Aquilo que devia ser motivo de natural alegria – o fim de uma lixeira a céu aberto – gera angústia: “A retirada da lixeira, sem que se pense nestas pessoas [catadores], pode gerar caos”, alerta à Lusa Justino Cuna, um catador de 36 anos que está a tentar criar uma associação para defender os direitos dos catadores de lixo na cidade de Maputo.

A maior parte dos catadores que vasculham os cerca de 25 hectares da maior lixeira de Moçambique são mulheres que vivem no limiar da pobreza, oriundas de diferentes províncias, embora a maioria seja do bairro de Hulene, na periferia da capital moçambicana, Maputo.

Embora os dados oficiais indiquem que há pelo menos 500 catadores na lixeira de Hulene, Justino Cuna, que trabalha lá há mais de 10 anos, afirma que o número ascende ao dobro.

Pendurados na parte traseira de um camião de recolha de lixo ou esquivando-se da pá frontal de uma retroescavadora que arrasta resíduos de um lado para o outro, neste trabalho, entre as enormes montanhas de lixo, tem sucesso quem chega primeiro.

Por dia, estima-se que mais de 1.200 toneladas de resíduos sólidos sejam depositadas na lixeira de Hulene, localizada ao longo de uma das principais artérias de Maputo, a avenida Julius Nyerere, independentista tanzaniano.

Nem os gases provocados por pequenas queimadas e o forte cheiro que invade os bairros instalados nos arredores são capazes de travar os catadores, que diariamente, logo nas primeiras horas, escalam montanhas do lixo proveniente de todos os cantos da cidade de Maputo à procura de resíduos para reutilização.

“Nós dependemos deste lugar”, frisa Justino Cuna, no meio de um grupo de jovens catadores que espera a chegada do próximo camião de lixo a poucos metros da entrada principal.

Mas o pesadelo da madrugada de 19 de fevereiro de 2018 deu início a uma ameaça para o negócio de Justino Cuna e tantos outros catadores de Hulene.

Um total de 16 pessoas que viviam nos arredores perderam a vida quando a chuva fez desabar sobre o bairro de lata uma parte da lixeira com altura de um edifício de três andares.

A tragédia conduziria ao atual plano de encerramento da lixeira, já antes adiado.

Além do risco de haver um novo incidente, as autoridades justificam o encerramento da lixeira com a necessidade de travar o impacto ambiental.

A pobreza faz com que haja moradores que “ainda estão muito próximos da lixeira e, tendo em conta que está a céu aberto”, estão mais sujeitos à poluição.

“O ar que é libertado desta lixeira tem partículas nocivas para saúde”, admite à Lusa Adolfo Guambe, gestor da lixeira de Hulene.

Embora temam pelo seu sustento, Cuna e o seu grupo concordam com o plano de encerramento.

Mas alertam: é preciso ajudar quem depende do lixo para sobreviver, apontando, entre vários aspetos, a necessidade de formação dos vários jovens que deambulam diariamente pelo local.

“A retirada da lixeira sem que se olhe para esta situação pode fazer aumentar o nível de prostituição”, exemplifica Cuna, “tendo em conta que boa parte destes catadores são mulheres”.

Há também um risco de aumento da criminalidade, acrescenta.

Para quem vive ao lado da lixeira, os apelos dos catadores são compreensíveis, mas os impactos ambientais a longo prazo são mais assustadores, tendo em conta que a lixeira foi criada no tempo colonial.

“Quando há fumo ou mau cheiro, isso afeta todas estas zonas. Isto está a trazer doenças para a nossa comunidade”, conta à Lusa Armando Jeremias, o chefe do quarteirão 69 do bairro de Hulene.

Desde o incidente de 2018, as autoridades municipais têm estado a receber diversos apoios para gestão de resíduos, com destaque para iniciativas apoiadas pelo Japão, mas o encerramento, orçado em cerca de 110 milhões de dólares, segundo dados daquele ano, não tem ainda data prevista.

Enquanto se aguarda pelo seu encerramento, Justino Cuna e a sua associação vão continuar a procurar sustento vasculhando os 25 hectares que recebem resíduos de toda a capital de Moçambique.