Há quem associe a cidade de Viseu às rotundas, há quem se lembre dela pela gastronomia, mas há um marco impossível de dissociar da cidade, e da região centro, a Feira de São Mateus. Todos os anos centenas de milhares de pessoas peregrinam à cidade de Viriato para visitar a mais antiga feira da Península Ibérica que está de boa saúde e recomenda-se.
Como se chegou à Feira dos concertos esgotados?
Este ano a feira celebra 631 anos e durará 43 dias, o último dia coincide com o dia do padroeiro da cidade que dá nome ao certame e, no site oficial pode ler-se, que a "Guardiã das Feiras Populares celebra os 900 anos da doação do Foral à cidade de Viseu." O foral em questão, carta de feira então, foi dado pelo rei D. João I em 10 de janeiro de 1392, na altura a feira e o São Mateus ainda não tinha cruzado caminhos. Era dedicada a Santa Cruz e acontecia em maio. Foi ainda na dinastia do Mestre de Avis que a feira passa para a zona da Cava de Viriato, onde acontece até hoje, e passa a celebrar o dia de S. Jorge (23 de abril).
O caminho da Feira de São de Mateus nem sempre foi de sucesso e deve ao Infante D. Henrique a sua reabilitação, o 1º Duque de Viseu foi o responsável por a feira anual passar a durar 15 dias, com início no dia de Santa Íria - de 20 de outubro a 4 de novembro. D. Henrique decide entregar, em 1460, os rendimentos da feira ao Cabido da Sé de Viseu, e dez anos depois são esses que voltam a alterar a data da feira. É que já na altura Viseu era uma zona vínica e em outubro os locais estavam ocupados com a vindima, assim passaria a ser a 1 de novembro.
Apenas no século XVI, talvez por 1510, a feira de Medina del Campo passa a acontecer 15 dias antes e 15 dias depois do dia de São Mateus (21 de setembro), mas nessa altura passa para o Rossio. Isto depois de ter estado fechada durante quatro anos, foi em 1501 que D. Manuel I a transfere para o Rossio por queixas do cabido no que concerne à insalubridade e "desonestidades" praticadas na Cava de Viriato.
Só em 1797 a feira deixa de ser organizada pela Igreja e passa para as mãos do Senado Municipal , até aos dias de hoje, graças a uma carta régia de D. Maria I. Durante anos foi considerada a mais importante feira do reino, e a única de periodicidade anual. Contudo, na viragem do século XIX para o XX passou por um período complicado, decadente e sem utilidade atendendo à mudança na forma de comércio a feira sem brilho era apenas um sítio de encontro para a comunidade local.
Quem for com viseenses à feira descobrirá rapidamente que há rituais para a viver e aproveitar muito semelhantes entre as famílias e os grupos, mas há um tema que divide e será uma eterna pergunta sem resposta, afinal quais são as melhores farturas da feira? Os gostos dividem-se e a devoção às diferentes casas de farturas é quase como um dogma que jamais será discutido, como o nome indica. A única coisa em que todos concordam é que farturas serão sempre com açúcar em pó e não granulado, como acontece noutras zonas do país. Não se sabe se já era assim em 1914, data em que aparece a primeira barraca de farturas no recinto, é também nessa década, ainda na sua fase decadente, que ficam conhecidos os espetáculos circenses, do cinematógrafo e que é construído o coreto.
Se Viseu é a cidade da feira, é também a cidade jardim, e se o é estas duas coisas - e tantas outras - deve-o ao capitão Almeida Moreira, uma figura incontornável da história da cidade, que em 1927 é o responsável pelo projeto de modernização da feira levando-lhe o conceito de exposição. Almeida Moreira, mecenas das artes, publicitário, autarca, esteta, foi em Viseu responsável por marcos como o painel de azulejos do Rossio, a reabilitação da mata do Fontelo e pela criação do museu Grão Vasco, entre tantas outras coisas. O capitão tinha, já na altura, uma noção de comunicação e publicidade, foi o responsável em 1928 pelo primeiro cartaz da feira - assim como a criação de slogans que tornaram Viseu um destino turístico como "a cidade jardim"- e da primeira revista da feira, em 1930. Desenhou um plano de marketing, embora na altura não fosse assim chamado, que culminou com a criação do Dia de Viriato, um dia com entradas pagas, e cuja receita reverteria para a criação de um monumento a Viriato. Começa também um trabalho de requalificação do recinto da feira, e é durante a sua regência que a iluminação passa a ser a característica do evento. Ainda hoje lembrado por quem na altura chegava à cidade, de sítios pouco iluminados e meios mais rurais, e se encantava com a panóplia de luzes. É ainda sob sua égide que o feriado municipal passa a ser a 21 de setembro, dia de São Mateus.
