A 28 de dezembro de 2021, em declarações à SIC Notícias, a ministra da Saúde, Marta Temido, adiantou que Portugal poderia atingir os "37 mil casos na primeira semana de janeiro".

Passou-se o ano para 2022 e a previsão foi até superada: Portugal registou 39.570 novas infeções com o coronavírus SARS-CoV-2 nas últimas 24 horas, um novo máximo desde o início da pandemia, e mais 14 mortes associadas à covid-19, de acordo com os números hoje divulgados pela Direção-Geral da Saúde (DGS).

Numa altura em que o país regista um aumento significativo de infeções devido à maior capacidade de transmissão da variante Ómicron, especialistas de saúde pública e políticos voltaram a reunir-se no Infarmed para avaliar a evolução da pandemia de covid-19.

Ao longo da manhã, as conclusões foram muitas: sobre a nova variante, os seus impactos, os próximos passos e até o fim da pandemia — que pode não estar já aí.

O que se sabe sobre a Ómicron?

Segundo João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), a variante Ómicron domina já "o cenário epidemiológico em muitos países" (está presente em mais de 90, de acordo com a Organização Mundial da Saúde);

À data de ontem, cerca de 90% dos casos de Covid-19 em Portugal são da variante Ómicron — e a maior parte da disseminação ocorreu na faixa etária aos 20-29 anos;

A maior transmissibilidade parece estar relacionada com a capacidade de infeção das vias respiratórias superiores, ou seja, a Ómicron afeta os pulmões em menor escala (comparando com a variante Delta);

Citando dados experimentais da Universidade de Hong Kong, o especialista indicou que, no caso da variante Ómicron, o processo de replicação nas vias aéreas superiores é 70 vezes mais rápido do que na variante Delta, mas 10 vezes mais lento nas células inferiores do pulmão, o que explica a menor severidade da doença;

Baltazar Nunes, também do INSA, acrescentou que há fatores diferentes na variante Ómicron que têm que ser levados em consideração nos cenários que agora se formulam, para se poder projetar o que é esperado para os meses próximos. Neste sentido, Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, recordou também que existem ainda muitas incertezas associadas à variante.

Como vai a vacinação? 

  • Pedro Pinto Leite, da Direção-Geral da Saúde, lembrou que, apesar de haver uma "elevada cobertura vacinal" no país, o aumento do número de casos tem de ser visto "com alguma cautela", devido à questão dos internamentos e pressão no SNS;
  • Contudo, o risco de internamento (e de morte) mantém-se inferior nos grupos com vacinação completa, relativamente aos que não têm um esquema vacinal completo;
  • Por sua vez, Ana Paula Rodrigues, do INSA, apontou que a efetividade vacinal contra a Ómicron é "mais baixa do que aquela que foi estimada para a Delta", mas após o reforço da vacina "há um aumento" na ordem dos 80% (embora varie em função da idade);
  • Em outubro, 86% da população portuguesa tinha anticorpos contra a covid-19, em grande parte devido à adesão à vacinação. Assim, a população está mais protegida contra internamentos;
  • Contudo, o grupo entre os 50 e os 59 anos deve ter cuidados redobrados, uma vez que ainda nem todas as pessoas têm a vacinação de reforço;
  • Neste sentido, o Coronel Carlos Penha-Gonçalves — atual responsável pela coordenação da task-force de vacinação — adiantou que está previsto administrar doses de reforço nos próximos dois meses e meio, entre janeiro e meados de março, nas faixas etárias dos 50 anos para baixo, admitindo que poderá avançar já em março a vacinação dos jovens.

E quais podem vir a ser as novas medidas? 

  • Há recomendações que se mantém: reforço da vacinação, controlo das fronteiras, monitorização da qualidade do ar interior, ter atenção às pessoas mais vulneráveis;
  • Novas recomendações: tornar os autotestes acessíveis e gratuitos a todos; torná-los válidos para certificado com o acompanhamento de um profissional de saúde a monitorizar (mesmo que remotamente);
  • Perante o aumento do número de casos, é necessário que haja um aumento da "autoavaliação do risco";
  • Os peritos que aconselham o Governo sobre a pandemia de covid-19 propõem ainda que 70% de internamentos em cuidados intensivos e índice de transmissibilidade (Rt) acima de 1 sejam critérios para agravar medidas de contenção e insistem na responsabilização da população;
  • As recomendações apresentadas indicam que, se a linha vermelha for atingida, os restaurantes voltarão a ter um limite de seis pessoas por mesa no interior e a ter de privilegiar os espaços exteriores, e os espetáculos em espaço delimitado voltam a ter uma lotação de 75%, assim como os centros comerciais;
  • Neste caso, os peritos sugerem igualmente que o convívio familiar se restrinja a grupos inferiores a 10 pessoas, com uso de máscara fora do período da refeição e testagem prévia, e nas celebrações (casamentos, batizados) deve evitar-se grupos com mais de 100 pessoas, com autoavaliação de risco e testagem;
  • Os especialistas propõem ainda a redução da carga da plataforma Trace Covid (sistema de vigilância de contactos) na atividade dos médicos de Medicina Geral e Familiar, para que se dediquem aos doentes de maior risco que estão em isolamento e aos não covid-19.

Assim, para quando o fim da pandemia?

  • No final da sua intervenção na reunião, o epidemiologista Henrique Barros citou uma frase do escritor norte-americano Mark Twain, numa altura em que a Organização Mundial da Saúde afirmou que, se acabarem as desigualdades no combate à pandemia, 2022 poderá ser o ano em que ela terminará.
  • “Permitam-me usar aqui esta frase que poderá não ser totalmente verdadeira, mas é muito bem achada de Mark Twain e dizer que o anúncio do fim da pandemia infelizmente é capaz de ser bastante exagerado”, declarou Henrique Barros.

Para já, não se sabendo quando tudo vai ter um fim, resta esperar pelas conclusões do Conselho de Ministros de amanhã, 6 de janeiro, que certamente vai trazer novas regras e indicações para os próximos tempos.