No seu discurso após a eleição, o sucessor de Ferro Rodrigues no cargo de presidente da Assembleia da República, eleito com 156 votos num total de 230 deputados votantes, agradeceu a confiança que lhe foi depositada para o exercício do segundo lugar da hierarquia do Estado Português.

Perante os deputados, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros prometeu exercer as suas funções de forma “imparcial, contida e aglutinadora”.

“Será preservada a individualidade de cada deputado e de cada deputada, respeitada a independência e a agenda de todos os grupos parlamentares, defendido o papel e a imagem do parlamento e garantido a todos as melhores condições para o exercício pleno e produtivo dos respetivos mandatos, seja no plenário, nas comissões ou grupos de trabalho, ou, ainda, no indispensável contacto direito e permanente com os eleitores”, acentuou.

Depois, Augusto Santos Silva referiu-se aos outros órgãos de soberania, Presidência da República e Governo, dizendo que o parlamento “prosseguirá” com eles “uma relação de harmonia e respeito mútuo no escrupuloso respeito dos preceitos constitucionais”.

Nesta parte da sua intervenção, depois de um rasgado elogio ao seu antecessor no cargo, Eduardo Ferro Rodrigues, referiu-se significado político resultante do facto de ter sido eleito deputado por um dos círculos da emigração, o Fora da Europa.

“Muito mais relevante do ponto de vista político e simbólico é o facto de hoje ser o dia inaugural da ocupação desta cadeira se fazer por um deputado eleito por um círculo da emigração. Assim, a representação parlamentar dos 2,3 milhões de portadores de cartão de cidadão português residentes no estrangeiro e dos mais dos cinco milhões que se estimam de seus descendentes atinge toda a sua plenitude”, sustentou.

Na parte final da sua intervenção, Augusto Santos Silva referiu que, na legislatura que agoira se inicia, serão comemorados os 50 anos do 25 de Abril de 1974, mas também já este ano o bicentenário da primeira Constituição.

“Todos estes passos da História democrática serão devidamente assinalados no parlamento”, disse, referindo-se depois aos tempos difíceis atuais “da guerra da Rússia contra a Ucrânia”.

De acordo com o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, esta guerra, “se interpela as nossas consciências, também impõe a reafirmação do posicionamento geopolítico” de Portugal e a “elaboração de políticas públicas que acautelem a economia, o emprego e a coesão social”.

“Temos elevadas responsabilidades como membros das Nações Unidas, da União Europeia e da Aliança Atlântica. Saúdo em particular as Forças Armadas, agora chamadas a novas tarefas que, se necessário, desempenharão com a dedicação e proficiência com que têm pautado a sua atuação em missões de paz” no exterior, observou.

“O bom requisito para se ser patriota é não ser nacionalista”

Numa das principais passagens do seu discurso, Augusto Santos Silva sustentou a tese de que a língua portuguesa “é fator de construção de pátrias distintas e ao mesmo tempo o laço mais forte e perene de ligação entre essas pátrias”.

“O patriotismo só medra no combate ao nacionalismo. O patriota, porque ama a sua pátria, enaltece o amor dos outros pelas pátrias respetivas e percebe que só na pluralidade das pátrias floresce verdadeiramente a sua. O nacionalista, porém, odeia a pátria dos outros, quer fechar a sua ao contacto com as demais, discrimina quem é diferente e, em vez de hospitalidade, promete ostracismo”, contrapôs.

Após estabelecer as diferenças, o novo presidente do parlamento invocou a “incrível força” da língua portuguesa, “de tantas pátrias”, para se perceber de forma profunda que “o bom requisito para se ser patriota é não ser nacionalista”.

“Isto é, não ter medo de abrir fronteiras, de integrar migrantes, de acolher refugiados, de praticar o comércio e as trocas culturais”, completou, recebendo então uma prolongada salva de palmas.

A seguir, numa nova crítica aos extremismos e radicalismos, o novo presidente do parlamento recorreu à História para dizer que a língua portuguesa evoluiu “em encontros, em descobertas, em miscigenações”, porque é uma língua “que indaga, imagina e em que, portanto, soam postiças as frases que atiram pedras em vez de argumentos e que cegam em vez de iluminarem”.

“O sinal de pontuação que a democracia mais precisa é o ponto de interrogação. O sinal que mais dispensa é o ponto de exclamação, o qual a democracia deve usar com grande parcimónia. Deixemos as certezas aos néscios e cultivemos sem temor a nossa capacidade de questionar e inquirir, porque a interrogação sacode os preconceitos, abre caminhos, convida a ouvir as várias respostas, trava o passo ao dogmatismo e à intolerância”, declarou.

Neste contexto, deixou um recado: “Todas as ideias podem ser trazidas, mesmo aquelas que contestam a democracia, porque essa é a mais óbvia vantagem da democracia sobre a ditadura”.

“As ideias próprias não precisam de ser gritadas, porque a qualidade dos argumentos não se mede em decibéis. O único discurso sem lugar, aqui [no parlamento], é o discurso do ódio, o discurso de negar a dignidade humana seja a quem for, o discurso que insulta o outro só porque o outro é diferente, o discurso que incitar à violência e à perseguição”, disse, antes de rematar e de receber nova prolongada salva de palmas:

“A liberdade e a igualdade custaram demasiado para que a agora pudéssemos aceitar regredir para novos tempos de barbárie”, acrescentou.

Augusto Santos Silva defendeu que a Assembleia da República é “por excelência o espaço da representação da nação em toda a sua diversidade e pluralidade de ideias e opiniões, para além das funções matriciais de produção legislativa, de fiscalização e escrutínio do Governo e da administração”.

“É o verdadeiro centro do debate político”, concluiu, antes de alertar para a necessidade de cumprimento de duas regras que considerou elementares: O respeito por todos os mandatos que resultam da livre expressão do voto dos portugueses, quaisquer que sejam as suas propostas programáticas; e o respeito pela vontade popular, tal como ela se materializa na soma agregadas dos votos individuais e se exprime na dimensão dos grupos parlamentares.

Neste contexto, advertiu também que os direitos de cada deputado “não podem servir de pretexto para imporem a distorção ou desrespeito pelas maiorias que o povo soberanamente constituiu”.

“Estes tempos difíceis, complexos, são tempos propícios a toda a espécie de manipulações, de preconceitos e de messianismos, tempos em que pode prosperar o populismo com as simplificações abusivas, as exclusões sumárias, a negação do pluralismo e da diversidade, a estigmatização dos vulneráveis, a culpabilização das vítimas e a substituição do debate pelo insulto”, apontou.

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros considerou que a sociedade portuguesa “não está imune a esse vírus e transmitiu então um recado à maioria dos deputados: “A melhor maneira de combater esse vírus é não lhe conceder mais relevância do que aquela que o povo português lhe quis atribuir”.

“É opor à violência excludente a firme serenidade de quem sabe ter o apoio das pessoas e o conforto da razão”, sustentou.