Mas só depois da revolução dos cravos a feira teria o seu pendor desportivo e cultural, com os espetáculos musicais a fazerem do evento além da vertente gastronómica, comercial e de entretenimento, também um festival de música.
É possível fazer-se esta viagem pela história da Feira de São Mateus no Museu de História da Cidade de Viseu.
O recinto reabilitado nos anos 20 por Almeida Moreira e Souto Moura nos anos 2000
Se o recinto da feira foi sendo alvo de críticas e obrigou a mudanças, desde a sua criação, foi na altura do capitão Almeida Moreira que ganhou mais importância. Na cava de Viriato a feira abraça o rio Pavia, um curso de água que fica muitas vezes esquecido e ignorado na cidade.
Em 2000 tenta-se mudar esta realidade, e com o Programa Polis, o arquiteto Souto Moura recupera aquela zona da cidade dividindo-a em três, o Monumento da Cava de Viriato - conseguido com as entradas do Dia de Viriato -, o Parque da Feira e o Parque dos Açudes. O projeto permitiu unificar estes três espaços, unindo-os ao longo das margens do Pavia.
Mais recentemente, a importância da Feira e, a certeza de que aquele é o seu lugar, levou à criação de alguns equipamentos que se mantêm naquela zona todo o ano, mas que são utilizado em todo o seu esplendor durante a Feira.
2023: carrosséis, concertos, farturas, meia maratona e sustentabilidade
A feira, ainda que mais moderna, continua a ser o que sempre foi. O lugar onde as férias de verão se prolongam e tornam mais fácil o regresso ao trabalho e o fim do ano letivo. O sítio onde se procuram coisas específicas que se vendem na mesma barraca todos os anos, sejam panelas ou artesanato. O lugar dos carrosséis para as crianças, e para os mais velhos. Mas também os restaurantes, as barracas das farturas e do pão com chouriço e, mais recentemente, dos concertos esgotados. Mas também, numa das novidades dos últimos anos, o ponto de encontro e de partida da meia-maratona de S. Mateus.
Este ano, ao palco da feira, sobem e já subiram nomes como Giulia Be, Pedro Sampaio, Xutos e Pontapés, Fernando Daniel, Os Quatro e Meia, Noble, Mariza, Calema, Slow J, Richie Campbell, Pedro Abrunhosa e Comité Caviar, pode ler-se no comunicado enviado aquando da abertura da feira.
E ainda “Carolina Deslandes, Marisa Liz, Toy, Bárbara Tinoco, Paulo Gonzo e os Hybrid Theory como Tributo aos Linkin Park” e, a pensar nos mais novos, a Feira de São Mateus tem dois mínis espetáculos: Masha e o Urso e A Ovelha Choné.
No Desporto, o certame contará com “mais de 45 atividades", além da 40.ª Meia Maratona de Viseu, "o 25º Torneio Internacional de Andebol, a Maratona de Cycling, o 2.º torneio de Gaming e a 2.ª edição do torneio de Padel”.
“O programa inclui, ainda, momentos de humor, com o “Viseu a Rir”, que leva ao palco Fernando Rocha e Gilmário Vemba”, sublinha o documento enviado pela Viseu Marca, entidade organizadora do certame.
Se os antigos furos da Regina regressaram com o mesmo sucesso de antigamente, a míriade de jogos que se vão espalhando pela feira nunca foi a lado nenhum e são onde, com mais ou menos sorte, se pode ganhar peluches e outros prémios. Como diz o slogan "feirar está-nos no sangue".
Este ano a Feira surge com o reconhecimento de ter sido considerada um evento sustentável, a primeira feira do país a receber este certificado. Pode ler-se no site "que se aplica nas vertentes social, económica e ambiental. Ao atribuir esta certificação, a Biosphere considera que a mais antiga feira da Península Ibérica demonstrou, com sucesso, o cumprimento de ações alinhadas com os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda das Nações Unidas para 2030, envolvendo funcionários num projeto comum e sendo positivamente valorizado pelos seus clientes”."
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