As escolas fecharam portas a 16 de março para travar a propagação do novo coronavírus, mas "ninguém está de férias", avisou desde logo o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. Desde esse dia, as aulas à distância tornaram-se no novo normal e os professores têm recorrido a várias ferramentas, que vão desde o e-mail ao Google Classroom, passando ao WhatsApp. E há até quem aproveite as novas condições de trabalho para aperfeiçoar os seus dotes de YouTuber, como é o caso da professora de matemática Maria Lacerda.

Mas, neste novo normal, onde as aulas são dadas através de ecrãs, ou apenas se tem exercícios para fazer via e-mail ou moodle e, aparentemente, muito tempo livre para preencher, como é que se diz aos mais novos que não estão de férias, mas em isolamento, e que há rotinas a cumprir?

O desafio que se coloca a pais ou cuidadores é grande. De acordo com a Ordem dos Psicólogos — que disponibilizou diversos documentos sobre como lidar com situações de isolamento — a alteração de rotinas e as saudades dos amigos podem levar a que as crianças se sintam, “tristes, ansiosas” e “confusas”. Poderão fazer “mais birras e mostrar-se mais dependentes”, assim como ter mais dificuldade em adormecer.

Neste contexto, a Ordem dos Psicólogos aconselha os pais a explicarem “a importância do isolamento às crianças”, assegurando-lhes de que “são apenas alguns dias”, assim como recomenda a manutenção das “atividades diárias habituais, nomeadamente, a hora das refeições e de ir dormir” ou do “espaço para brincar”.

Pedro Frazão, psicólogo e terapeuta familiar da Associação Casa Estrela do Mar, assume que neste período "pode ser difícil para os pais" gerir as obrigações escolares dos filhos, mais a eventual ajuda que possam precisar, além das suas próprias obrigações profissionais, “num horário normal mas sem sair de casa".

Nesse sentido, defende a introdução de uma rotina que “passa muito por compartimentar entre aquilo que são os tempos livres e os tempos em que se fazem as tarefas”, afirma.

Todavia, salienta, esta calendarização do dia “não é necessariamente feita pelos pais”, dado que as crianças “têm atividades que são enviadas numa base diária” e os adolescentes podem mesmo ter “um programa” educacional para cumprir.

No entanto, há que deixar claro que todos têm os seus respetivos horários. “Os pais têm uns horários” e as crianças têm outros, havendo sempre “períodos para pausa”, como a hora do almoço, do lanche ou do jantar, onde se “para” e se faz algo que se goste.

“Para as famílias que têm bebés ou crianças de um, dois ou três anos, obviamente, que é muito mais difícil”, diz o psicólogo. Por norma, o que acontece é uma rotatividade de atribuição de tarefas entre os pais, que varia consoante “a altura do dia” ou da quantidade “de trabalho com que cada um está”.



Adapte o quarto ou a sala à rotina que está instalada. Depois do estudo, o quarto volta a ser o quarto

Uma das dificuldades é a de transmitir que a sala ou o quarto são, agora, divisões de estudo, como se de salas de aula se tratassem. Embora Pedro Frazão advirta que “não há nenhuma receita”, porque cada família tem as suas dinâmicas e formas de estar, o psicólogo e terapeuta familiar diz que o foco pode ser, “mais do que a forma”, “a organização do tempo e do espaço”. Ou seja, o espaço adapta-se, organiza-se, consoante a rotina instalada.

“Sendo que as casas são pequenas, acho que se podem criar rotinas de trabalho”, onde “desta a hora a esta hora, os miúdos estão nos seus quartos, onde têm uma secretária e um determinado conjunto de tarefas para fazer e os pais estão nos seus trabalhos”.

Depois do tempo de estudo ou de trabalho é importante “tentar ao máximo” que o espaço volte ao seu modo “lúdico, onde as pessoas ouvem música, veem televisão, jantam”. No fundo, “a ideia é: estamos neste espaço, já passou a parte de cumprir as tarefas, agora vamos fazer outras coisas”.

Relativamente à implementação de rotinas e tempos de estudo, é de relembrar que estes “têm de ser adaptados à idade das crianças”. “Uma criança de cinco, seis ou sete anos não tem a capacidade de manter a atenção durante um período tão alargado, como, por exemplo, um adolescente”, nota o psicólogo.

