por ser acarinhado pelos leitores e por ser lido por diferentes gerações.
"Já fiz tudo, já encantei gente. Tenho razões para me sentir feliz e realizado, mas, por outro lado, penso: e agora? O que é que me resta? Se isto é o resumo do que fiz, parece que é quase uma notícia necrológica, e eu não quero que seja. Não é por causa do medo da morte. Se ela viesse de um dia para o outro, não me custava nada. Ficar incapaz é que é chato, morrer não", afirmou na mesma entrevista.
A extensa obra literária de António Torrado, que soma perto de centena e meia de títulos, está traduzida em diversas línguas.
Marcelo destaca “incessante trabalho” na promoção da leitura
“Muito ativo como pedagogo (na Fundação Calouste Gulbenkian ou na Escola Superior de Teatro e Cinema), mas também como dramaturgo (colaborando nomeadamente com o Teatro da Comuna), devemos-lhe um incessante trabalho de divulgação e promoção do livro e da leitura”, lê-se numa nota publicada no ‘site’ da Presidência da República.
Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que António Torrado foi “um dos poucos autores” que todos associavam à literatura infantil, notando que o escritor revelou um “gosto pelo lúdico, o lírico, o histórico e o didático, bem como um especial interesse pelos contos tradicionais”.
Manifestando o “reconhecimento de muitas gerações”, o Presidente da República apresentou as condolências à família de António Torrado, de quem era amigo.
Ministra da Cultura recorda “nome maior” da literatura
“A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamenta profundamente a morte do escritor António Torrado (1939-2021), poeta, ficcionista, dramaturgo e nome maior da literatura infantojuvenil portuguesa”, lê-se numa nota divulgada pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais.
A governante classificou também o autor como “mestre da língua portuguesa”, destacando o seu sentido de humor e empatia “únicos”.
Para Graça Fonseca, António Torrado “é uma referência incontornável da literatura portuguesa das últimas décadas”, com uma “notável obra” que é testemunho “do valor transformador da imaginação e da fantasia” e da memória, constituindo ainda um repositório da tradição literária portuguesa.
“Através dos seus textos, o passado, o presente e o futuro da literatura portuguesa comunicam permanentemente, numa obra que ensinou muitos a ler e, mais do que isso, a sonhar e acreditar na realidade mágica dos mundos criados a partir das páginas e da tinta”, acrescentou, prestando condolências à família e amigos do autor.
"Um dos mais produtivos e criativos dramaturgos portugueses"
A SPA tem "concluído um livro de homenagem a António Torrado, com coordenação da escritora Inês Fonseca Santos", que "será brevemente difundido", constituindo, "por enquanto, a última homenagem da cooperativa a um autor que fica sempre presente com o seu talento e qualidade invulgares", lê-se na mensagem de pesar hoje divulgada.
"Era um dos mais produtivos e criativos dramaturgos portugueses, deixando uma obra extensa e muito representativa", recorda a administração da SPA, nesta mensagem, considerando o escritor "um cooperador marcante no processo de mudança na vida" da cooperativa, tendo sido "várias vezes membro da [sua] direção", entre 2003 e 2019, altura em que se afastou, "por motivo de doença".
A SPA recorda ainda "o excecional trabalho" de António Torrado "como autor de livros para crianças e jovens", que lhe garantiu o grande Prémio Gulbenkian de Literatura infantil, e a atividade de "argumentista de cinema, tendo escrito um filme de homenagem a Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus" e outro sobre Eça de Queirós.
"Deveria ter sido candidato ao Prémio [Hans Christian] Andersen, espécie de Nobel da Literatura para os mais novos, o que não aconteceu", declara a SPA, na sua mensagem.
A cooperativa de autores recorda ainda António Torrado na Direção de Programas Infantis e Juvenis da RTP, ao lado da escritora Maria Alberta Menéres (1930-2019), o seu saneamento, "por razões políticas, no 25 de novembro de 1975", tendo porém regressado a tempo de coordenar a primeira série em português da “Rua Sésamo”, "onde deixou a marca do seu talento no ato de escrever para televisão", .
"A SPA relembra-o com saudade", conclui a cooperativa.
O Grupo Leya, que editou grande parte da obra do autor nas chancelas Asa e Caminho, também fez eco da tristeza com que recebeu a notícia da morte de António Torrado.
[Notícia atualizada às 22:56]
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