O Governo e os partidos representados na Assembleia da República “têm de clarificar, rapidamente, como será garantido o financiamento da descentralização, isto é, como serão transferidos os recursos financeiros às autarquias locais e às entidades intermunicipais para a execução de novas competências”, disse esta terça-feira o presidente da ANMP, Manuel Machado.

Essa clarificação tem de ser feita “antes da entrada em vigor dos decretos-lei setoriais [da descentralização] em falta”, sublinhou Manuel Machado, que falava aos jornalistas, na sede da ANMP, em Coimbra, depois de ter participado numa reunião do Conselho Diretivo da Associação.

“Neste momento, em que a maioria dos diplomas setoriais” da descentralização administrativa “já estão aprovados”, a questão do respetivo financiamento “suscita a preocupação da ANMP”, pois “a Assembleia da República reprovou, no âmbito da Lei do Orçamento do Estado para o corrente ano de 2019, a possibilidade de constituição do Fundo de Financiamento da Descentralização”, explicou Manuel Machado.

“Na consensualização dos decretos-lei setoriais”, a ANMP “determinou o estabelecimento de determinadas garantias relativas ao desenvolvimento deste processo de descentralização”, para que ele possa decorrer com “o máximo rigor, previsibilidade, responsabilidade e universalidade”, referiu Manuel Machado, destacando que foi prevista, designadamente, a alteração da Lei das Finanças Locais (já publicada) e a criação do FFD, para financiar as competências a transferir.

Mas a Assembleia da República rejeitou as normas relativas à dotação do FDD, “não havendo, no momento, a possibilidade de serem efetuadas alterações orçamentais destinadas ao seu reforço, nem estando determinado qual o procedimento legal a seguir para o efeito”, concluiu o presidente da ANMP, que também é presidente da Câmara de Coimbra.

No âmbito do processo de descentralização administrativa, já foram publicados, em Diário da República, 11 decretos-lei setoriais: proteção civil/bombeiros, estacionamento público, promoção turística, projetos financiados por fundos europeus de captação de investimentos, praias, habitação, vias de comunicação (estradas), património imobiliário público, justiça, estruturas de atendimento ao cidadão e modalidades afins de jogos de fortuna e azar.

Em relação a seis daqueles diplomas (praias, modalidades afins de jogos de fortuna e azar, justiça, proteção civil/bombeiros, património imobiliário público e estacionamento público) a transferência de competências tem caráter universal.

Quanto às vias de comunicação, a transferência de competências tem caráter universal relativamente à gestão dos troços de estrada e dos equipamentos e infraestruturas neles integradas, e caráter não universal em relação à manutenção, conservação e reparação das estradas, que depende do acordo de cada município.

No setor da habitação, tem caráter universal a gestão de programas de apoio ao arrendamento urbano e à reabilitação urbana (mas ainda dependente de legislação que defina os termos em que aquela gestão é exercida pelos municípios), enquanto a transferência de propriedade e gestão de imóveis é remetida para acordos expressos com os respetivos municípios.

Nas áreas da promoção turística, da justiça, dos projetos financiados por fundos europeus de captação de investimento e da proteção civil/bombeiros, “o exercício das competências pelas entidades intermunicipais depende de acordo prévio de todos os municípios” da respetiva entidade, recordou Manuel Machado.

O Governo, que ainda não aprovou o decreto-lei setorial relacionado com as freguesias, já terá aprovado alguns outros diplomas, que foram ou serão remetidos ao Presidente da República, para posterior publicação.

Câmara do Porto recusa competências no âmbito da descentralização para 2019

A Câmara do Porto aprovou esta terça-feira, com a abstenção do PS, a recusa da transferência de competências no âmbito da descentralização em 2019, depois de o independente Rui Moreira retirar de votação a mesma decisão quanto a 2020.

Na reunião camarária pública, o executivo deliberou propor à Assembleia Municipal que reitere à Direção-Geral das Autarquias Locais, “que o município do Porto não pretende, no ano de 2019, a transferência das competências prevista na Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto”, nem “nenhuma das competências” previstas nos decretos-lei publicados em novembro.

Retirado da votação foi o ponto contestado pelo PS e pelo PSD que previa as mesmas recusas para o ano de 2020.

“Em relação a 2019 nem sequer nos devíamos ter pronunciado. Digam-nos, primeiro, quais as competências que pretendem transferir, quais vão ser as verbas disponíveis. Estamos interessados na descentralização, mas uma coisa é a descentralização, outra é a forma como este processo tem sido conduzido, nomeadamente quando nos obrigam a decidir até 20 de setembro e nos obrigam a voltar a deliberar”, observou Rui Moreira.

