McCain, conhecido pelo seu inconformismo e pela sua capacidade de superar divisões políticas, expressou, antes de sua morte, que não queria Trump presente no seu funeral. Este, porém, ainda que não nomeado, não foi esquecido nos discursos emocionados.

Centenas de políticos participaram com a família McCain, a sua viúva, Cindy, os seus sete filhos e a sua mãe, Roberta, 106 anos, da cerimónia, organizada na Catedral Nacional de Washington e transmitida ao vivo pelos grandes canais de televisão.

O ex-senador republicano e ex-prisioneiro de guerra no Vietname fez deles "melhores" presidentes, disseram Barack Obama e George W. Bush, emocionados, em discursos que continham críticas veladas a Trump.

"Melhores do que isso" numa América que sempre foi "great"

"A nossa vida pública pode parecer pequena, desagradável e mesquinha, insultante e auto-suficiente", lamentou Obama, acrescentando que "é uma política que afirma ser corajosa e firme, mas que se baseia no medo".

créditos: EPA/SHAWN THEW

"John era, acima de tudo, um homem fiel a um código", assegurou Bush. "Respeitava a dignidade de cada vida, uma dignidade que não para nas fronteiras e não pode ser apagada pelos ditadores". Ele "lutou contra políticas e práticas que considerava indignas do nosso país, John McCain insistia: 'somos melhores do que isso'", lembrou o ex-presidente republicano.

McCain foi um ferrenho opositor às práticas de interrogatório da CIA após o 11 de Setembro, durante o mandato de Bush.

Antes dos ex-chefes de Estado tomarem a palavra, a filha de John McCain, Meghan, apontou baterias ao atual presidente, num discurso muitas vezes interrompido por soluços.

"A América de John McCain não precisa que façam dela grande novamente [great again, uma referência ao slogan de campanha de Donald Trump], porque sempre foi grande", disse Meghan, aplaudida longamente.

Curiosamente, foi a usar um boné com este slogan que Trump deixou este sábado de manhã a Casa Branca para jogar golfe, o seu desporto favorito. Ao funeral, o presidente dos Estados Unidos enviou o seu assessor mais próximo, o general John Kelly, bem como o seu secretário de Defesa, Jim Mattis, e o seu assessor de segurança nacional, John Bolton.

A filha e conselheira presidencial, Ivanka Trump, também esteve presente, com o marido, Jared Kushner.

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Turbulento e indisciplinado

Falecido a 25 de agosto, aos 81 anos, depois de um ano a lutar contra um cancro no cérebro, McCain preparou meticulosamente esta semana de luto, primeiro em Phoenix, no seu estado do Arizona, depois no Capitólio, em Washington, e, finalmente, no Cemitério da Academia Naval de Anápolis (Maryland), onde o seu corpo será enterrado este domingo.

O ex-piloto de caça foi, na década de 1950, um aluno turbulento e indisciplinado da Academia, já sinalizando seu inconformismo e franqueza.

Aos olhos dos seus amigos, tanto republicanos quanto democratas, John McCain incorporava uma tradição política radicalmente oposta à de Donald Trump.

"Herói americano", filho e neto de almirantes, foi preso e torturado durante a Guerra do Vietname, antes de iniciar uma carreira de 35 anos no Congresso.

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"Apesar de todas as nossas diferenças e do tempo que passámos a lutar entre nós, nunca tentei esconder-me, e acho que John finalmente entendeu a profunda admiração que eu tinha por ele", disse Barack Obama.

John McCain foi o seu adversário na sua primeira eleição vitoriosa, em 2008. McCain também salvou a sua reforma do sistema de saúde, o Obamacare, uma dúzia de anos depois, no Senado, votando contra um projeto defendido por Donald Trump.

Em julho, McCain disparou as suas mais duras flechas contra o atual presidente, caracterizando o polémico encontro com Vladimir Putin em Helsínquia de "um dos piores momentos da história da presidência dos Estados Unidos".

E mesmo na despedida, o senador do Arizona fez questão de deixar uma palavra à sua América. "Se pelo menos nos lembrarmos de dar uns aos outros o benefício da presunção de que todos amamos o nosso país, seremos capazes de enfrentar estes tempos desafiantes. E sairemos mais fortes, sempre foi assim." Leia aqui a carta de despedida de John McCain na íntegra.

*Por Michael Mathes et Cyril Julien / AFP