A carta de despedida agora dada a conhecer foi lida esta segunda-feira, 27 de agosto, pelo porta-voz da família McCain, Rick Davis. "Estas são as palavras do John", disse, passando de imediato à leitura da carta deixada pelo senador do Arizona e ex-candidato presidencial — derrotado em 2008 por Barack Obama.

Sem mencionar Trump, de quem era muito crítico, John McCain deixou palavras de alento para todos aqueles que não se revêm na atual política norte-americana, apelando à força dos ideais de um país e de um povo que teve o prazer e orgulho de servir ao longo da sua vida.

"Ficamos mais fracos quando nos escondemos atrás dos muros em vez de os derrubarmos; quando duvidamos do poder dos nossos ideais, em vez de confiarmos que são, como sempre foram, a força motriz da mudança", pode ler-se.

Leia aqui a carta na íntegra (tradução livre): 

"Meus compatriotas americanos, a quem grato servi durante 60 anos, e em especial aos meus compatriotas do Arizona, obrigado pelo privilégio de vos servir, e pela vida gratificante que o serviço militar e a vida pública me permitiram levar.

Tentei servir o meu país de forma honrada. Cometi erros, mas espero que o meu amor pela América os tenha mitigado. Senti-me por diversas vezes a pessoa mais sortuda da terra. Sinto-me assim mesmo agora que me preparo para o fim da minha vida. Vivi experiências, tive aventuras e amizades suficientes para satisfazer 10 vidas, e estou tão grato. Como a maioria das pessoas, também tenho arrependimentos. Mas não trocaria um dia da minha vida, nos melhores e piores momentos, pelo melhor dia de outra pessoa.

Eu devo esta satisfação ao amor da minha família. Nenhum homem teve esposa tão amável ou filhos dos quais tivesse tanto orgulho como eu. E devo à América estar ligado às suas causas: a liberdade, uma justiça igual para todos, o respeito pela dignidade de todas pessoas, causas capazes de trazer felicidade mais sublime do que os prazeres fugazes da vida. A nossa identidade e noção de valor próprio não foram circunscritos, mas ampliados pela possibilidade de defender causas maiores que nós próprios.

Meus compatriotas, eu vivi e morrerei como um orgulhoso americano. Somos cidadãos da melhor república do mundo, uma nação de ideais, não de sangue ou terra, Fomos abençoados e somos uma bênção para a humanidade quando defendemos estes ideais em casa e no mundo. Ajudámos a libertar mais pessoas da tirania e da pobreza do que em qualquer outro momento da história, e adquirimos grande riqueza e poder à medida que progredimos.

Mas enfraquecemos a nossa grandeza quando confundimos o nosso patriotismo com rivalidades tribais, que semeiam ressentimento, ódio e violência nos quatro cantos do mundo. Ficamos mais fracos quando nos escondemos atrás dos muros em vez de os derrubarmos; quando duvidamos do poder dos nossos ideais, em vez de confiarmos que são, como sempre foram, a força motriz da mudança. 

Somos 325 milhões de indivíduos vocais e opinativos. Nós debatemos e competimos, e por vezes vilipendiamo-nos uns aos outros em discussões públicas rancorosas. Mas sempre tivemos mais em comum uns com os outros. Se ao menos nos lembrarmos de dar uns aos outros o benefício da presunção de que todos amamos o nosso país, seremos capazes de enfrentar estes tempos desafiantes. E sairemos mais fortes, sempre foi assim.

Há dez anos tive o privilégio de conceder a derrota nas presidenciais. Quero acabar esta carta de despedida com sincera fé nos americanos que eu senti tão poderosos nessa noite [de 2008]. Sinto que continuam poderosos. 

Não se desesperem face às nossas presentes dificuldades. Acreditamos sempre na promessa de grandeza da América porque nada aqui é inevitável. Os Americanos não desistem, nunca nos rendemos, nunca nos escondemos da História. Nós fazemos História. Até sempre, Deus vos abençoe, Deus abençoe a América."

Uma vida de serviço

O senador republicano norte-americano John McCain, que morreu no sábado, aos 81 anos, vítima de um cancro no cérebro, só teve um emprego durante a carreia: servir os Estados Unidos.

Tal como o pai e avô, almirantes de quatro estrelas, John McCain dedicou-se a servir o país: primeiro como piloto de caça e depois como político.

Em 1967 o seu avião foi abatido durante uma missão de bombardeamento no norte do Vietname. John McCain, gravemente ferido com fraturas nos dois braços e no joelho direito, é detido pelas forças vietnamitas e passa mais de cinco anos como prisioneiro de guerra, até 1973.

Ao regressar aos Estados Unidos foi recebido como herói na Casa Branca pelo então Presidente Richard Nixon.

Aposentado da marinha em 1981, McCain mudou-se para o estado do Arizona e foi aí que desenvolveu a maior parte da carreira política, tendo sido eleito para a Câmara dos Representantes em 1982 e para o Senado em 1986.

Como político, defendeu o reatamento das relações diplomáticas com o Vietname e opôs-se ferozmente à tortura, denunciando as práticas usadas pelos serviços secretos norte-americanos (CIA) em interrogatórios sob a Presidência de George W. Bush, depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA, que levaram à invasão do Iraque, em 2003.

Em 2000 tentou concorrer pela primeira vez à presidência norte-americana, mas perdeu nas primárias republicanas contra George W. Bush.

À segunda tentativa, em 2008, foi o candidato republicano escolhido, derrotando Mike Huckabee, Rudolph Giuliani e Mitt Romney nas primárias.

Mais tarde, perdeu a corrida à Casa Branca para o vencedor das primárias do Partido Democrata, Barack Obama, regressando ao cargo de senador pelo estado do Arizona. Desde dezembro de 2017 que McCain não comparecia às sessões do Senado devido aos problemas de saúde.

Poucos dias depois de conhecer o diagnóstico, em julho de 2017, McCain atrasou o início do tratamento para votar, juntamente com outros dois republicanos, contra a revogação do Obamacare, do ex-Presidente norte-americano Barack Obama, contrariando os planos do atual líder da Casa Branca, Donald Trump, que queria pôr fim à reforma na Saúde implementada pelo antecessor.

Em maio, o senador republicano começou a preparar a sua cerimónia fúnebre, juntamente com amigos mais próximos e conselheiros, e terá expressado que não queria a presença de Trump.