O vereador do PS Manuel Pizarro observou que, “tendo o município a possibilidade de se pronunciar até junho de 2019” devia, “em nome de uma decisão racional”, não decidir já sobre 2020.

“Não parece bom para nós tomar agora esta decisão. Não acompanhamos a decisão da maioria sobre as competências para 2020”, frisou.

Moreira reconheceu que a posição do executivo “devia ser unânime”, frisando achar que “este processo está inquinado desde início”.

Já Ilda Figueiredo notou que “a CDU quer a descentralização, mas de competências, de meios, adequada à capacidade das autarquias e que não ponha em causa outra descentralização constitucional, que se chama regionalização”.

“Gostaríamos que o Governo abandonasse este processo e depois legislativas se volte ao problema, e se faça de forma sã, em diálogo efetivo com municípios e em busca de consensos, e não desta forma atabalhoada”, defendeu.

"Sem saber o que está para vir, o que pode a Câmara do Porto decidir? Acho que só pode decidir não”, frisou.

Álvaro Almeida, vereador do PSD, não concordou com a recusa de competências com transferência prevista para 2020: "Compreendo pela forma atabalhoada como o processo está a ser conduzido pelo Governo que não assumamos competências em 2019. Percebo menos que estejamos já a falar em 2020. Como defensor da descentralização, só as devemos recusar em casos concretos. Devemos analisar área a área e envelope a envelope financeiro. Uma recusa transversal parece extemporânea”, sustentou.

A 10 de setembro de 2018, a Assembleia Municipal do Porto aprovou uma deliberação segundo a qual deveria ser comunicado à Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) que o município do Porto não pretendia, no ano de 2019, a transferência das competências previstas, decisão que foi comunicada àquela direção dois dias depois.

No texto votado hoje, Moreira volta a sublinhar que "a apreciação geral sobre o processo em si, o conjunto de implicações financeiras, humanas e organizacionais, o tardio e escasso conhecimento sobre as matérias a transferir, as condições e as suas implicações, conduzem a que, responsavelmente e na defesa dos interesses quer da autarquia quer da população, o município reitere a sua opção".

De acordo com o documento, “todos os espaços, vias ou equipamentos são estruturantes para a execuções das missões de interesse geral a desenvolver na cidade durante o ano de 2019 e de 2020".

Câmara de Famalicão recusa transferência de competências

A Câmara de Vila Nova de Famalicão vai recusar a transferência de competências para as autarquias locais já previstas, considerando que apenas "se tratam de tarefas" e sem as "indispensáveis garantias" de execução.

A autarquia liderada por Paulo Cunha (PSD) explica que a recusa em assumir as competências veiculadas pelos 11 diplomas setoriais publicados é uma "questão de coerência", criticando o Estado por "despejar tarefas" sem condições para que sejam efetivadas.

Segundo Paulo Cunha, para além da coerência, esta é uma questão "acima de tudo de respeito para com a nossa comunidade", salientando que não pode aceitar que "o Estado despeje tarefas nas autarquias sem lhes garantir as condições para a sua execução".

O autarca refere que a "aprovação da Lei-Quadro de Descentralização aprovada no ano passado pressupunha a aprovação dos decretos-lei setoriais e os envelopes financeiros associados a cada autarquia com a identificação das verbas por área de competências, o que ainda não aconteceu de uma forma clara e objetiva, para além de ainda não terem sido promulgados todos os diplomas previstos".

Paulo Cunha considera que é pedido às autarquias que passem "um cheque em branco", referindo que isso "vai contra os mais importantes princípios" que os autarcas têm que respeitar.

"O compromisso que temos para com a nossa comunidade é da máxima responsabilidade e aceitar estas tarefas nos moldes em que nos são propostas seria uma irresponsabilidade da nossa parte", sublinha.

A Câmara de Famalicão recusa-se assim a "entrar no jogo do faz de conta", assumindo Paulo Cunha uma posição favorável à descentralização: "Defendemos a descentralização de competências há muitos anos e estamos perfeitamente cientes que as autarquias locais reúnem todas as condições para fazer um trabalho de proximidade e de rigor com mais e melhores resultados para a população do que tem acontecido até agora com uma administração publica demasiado centralizadora, mas numa matéria tão importante não podemos entrar no jogo do faz de conta".

