“Funcionamos como ‘cluster’, quem quiser comprar livros antigos sabe que deve vir à rua do Alecrim, à calçada do Combro, à rua da Misericórdia, ao largo da Misericórdia”, conta António Trindade, da Livraria Trindade.

Tal como as suas vizinhas do Centro Antiquário do Alecrim, recebeu uma ordem de despejo da Sociedade Imobiliária do Alecrim e obteve agora o estatuto de Loja com História de Lisboa, que protege os negócios históricos da liberalização das rendas aprovada em 2013.

“Desde a ‘lei Cristas’, isto foi um arraso de lojas tradicionais. Vamos ver se a distinção de Loja com História vai conseguir travar este processo. Temos esperança que sim”, afirma António Trindade, referindo-se à lei da responsabilidade da antiga ministra Assunção Cristas, atualmente presidente do CDS-PP e vereadora da oposição na Câmara de Lisboa.

No eixo lisboeta dos livros antigos fecharam nos últimos anos, entre outras, a Livraria Portugal, a Camões e a Barateira, e a Artes e Letras abandonou o largo da Misericórdia para se fixar na zona das Avenidas Novas.

“Este tipo de negócio precisa de uma loja de rua, tem de ter espaço para a pessoa andar. Espero realmente que consigamos ficar”, deseja Margarida Leite, do Centro Antiquário do Alecrim, uma das filhas do falecido Francisco Américo Marques, fundador do espaço.

Entre o tiquetaque dos relógios de parede da sua ampla loja, António Trindade descreve um cenário de transformação da rua onde agora as lojas “abrem e fecham à velocidade da luz”.

“Como as rendas são de tal modo elevadas, os senhorios não se importam que vão e venham. Esses negócios não são sustentáveis, talvez na rua Garrett, onde passam milhares de pessoas por dia, sejam, mas a rua do Alecrim tem carros, não tem as mesmas pessoas nem as mesmas condições”, sustenta.

Tanto António Trindade como Margarida Leite não se queixam de falta de clientes, num negócio que tanto vende livros usados a estudantes por dois euros como peças de elevado valor monetário e histórico, entre manuscritos, mapas, gravuras e, no caso do Centro Antiquário, os rótulos e restante espólio da antiga Fábrica Âncora.

Com a agilidade que uma entidade pública não consegue ter, António Trindade compra frequentemente peças que depois vende a entidades como a Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional.

“A nossa loja tem também um papel na defesa do património”, corrobora Margarida Leite.

Margarida recorda que na véspera de receber a Lusa na sua loja vendeu um documento do século XVI a um homem que entrou no Centro Antiquário a perguntar por “alguma coisa sobre o Redondo”, com o objetivo de fazer uma doação à biblioteca local.

Às vezes, os tesouros nem são vendidos, mas são disponibilizados ao público, como os desenhos de Santa Rita Pintor que o pai de Margarida comprou nos anos 1950, um espólio raro do artista, que recentemente as filhas mostraram à Faculdade de Belas Artes e que se encontra exposto no Museu da Guarda, pela primeira vez.

O Centro Antiquário do Alecrim está na rua do Alecrim desde os anos 1950, a Livraria Trindade desde a década de 1980, antes situava-se na vizinha rua Anchieta.

Para Margarida Leite, a loja confunde-se com a história da família. O pai, Francisco Américo Marques, começou a lidar com antiguidades ainda em criança, quando, órfão de mãe e com o pai embarcado, precisou de trabalhar e trocou os jornais que vendia na feira da Ladra por pequenas peças e manuscritos que ia resgatando no ferro velho.

“Salvou milhares de manuscritos! Naquela altura, ia tudo para destruir e fazer papel novo”, conta Margarida, emocionada.

De criança a lutar pela sobrevivência na Lisboa dos anos 1930, Francisco Américo Marques criou o Centro Antiquário e chegou a ter no magnata norte-americano Rockefeller “um grande cliente”.

“Cada peça é uma alma viva. Isto é um negócio de paciência, mas é um negócio com alma, e, como o meu pai dizia, todas as peças vão sempre parar às pessoas que as amam”, recorda.