"Proíbem as crianças de ir à escola oficial, de ir aos hospitais", incitam os residentes "a não ter nenhuma documentação" e a desafiar a autoridade policial, aponta Nassurulahe Dulá, líder do Congresso Islâmico em Pemba, capital da província.

A presença de supostos doutrinadores tem motivado alertas daquela organização às autoridades desde há pelo menos três anos. Propagam uma visão deturpada da religião, refere Dulá, que atribui a estes grupos radicalizados o ataque armado da última semana a postos de polícia em Mocímboa da Praia.

Dois polícias, 14 atacantes e um civil morreram na vila costeira e imediações durante os tiroteios ocorridos entre quinta-feira e sábado que levaram ao encerramento de todas as atividades e à retirada por helicóptero de cerca de duas dezenas de profissionais ligados aos projetos de exploração de gás natural, em preparação na região, disse à Lusa fonte ligada à operação.

"Já fizemos muitas vezes um trabalho de combate a estes grupos", alertando "as pessoas para que não se juntem a eles", mas o aliciamento resulta, sobretudo em zonas de fraca escolaridade e baixo rendimento. O recrutamento tem decorrido de forma discreta, refere.

Macomia, Mucojo, Pemba e Palma são outros locais apontados de onde a organização islâmica já recebeu alertas acerca de desconhecidos a insistir numa doutrina radical.

Aquele responsável recorda, de memória, um episódio ocorrido em Pemba, em 2016, em que alguns dos supostos doutrinadores foram repatriados pelas autoridades moçambicanas por estarem em situação ilegal no país, retornando à Tanzânia, a algumas dezenas de quilómetros - mas podendo ter tido origem noutras paragens.

Noutro caso, foi intercetado na região um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos, mas cujo destino, passando por Nampula, capital provincial a sul, eram escolas corânicas com o fim de radicalização, refere.

Pontualmente, os registos de ocorrências policiais na região incluem detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado, num rol de atritos que, segundo Nassurulahe Dulá, culminou nos ataques da última semana aos postos de polícia. Tal como as autoridades, Nassurulahe Dulá acredita que o ataque só foi possível com apoio de "mão externa", a avaliar pela organização da força e pelas armas usadas (metralhadoras AK47).

"A maioria das pessoas [do grupo] são moçambicanas. Não sei quem os ajuda no exterior", uma investigação que "cabe ao governo", sublinha, sendo certo que Cabo Delgado é a província mais a norte de Moçambique (a par do Niassa), com fronteiras porosas para o Índico e Tanzânia, país em redor do qual gravita boa parte das trocas comercias conhecidas e das suspeitas de contrabando.

A ligação ao país vizinho é visível no quotidiano, enquanto Maputo, capital moçambicana, está a uns dois mil quilómetros de distância.

As ações que visam moldar os residentes fogem dos olhares públicos, sem um líder que se evidencie e sem reivindicações, relata o líder do Congresso Islâmico. "Quando tentamos confrontá-los com o alcorão, eles fogem", trabalham "às escondidas, têm medo de enfrentar as pessoas" e a influência revela-se de outras formas: "Sabemos que fazem três orações por dia" em vez das cinco tradicionais, exemplifica.

"Não aceitam a lei do governo", só aceitam ditas leis islâmicas, que as instituições religiosas dizem desconhecer e cuja natureza "contradiz o que está no alcorão".

Nassurulahe Dulá dá voz a um receio da comunidade islâmica no norte de Moçabique, cuja imagem diz estar a ser afetada pela ação dos novos recrutas insurgentes, temendo que "a situação se possa radicalizar" numa altura em que a Frelimo, partido no poder, e Renamo, maior força da oposição, se aproximam de um novo acordo de paz no país. À beira de um momento histórico, dispensam-se perturbações, defende.

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