Quanto às competências de natureza intermunicipal, o município famalicense remete para a Assembleia Municipal a decisão quanto à sua aceitação, conforme decorre da legislação, estando neste lote competências como o domínio da promoção turística, justiça, projetos financiados por fundos europeus e programas de captação de investimento e apoio às corporações de bombeiros.

“Na consensualização dos decretos-lei setoriais”, a ANMP “determinou o estabelecimento de determinadas garantias relativas ao desenvolvimento deste processo de descentralização”, para que ele possa decorrer com “o máximo rigor, previsibilidade, responsabilidade e universalidade”, referiu Manuel Machado, destacando que foi prevista, designadamente, a alteração da Lei das Finanças Locais (já publicada) e a criação do FFD, para financiar as competências a transferir.

Mas a Assembleia da República rejeitou as normas relativas à dotação do FDD, “não havendo, no momento, a possibilidade de serem efetuadas alterações orçamentais destinadas ao seu reforço, nem estando determinado qual o procedimento legal a seguir para o efeito”, concluiu o presidente da ANMP, que também é presidente da Câmara de Coimbra.

Câmara de Sintra recusa transferência de novas competências em 2019

Uma proposta para que a assembleia municipal delibere não aceitar a descentralização em 2019 foi aprovada esta terça-feira pelo executivo da Câmara de Sintra, que vai criar um grupo de trabalho para avaliar o impacto financeiro das novas competências.

“Precisamos, antes de tomar decisões sobre se aceitamos ou não as atribuições que nos serão acometidas, ter em atenção três aspetos, que são o financiamento, os meios humanos e o impacto das novas atribuições na orgânica da câmara”, explicou Basílio Horta (PS).

O presidente da câmara acrescentou que, neste momento, o município não pode aceitar qualquer tipo de transferência de competências, “porque nenhum dos aspetos está suficientemente estudado”.

Na proposta salienta-se que as competências previstas nos 11 diplomas setoriais já publicados “são automaticamente transferidas para os municípios”, podendo a assembleia municipal decidir não exercer as novas atribuições já este ano.

A recusa em assumir as novas competências deve ser comunicada até 60 dias após a publicação de cada decreto-lei, sendo a primeira data 31 de janeiro de 2019.

Na proposta do autarca refere-se ainda que será constituído um grupo de missão “com vista a apurar o real alcance financeiro, material e procedimental das competências legalmente transferidas”.

O grupo de trabalho irá “fazer uma análise puramente técnica dos efeitos financeiros, humanos e da orgânica da câmara”, reforçou Basílio Horta.

O presidente da autarquia confia que o relatório sirva para avaliar que competências poderão ser assumidas em 2020 ou em 2021, quando serão automaticamente transferidas, mas notou que politicamente nenhuma câmara “pode assumir responsabilidades que tenha a consciência de que não pode responder por elas”.

“Vamos esperar que até 2021 possamos assumir todas as atribuições, porque acreditamos na descentralização. Tomara que já em 2019 pudesse aceitar todas as competências, mas isso não é possível, por ser uma irresponsabilidade”, frisou Basílio Horta.

Os eleitos da coligação Juntos pelos Sintrenses (PSD/CDS-PP/MPT/PPM) votaram a favor da proposta para não aceitar competências em 2019, mas contestam o acordo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) de que as autarquias sejam obrigadas a assumir as novas atribuições em 2021.

“É altura da Câmara de Sintra, nesta e noutras matérias em que tem sido altamente prejudicada por aquilo que são as decisões da ANMP, de tomar uma decisão de distanciamento, porque não faz sentido estarmos numa associação que não serve os interesses do concelho”, afirmou à Lusa o vereador Marco Almeida.

O autarca, que já antes defendeu o abandono da ANMP pela Câmara de Sintra, alegou que, “até do ponto de vista constitucional, é duvidoso se a administração central pode impor à administração local a assunção de novas responsabilidades”.

O desafio não encontrou, no entanto, acolhimento no PS e na CDU, coligação que também votou a favor da rejeição, para já, de novas competências sem que estejam assegurados os correspondentes meios.

“Não estando assegurados os meios será um risco para qualquer autarquia e deixa de ser uma transferência de competências para ser uma mera desconcentração”, vincou Pedro Ventura.

O vereador da CDU defendeu que a autarquia deve “reclamar uma descentralização efetiva, condição essencial para o desenvolvimento local e regional, que assegure o reforço da coesão nacional e de solidariedade inter-regional e promova a eficiência e eficácia da gestão pública”.

[Notícia atualizada às 16:37]