Segundo o chefe de departamento de Prevenção da Violência e Proteção dos Direitos da Criança do Instituto Nacional da Criança (Inac), Bruno Pedro, “a questão da mutilação feminina é um fenómeno menos frequente do que a circuncisão (mas) ficou claro que existe na província do Moxico”, após pesquisas realizadas pela instituição.
Falando à margem da apresentação dos resultados provisórios de uma pesquisa sobre “Crenças e Práticas Culturais que Fomentam a Violência Sexual contra a Criança: Uma Análise na perspetiva dos Direitos da Criança”, Bruno Pedro explicou que existem registos de meninas entre 12 e 15 anos, “se não um pouco antes”, submetidas à mutilação genital, nos municípios do Alto Zambeze, Luacano, Lumeje, Cameia, Bundas e Luchazes.
De acordo com Bruno Pedro, aquelas comunidades acreditam que ao submeter as meninas ao ritual de circuncisão feminina, estas aprendem como devem comportar-se durante o ato sexual.
“Há alguns casos que também começam aos nove, porque começa a puberdade, os primeiros sinais, então é entendido nessas comunidades que quando aparecem esses sinais, esta pessoa já está em condições de ser considerada adulta”, referiu.
As crenças de que o “órgão genital feminino reage melhor à introdução do pénis” ou de que “há melhor sensação no ato sexual” são alguns dos motivos invocados por essas comunidades, explicou o dirigente.
Questionado sobre que consequências físicas e psicológicas as crianças sofrem, Bruno Pedro sublinhou que não foram recolhidos dados, embora admitindo que, do ponto de vista médico, a mutilação deixa sempre consequências.
“Como a pesquisa está em aberto, (…) eventualmente venhamos também a fazer uma evolução na pesquisa para esse lado, mas há relatos de que quando essa mutilação é feita pode criar uma consequência para a menina”, disse o responsável, apontando questões higiénicas.
“A forma como ela (a mutilação) é feita, pode depois dar lugar a outras consequências no aparelho genital feminino, do ponto de vista físico, biológico, para o desenvolvimento da menina, sem dizer que pode desembocar em outras consequências quer para a sexualidade da criança, (quer para) a forma como o ato sexual vai ser feito”, realçou, salientando que, por outro lado, a circuncisão masculina é uma prática generalizada noutras zonas do país.
Agora, as autoridades devem “fazer perceber às pessoas das comunidades que têm essas práticas” o seu “efeito negativo no desenvolvimento da criança”, defendeu Bruno Pedro.
O técnico admitiu que essa consciencialização “vai levar o seu tempo, porque [a prática] é cultural” e é percebida como normal, mas considerou “importante que se inicie esse processo de informação, sensibilização, para que as pessoas nas comunidades percebam que a criança nessa fase está em desenvolvimento”.
Para sensibilizar as comunidades, as autoridades contam com o envolvimento de profissionais como assistentes sociais, psicólogos ou sociólogos, “pessoas que já tenham algum nome na comunidade”.
A aposta em líderes de opinião próximos, “que entendam essas matérias e o seu impacto negativo” para as crianças deve ser a grande prioridade, exortando esses interlocutores a que “consigam transmitir, na linguagem própria da comunidade,” essas informações.
Experiências anteriores deste tipo no combate à circuncisão masculina tiveram sucesso em Angola, recorda Bruno Pedro, dando o exemplo de uma campanha para evitar o uso do mesmo objeto para efetuar o corte em cerimónias rituais de grupo.
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