Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, no concelho da Batalha, explica que o monumento português dificilmente terá um destino semelhante ao que destruiu a catedral de Notre-Dame, em Paris. “Muito dificilmente isto aconteceria no Mosteiro da Batalha, porque o Mosteiro da Batalha não tem estruturas em madeira, a não ser os telhados da sala do capítulo. Tudo o resto são vigamentos em pedra, portanto um incêndio com esta dimensão dificilmente teria lastro para se potenciar”, afirma o responsável pelo monumento português.

Para além disso, sublinha, “a Direção Geral do Património Cultural (DGPC) tem estabelecido um plano de segurança e emergência, que já foi testado no Mosteiro, e prevê a atuação imediata de equipas de primeira intervenção”. As zonas mais sensíveis, como “os serviços administrativos e auditório, onde existe material mais suscetível de rápida combustão”, estão equipadas com sensores de incêndio, estando ainda todo o edifício com extintores “que são regularmente verificados ou substituídos, ou seja, dentro desse princípio da máxima segurança”, assegura.

"Um incêndio no Mosteiro da Batalha não será suscetível de provocar estragos muito significativos.”

“Finalmente, nesta questão, o quartel dos bombeiros está a 200 metros. No minuto a seguir a um qualquer foco de incêndio seriam contactados pela equipa de primeira intervenção e, rapidamente, estariam aqui a combater esse foco de incêndio”, diz Joaquim Ruivo.

“Portanto, a meu ver, um incêndio no Mosteiro da Batalha não será suscetível de provocar estragos muito significativos”, explica ao SAPO24.

O Mosteiro da Batalha é o exemplar português mais próximo da catedral de Notre-Dame, "mas não na estrutura", explica o diretor do monumento nacional. "Enquanto aqueles telhados em Notre-Dame são todos em madeira, os nossos são todos com vigamento em pedra — e estão muito bem estruturados desde a origem; as telhas são todas em calcário, pedra.”

“Para dar um exemplo, aquela torre que nós vimos desoladamente cair, seria impossível de acontecer aqui na Batalha. A torre não tem um único vigamento em madeira — e não há madeira a rodear aquela torre nos próprios telhados e terraços de acesso”.

“Só mesmo os telhados da Sala do Capítulo, que é um espaço facilmente isolado do restante edifício. Até porque não tem material de combustão: temos terraços e telhados em pedra”. Por essa razão, afirma,  —“aí há uma maior atenção sobre a sua conservação e segurança”.

Mais há mais fatores que ajudam na segurança da Batalha — e dificultaram a vida em Paris: “é uma catedral que está no centro de uma malha urbana densa, onde é sempre muito complicada a gestão da fluidez da mobilidade dos bombeiros dentro daquela malha urbana”.

“No caso do Mosteiro da Batalha, que nasceu num campo ermo, sem ninguém, ainda hoje a mobilidade e o acesso são muito fáceis porque, além de a vila ser pequena, tem largos que envolvem todo o Mosteiro — por isso mesmo essa questão da chegada dos bombeiros em minutos sem constrangimentos seria um fator que evitava o deflagrar de um incêndio de maiores dimensões”.

E se o pior acontecer?

O Mosteiro da Batalha é um dos mais importantes exemplares do gótico europeu. Resiste em Leiria desde o século XIV, altura em que o rei D. João I o mandou erguer, celebrando a refundação da independência portuguesa. Porém, se o impensável acontecer, como devem ser tratadas as ruínas?

Questionado sobre que filosofia deveria ser adotada numa eventual reconstrução do monumento, Joaquim Ruivo defende que a reabilitação deve “ser fiel” à imagem atual do edifício. “É certo que o moderno pensamento sobre reabilitação entende que a marca do restauro deve ser de algum modo percetível. Isto faz parte igualmente de uma convicção de que todo o património acaba por ser contaminado pela contemporaneidade — portanto, tentar ocultar uma marca da época, de um acontecimento de época, é também um processo de falsificação que é de evitar”.

“Mas no caso do Mosteiro [da Batalha], que está todo fotografado e cujo levantamento está feito, seria facilmente reabilitado — numa dimensão muito diferente da catedral de Notre-Dame, porque o Mosteiro seria um projeto que muito mais facilmente seria reabilitado à imagem daquilo que era”, explica.

Porém, Joaquim Ruivo admite que todas as intervenções deixam marca: “é evidente que tudo o que é uma reabilitação tem a marca da contemporaneidade. Porém, acho que [o Mosteiro] se devia manter tal e qual como teria sido antes do suposto incêndio. Sou claramente a favor dessa perspetiva de manter a imagem que estava no presente”.

