"Esta é minha única bandeira", gritou um jovem com um capacete branco e o rosto coberto, agitando a bandeira tricolor boliviana (vermelha, amarelo e verde), enquanto um grupo tentava erguer a "whipala", bandeira xadrez que simboliza as culturas indígenas.

"Este sonso, que não sabe pensar, foi embora pela janela; que bom, estamos felizes", disse à AFP a comerciante Reggina Sojas, de 61 anos, em El Prado, a principal avenida de La Paz.

A polícia tirou a "whipala" dos principais edifícios públicos, entre eles, o Palácio Legislativo, o Tribunal Eleitoral e o Comando Geral da Polícia.

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Pouco antes, o líder cívico direitista que comandou a rebelião popular, Luis Fernando Camacho, cumpriu sua promessa de entrar no Palácio Quemado com uma carta de renúncia de Morales numa mão e uma Bíblia na outra.

"É totalmente glorioso para nós, estamos muito felizes, e viva a democracia", declarou à AFP o bancário Ricardo Revilla, de 37 anos.

Perto dali, numa esquina da praça Murillo, polícias de uma unidade amotinada contra Morales comemoraram junto aos estudantes que dias antes eles reprimiam.

Polícias rezam de joelhos

Do outro lado do país, em Santa Cruz, 900 quilómetros a leste de La Paz, uma mulher agitava a bandeira tricolor enquanto agradecia a "Deus por ter nos livrado do 'ditador'", que é como os os adversários apelidam Morales.

"Estamos contentes pela volta da democracia depois de tanta tirania", celebrou um jovem.

Polícias da região rezaram de joelhos em frente à porta da Catedral.

Gritos de "Viva Bolívia" substituíram os de "quem se cansa? Ninguém se cansa. Quem desiste? Ninguém desiste", que foram ouvidos nas barricadas durante os dias de cerco de Morales nas ruas próximas à casa do governo.

Em Sucre um grupo de pessoas se reuniu na praça de Armas, onde a república foi fundada em 1825, cantando o hino nacional. "Morrer antes de viver como escravos", diz um verso.

A police officer holds a crucifix among comrades and people taking to the streets of Santa Cruz to celebrate the resignation of Bolivian President Evo Morales on November 10, 2019. - Morales announced his resignation on Sunday, caving in following three weeks of sometimes-violent protests over his disputed re-election after the army and police withdrew their backing. (Photo by DANIEL WALKER / AFP) créditos: AFP or licensors

"Golpe consumado", diz vice-presidente 

A sorte de Morales foi lançada depois de as Forças Armadas e a Polícia pedirem a sua renúncia neste domingo, na sequência de um motim policial iniciado na sexta-feira.

"O golpe (de Estado) está consumado", disse o vice-presidente, Álvaro García, que acompanhou Morales na sua mensagem à nação, em que anunciou a renúncia.

As manifestações contra Morales continuavam neste domingo pelas ruas do país, apesar de o presidente ter convocado novas eleições após o resultado da OEA que revelou "irregularidades" nas eleições de 20 de outubro.

"Não sairemos das ruas até que o ditador, o assassino saia do Palácio", disse a ex-candidata presidencial Ruth Nina, que preside uma associação de esposas de polícias, nas portas de um quartel de La Paz, onde havia amotinados.

Os militares e os polícias viraram as costas a Morales depois de saberem que multidões de opositores enfurecidos começaram a incendiar as casas de vários dos seus colaboradores para pressioná-los a renunciar aos cargos.

Os protestos aconteceram depois das eleições presidenciais de 20 de outubro, nas quais Morales obteve seu quarto mandato depois de uma polémica contagem de votos. A oposição considerou a votação fraudulenta.

O relatório técnico da Organização dos Estados Americanos encontrou numerosas "irregularidades", colocando em dúvida a "integridade" da votação.

Antes da renúncia, um relatório da Procuradoria Pública informou que desde o início dos conflitos houve três mortos e 383 feridos em todo país.

Morales devia deixar o poder em 22 de janeiro de 2020, quando terminaria o atual mandato de cinco anos.

Na cidade de El Alto, próxima a La Paz e onde Morales contava com muitos apoiantes, houve tumultos, com ataques a quartéis, que foram repelidos com gases lacrimogéneos. Cinco pessoas foram detidas, segundo canais de televisão locais.