Não se preocupe em “ser professor” e não tenha medo de dizer que não sabe a resposta

O papel dos pais no contexto escolar é outra das questões que se coloca agora que os mais novos não podem frequentar a escola.

“Acho que os pais hoje em dia também têm muito nesta ideia de ‘tenho de ter formação para’ ou ‘aquilo que me pedem é para ser um professor’. Eu acho que não”, diz o psicólogo. Porém, “isso não quer dizer que os pais se demitam daquela que é a sua perspetiva de educador (...), nomeadamente no sentido de incentivar a curiosidade sobre as coisas, sobre o mundo em que vivemos".

De acordo com Pedro Frazão, acompanhar os filhos nos estudos e na execução dos trabalhos de casa “não é tanto uma questão de habilitações” pois, “mesmo que os pais tenham alguma formação numa determinada área, há todo um conjunto de coisas que são muito específicas”.

Além disso, os programas escolares já não os mesmos que os pais aprenderam. “Há todo um conjunto de informação de que os pais já não se recordam”, explica. O cerne da questão está, assim, segundo o psicólogo, em “estimular da curiosidade”.

Quando um filho se dirige aos pais para falar sobre o que está a aprender ou para esclarecer uma dúvida, é importante que estes se mostrem interessados, porque, “mesmo que a pessoa muitas vezes não saiba as respostas, o facto de estar ali, de falar sobre as coisas, de tentar criar coisas novas e responder com alternativas faz com que os miúdos se sintam também acompanhados, e isso é que é a parte mais importante”.

Muitas vezes, “basta que os filhos mostrem aos pais aquilo que são as tarefas que lhes são propostas para estes se relembrarem todo um conjunto de coisas que já aprenderam” e “ajudarem a procurar informação”, acrescenta o psicólogo. E é esse apoio que faz dos pais educadores, segundo Pedro Frazão.

“Ser um educador não é acumular conhecimentos específicos sobre as coisas, mas é muito mais estar ao lado, estar atento, partilhar e ajudar a criar alternativas.”

Aproveite os tempos livres para sair da sua zona de conforto

Tentar puxar pela imaginação para preencher os tempos livres pode ser “difícil, sobretudo porque são muitos dias”, admite o psicólogo, mas também pode ser um desafio “interessante”, pois pode tirar as “pessoas das suas zonas de conforto” e convida-as a “tentar fazer uso daquilo que são as condições e aí as possibilidades são infinitas”, conta.

Seja “dançar”, “cantar”, “fazer ginástica”, “fazer um bolo” ou “ver um filme em conjunto”, todas estas atividades podem ajudar a “diminuir a situação de medo, de desconforto, de isolamento”.

No que diz respeito às dicas da Ordem dos Psicólogos para aproveitar os tempos livres, esta convida as famílias a praticarem “atividades para as quais não costumam ter tempo”, como: “jogos de tabuleiro, trabalhos manuais, desenhos, leitura”. Recomenda ainda aos pais que não recorram ”exclusivamente à televisão e a outras tecnologias”.

Esta quarta-feira, 18 de março, depois de ter convocado Concelho de Estado, ouvido o Governo e solicitada a permissão da Assembleia da República, o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, decretou Estado de Emergência em Portugal — “Uma decisão excecional, num tempo excecional”, disse aos portugueses.

O Estado de Emergência, imposto pela pandemia Covid-19, abrange todo o país e estará em vigor durante 15 dias, que podem ser prolongados. Estando em casa, os trabalhadores que tenham crianças até 12 anos terão faltas justificadas. O Governo decretou ainda que irá dar um apoio financeiro excecional nesta ocasião, onde os empregados por conta de outrem receberão ⅔ do salário, que no mínimo serão 635 euros e no máximo 1.905 euros. No que diz respeito aos trabalhadores independentes, o apoio financeiro é traduzido num terço da base de incidência contributiva mensualizada referente ao primeiro trimestre de 2020.

Para mais informações sobre quais as medidas socioeconómicas que foram implementadas durante este Estado de Emergência, o SAPO24 fez um guia, que pode ser consultado, aqui.