E essa imagem atual, de 2019, não é necessariamente a imaginada no século XIV, quando começou a ser construído, nem XVI, quando se deu por terminado. “O Mosteiro tem marcas do século XIX, houve uma grande campanha de restauro. Há aqui obras de conservação e restauro do século XIX que marcaram essa época e ainda hoje marcam — e o Mosteiro contempla todas essas épocas”.

Mais recentemente, “em 1930 todos os retábulos e altares da capela-mor e das capelas laterais foram retirados e colocados noutras igrejas por esse país fora — numa ideia de purificar o espaço e depurá-lo daquilo que não era puramente gótico. Ou seja, até o século XX tem a sua marca ao retirar esse tipo de mobiliário litúrgico associado às capelas.” “De algum modo não deixa de ser constante essa marca da época no monumento”, explica.

“Mas, repito, ele era possível de ser recuperado integralmente como hoje o temos — apesar das perdas inevitáveis”.

Joaquim Raposo acredita que será também possível reconstruir a Catedral de Notre-Dame, afirmando que "é um processo que vai ter de ser feito". Porém, sublinha, "basta ver o exemplo das catedrais alemãs: muitas delas ficaram em ruínas durante a Segunda Guerra Mundial e hoje quem as vê pensa que têm 500 anos".

"Não há dinheiro que pague aquilo que se perdeu"

Ou seja, “é possível esse processo de recuperação, pelo menos no aspeto mais superficial, parecer que se mantém da época”, mas há muito mais perdas para além da estrutura: “O que é que se perdeu em vitrais, em Notre-Dame? Em obras de arte? Em mobiliário? Em estatuária? — ainda não sabemos. Isso será impossível de recuperar”, lamenta.

“Nunca há compensação possível, é essa a nossa desolação quando vemos um incêndio destas dimensões, uma perda desta dimensão. Não há dinheiro que pague aquilo que se perdeu”, diz Joaquim Ruivo.

Então, o que pode ameaçar o Mosteiro da Batalha?

O Mosteiro da Batalha foi em 2018 o terceiro monumento sob a tutela da Direção-Geral do Património Cultural mais visitado em Portugal. 407.950 visitantes foram até à Batalha visitar o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, património mundial pela UNESCO, desde 1983, e Panteão Nacional desde 2016.

Hoje, a principal ameaça é a poluição. “Sabemos que é cada vez maior e vai de algum modo afetando a pedra; o edifício necessita de uma limpeza cíclica, de cem em cem anos; não o pudemos fazer, mas eventualmente poderá ser feito parcelarmente”.

“Fala-se muito nas trepidações por causa do IC2, mas os estudos mostram que elas não são tão significativas como poderíamos pensar”, afirma Joaquim Ruivo, referindo-se à estrada que passa diante do monumento.

Por isso, a principal “ameaça à preservação do património está na poluição, que degrada a pedra, que ainda por cima é um calcário lítico, é um pouco poroso. As fachadas mais expostas também ao rigor do vento e da chuva, mais expostas a poente e a norte, são as que naturalmente também são mais afetadas”, explica o responsável pelo monumento.

“Essa degradação combate-se com intervenções de conservação cíclicas. Está previsto, ainda no âmbito do apoio do quadro 2020, a limpeza e a conservação do claustro real — porque há determinadas fachadas expostas, sobretudo a norte a nordeste, que estão com alguma infiltração de líquenes, para além da poluição, que se vai 'agarrando' às pedras. Existe uma intervenção para que daqui a 100 ou 150 anos não possamos lamentar o facto de não termos feito nada agora.”

“Não podemos limpar o mosteiro todo neste momento, não há verba para isso, mas pelo menos podemos ir dando parcelarmente conta, fazendo intervenções que no futuro poderão ser muito importantes”, acrescenta.

“Quando penso em catástrofes naturais, penso sempre que a grande catástrofe que podia arruinar o monumento seria um tremor de terra, um terramoto ao nível de 1755, por exemplo — se bem que o mosteiro resistiu muito bem”, conta.

“Inundações não há suscetibilidade e um incêndios seria seguramente controlado. Só um terramoto".

E os outros monumentos em Portugal, estão protegidos?

O diretor do Mosteiro da Batalha não tem tanta confiança nos restantes monumentos em Portugal quanto tem no património que gere — embora sublinhe não conhecer em particular o estado dos outros monumentos nacionais.

"Tem de haver grande investimento, se não vamos lamentar mais tarde ou mais cedo."

“Como cidadão, comungo e partilho das ideias mais comuns: julgo que nem todos os edifícios patrimoniais por esse país fora possam ter níveis de segurança adequados ao seu valor e importância. Portanto, deixo sempre isso em aberto como algo que tem de ser constantemente aprofundado e onde tem de haver grande investimento, porque se não vamos lamentar mais tarde ou mais cedo também alguma catástrofe nalgum edifício — no caso do Mosteiro da Batalha, sou muito otimista e tenho razões que já deram evidência.”