Marcelo Rebelo de Sousa abriu as portas de Belém para receber os líderes dos partidos que asseguraram representação na Assembleia da República nestas terça e quarta-feira. Só não estiveram todos presentes porque António Costa testou positivo à covid-19 — os sacrifícios da campanha assim obrigaram. Mas nem por isso o anterior, atual e futuro primeiro-ministro deixou de falar com o Presidente da República. Já lá vamos.

Ontem, foi a vez de Livre, PAN, BE, PCP e Chega falarem com o Presidente. As conclusões tiradas foram quase unânimes: perante o medo de uma maioria absoluta governada absolutamente, pediram para que o PS não se esqueça do diálogo e garantiram oposição perante a supremacia parlamentar socialista, trabalhando até entre si para escrutinar o Governo. 

Se Rui Tavares apelou a Costa que evite um “Governo ensimesmado”, mas sim um “diálogo com outros partidos”, Inês Sousa Real pediu um PS “disponível para o diálogo e para o debate democrático”. Ao seu lado, Bebiana Cunha (dirigente do PAN que perdeu o lugar de deputada nestas eleições) lançou “um repto” ao executivo de António Costa, pedindo que “possa honrar aqueles que foram os compromissos negociados com o PAN” no âmbito da proposta de Orçamento do Estado para 2022.

Já da parte dos antigos parceiros do PS, nenhum tem esperança de grande diálogo. Catarina Martins lembrou que as maiorias absolutas não deixaram “boas memórias no país até hoje” porque são “permeáveis ao poder económico” e garantiu uma “oposição de uma forma construtiva e exigente”. Logo depois, Jerónimo de Sousa lamentou que a maioria absoluta “pode fechar possibilidades reais de convergência” do PCP com o PS.

Foi o primeiro round de conversas. No segundo, protagonizado maioritariamente pelos partidos da direita, o tom foi outro.

As hostilidades foram iniciadas por André Ventura, que garantiu que o Chega será “a oposição de que o país precisa” perante o que considerou ser a tibieza do PSD no confronto com o PS e pediu o retorno dos debates quinzenais.

Já João Cotrim de Figueiredo afirmou também que o partido irá propor a reintrodução dos debates quinzenais para reforçar o escrutínio da maioria absoluta do PS, uma nova Lei de Bases da Saúde e a revisão da lei eleitoral. Concedendo que com o controlo parlamentar do PS, será difícil fazer “reformas de fundo”, o líder liberal apontou o foco ao “escrutínio político ainda mais apertado no parlamento” sobre o Governo, indicando que o partido irá propor a reintrodução “de imediato” dos debates quinzenais.

Esse desígnio, porém, encontrará oposição mesmo ao lado na sua bancada. “Uma vez que temos uma maioria absoluta, concordo que o escrutínio do Governo por parte da Assembleia da República deve ser mais apurado, mas estou a falar em escrutínio e fiscalização, não em espetáculo parlamentar para abrir telejornais, que isso não é escrutínio nenhum”, afirmou Rui Rio.

Arquiteto do fim dos debates quinzenais em conjunto com o PS, Rui Rio disse que vai manter por enquanto o seu lugar de deputado até à votação do OE2022, prometendo uma oposição “mais acutilante”. No entanto, lembrando que o regimento da Assembleia da República já prevê “debates desse género” e que não tem sido cumprido, disse que não vai “chamar o primeiro-ministro semana sim semana não e fazer perguntas lá do fundo da sala”.

O PSD, portanto, disse que não aos debates quinzenais. E o PS? Em representação dos socialistas, o secretário-geral adjunto José Luís Carneiro apresentou um “nim”. “"São competências da Assembleia da República, vamos aguardar pela sua instalação, e a Assembleia da República e os diferentes líderes parlamentares decidirão sobre o modo de funcionamento do parlamento", disse.

Sem dar resposta neste momento ao desafio de Iniciativa Liberal e Chega para que sejam retomados os debates quinzenais, o socialista, todavia, assegurou haver uma "vontade inequívoca do PS de contribuir para uma cultura de diálogo político no quadro parlamentar, sabendo ouvir, sabendo escutar todos os partidos e todas as expressões parlamentares".

Portanto, tal como António Costa já tinha prometido, Carneiro voltou a tentar acalmar os partidos quanto ao bicho papão da maioria absoluta, propondo a via do diálogo.

Falando em diálogo, este aconteceu mesmo entre Marcelo e Costa, mas por videochamada. Sem grandes surpresas, ficámos a saber através de um nota publicada no portal da Presidência, "o Presidente da República comunicou ao Dr. António Costa, Secretário-Geral do Partido Socialista, a sua intenção de o indigitar como Primeiro-Ministro do XXIII Governo Constitucional, a qual será formalizada depois do apuramento dos votos dos círculos eleitorais da Europa e de fora da Europa."

Sem necessidade de acordos de governação nem outras ginásticas políticas, António Costa prepara-se para aquela que será possivelmente a legislatura mais longa de sempre, permitindo-lhe ser o primeiro-ministro com mais tempo no cargo. Se não houver mais interrupções, serão quatro anos e sete meses, porque a Constituição prevê que, em caso de dissolução, o período de governação tem de ser alargado de modo a acertar o calendário político.

Que tipo de liderança encontraremos? Só o tempo o dirá, assim como só o tempo nos fará saber se os líderes partidários se mantêm em posições. Para já, só Francisco Rodrigues dos Santos atirou a toalha ao chão — e Nuno Melo prepara-se para pegar nela; Catarina Martins já fez saber que cumprirá “por inteiro” o mandato como líder do Bloco de Esquerda, tal como Jerónimo de Sousa, que diz que a questão da sua sucessão "não está colocada". Resta saber o que fará Rui Rio.