“Estou à espera da fatura da eletricidade deste mês. Essa é a preocupação, os preços a aumentar. Vamos ver como vamos lidar com isso. Mas esta é que é a grande questão, como que é que se vão pagar as contas”, diz Mariam Ahmed, 37 anos, professora, depois de ter respondido com muitos “não sei” a questões da Lusa sobre a morte, na quinta-feira, da Rainha Isabel II de Inglaterra e as expectativas em relação ao novo Rei, Carlos III, proclamado no sábado.
Mariam falava perto da estação de metro de Mile End, numa rua de Tower Hamlets, o bairro do leste de Londres que tem o maior índice de pobreza, 39%, segundo um ‘ranking’ da Organização Não-Governamental (ONG) Trust For London.
É um indicador que Mariam vê materializado na escola onde trabalha, com “crianças que precisam de ter acesso ao banco alimentar”, mesmo sendo “filhos de pais com trabalho”: “É uma coisa que não imaginamos em Londres, dois pais que trabalham e não têm dinheiro suficiente para alimentar os filhos”.
Mariam, neta de imigrantes do Bangladesh, diz não ter sentido a morte de Isabel II “como uma perda nacional”, embora lhe tenha causado um sentimento de empatia com os familiares, porque se lembrou de quando perdeu os avós.
“Eu só desejo que descanse em paz, honestamente”, diz, por seu turno, Funmi, de 58 anos, nigeriana a viver há mais de 30 em Londres, depois de encolher os ombros e pensar um pouco sobre a morte de Isabel II.
“Tenho muitas coisas em que pensar, tenho quatro filhos e todos ainda vivem comigo. O mais velho tem 31 anos e a mais nova tem 23. Todos trabalham, mas não conseguem arrendar uma casa, nem comprar. As rendas estão muito altas, o custo de vida disparou como um foguetão, há contas para pagar, eu trabalho muito…”, continua, perto da casa onde mora, ns imediações da estação de metro de West Ham, já no bairro de Newham, vizinho de Tower Hamlets.
Newham é o bairro, no ‘ranking’ da ONG Trust For London, que foi elaborado antes da pandemia, com o segundo maior índice de pobreza, 37%, e numa semana em que o Reino Unido mudou de chefe de Estado e de líder do Governo, Funmi tem poucas esperanças de que as condições de vida mudem.
“A minha esperança é só esperar para ver o que vai acontecer, com os custos da habitação, com tudo. Eu até acredito que [os políticos] querem mesmo fazer alguma coisa, mas quando chegam lá , percebem como é difícil e a dimensão [dos problemas] e não conseguem fazer nada. Portanto, tudo o que faço é só ter esperança e continuar em frente porque não há forma de isto melhorar. Aquilo que temos de fazer é adaptar-nos, pouco a pouco. Como fizemos com a covid”, defende Funmi, para quem “têm sido demasiadas coisas”, “com o ‘brexit’, com a covid, os preços, a guerra na Ucrânia”.
Se as esperanças são poucas em relação aos políticos e à nova primeira-ministra, Liz Truss, em relação ao novo Rei são nenhumas, apesar de o até agora príncipe Carlos ser patrono ou presidente de mais de 400 organizações sociais e ter criado em 1976 o Prince’s Trust, que já ajudou quase 900 mil jovens desfavorecidos das zonas mais pobres do Reino Unido, ao mesmo tempo que, através dela, ganhou uma consciência de uma série de problemas sociais, segundo um perfil do novo monarca publicado na sexta-feira pela BBC.
“Não acho que isso seja aberto a toda a gente”, diz Funmi sobre estas instituições, dando como exemplo os próprios filhos, três deles, licenciados, que sentem que vivem num país que “não lhes dá oportunidades”.
No caso de um deles, está à procura de trabalho nos Estados Unidos, onde acredita que pode pelo menos ambicionar chegar “ao topo” e não ficar com as ambições limitadas por causa da “pressão da cor”, diz Funmi, apontando para a sua pele escura.
Funmi, que diz trabalhar em contabilidade, fala numa rua onde algum lixo se espalha pelos passeios, onde ‘graffitis’ com pouca arte tomaram conta de paredes e onde ervas daninhas não são arrancadas há muito.
O cenário tem pouco em comum com os bem tratados jardins do centro de Londres e as imediações de Buckingham, a residência oficial dos monarcas britânicos por onde milhares de pessoas vindas de todo o país e do mundo se concentram em permanência desde quinta-feira, quando Isabel II morreu, para deixar flores e homenagear a monarca que reinou durante 70 anos e viu neste período a desintegração do império britânico, de que fazia parte o país de Funmi, a Nigéria, até 1963, quando se tornou independente.
“Os ingleses estão muito tristes, os imigrantes não estão nada. Não me surpreende o luto dos britânicos, porque é algo muito enraizado na nossa cultura. Mas a Rainha teve um impacto direto nos países dos imigrantes e os pais tiveram de sair”, considera uma inglesa de 28 anos que não quer dizer o nome e que fala à Lusa enquanto espera o autocarro para ir para Hackney, bairro também no leste de Londres, vizinho de Newham.
Hackney tem o terceiro maior índice de pobreza (36%) dos bairros de Londres, segundo os mesmos dados, e esta inglesa acredita que estas taxas vão mudar com as novas caras do Governo britânico, mas para pior.
“Não acho que tudo vá ficar na mesma, penso que Truss vai levar a classe trabalhadora para uma pobreza ainda mais profunda do que aquela em que já está”, afirma.
Sobre a monarquia, diz sentir-se “muito indiferente” em relação à morte de Isabel II, “nem feliz, nem triste”, e não ter qualquer expectativa em relação a Carlos III.
“Vivendo no meio das pessoas reais, vemos que sofrem, o aumento dos custos de vida, e como isso afeta o país. Podem fazer trabalho social, mas não vemos o impacto disso. E não é só necessariamente os imigrantes, são também os britânicos, a classe trabalhadora”, sublinha, antes de concluir que “foi uma semana de mudanças, mas não das mudanças necessárias”.
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