Ana Gomes
António Barreto
Bernardino Soares
Eduardo Catroga
Fernanda de Almeida Pinheiro
Filinto Lima
Francisco Seixas da Costa
Jorge Buescu
José Ribeiro e Castro
Luís Soares de Oliveira
Miguel Guimarães
Miguel Poaires Maduro
Paulo Raimundo
Paulo de Morais
Peter Villax
Ricardo Arroja
Diogo Pacheco Amorim
Paulo Sande


Ana Gomes

Greves, supervisão e interesse público
Ana Gomes, jurista, diplomata e ex-deputada do Parlamento Europeu

1. É preciso uma governação que resolva conflitos laborais (professores, profissionais de saúde, funcionários judiciais, etc.), reforçando o SNS, a Escola Pública e qualidade dos serviços públicos. Uma governação que reforce a autoridade da supervisão e regulação por parte do Estado em defesa do interesse público.

2. Uma governação que invista os fundos europeus na transformação estratégica da nossa indústria e economia, mobilizando a ciência, fomentando exportações, criando emprego com salários decentes e respondendo às alterações climáticas com eficiência energética e eficiência no uso da água. E que reforme o sistema fiscal, alargando a base de imposição, mas baixando impostos para famílias e PME.

3. Uma governação que reforme o sistema de Justiça, com meios para investigar e exigência nos métodos e resultados, reforçando o Estado de direito.

4. Uma governação que organize a imigração, invista na integração e inclusão e repovoamento do interior do país. E que desincentive a emigração dos nossos jovens.


António Barreto

créditos: Lusa

Um país de emigrantes e imigrantes
António Barreto, sociólogo, político e ex-ministro do Comércio e Turismo e da Agricultura e Pescas

O debate do Estado da Nação tem sempre um forte pendor conjuntural. O Governo vangloria-se do que está a correr bem e anuncia projetos, medidas e obra. A oposição faz um imenso elenco do que está a correr mal e garante que o Governo está esgotado.

Mesmo assim, pelo que se diz e não diz, por mais ruidoso que seja, o debate é interessante e útil. Mas, vivo nas emoções, dá poucas oportunidades à discussão séria sobre problemas mais difíceis.

Portugal é novamente um país de emigração, o que diz muito. Mas também de imigração. Esta coincidência é rara ou mesmo inédita na história do país. O debate sobre esta questão tem-se revelado difícil. Mas é cada vez mais urgente.

Conhecer melhor as causas da desigualdade social é questão sempre adiada. Mas acabará por se impor como um dos temas mais complexos. Conseguir que os portugueses se desenvolvam, cresçam mais depressa e progridam com firmeza, pelo menos tanto como os mais dinâmicos da Europa, é trabalho de Hércules, por isso mesmo urgente.

Finalmente, a Justiça, sempre deixada de lado, apesar de essencial para a nossa liberdade. Ficará na história a geração de políticos, de magistrados, de juristas e de académicos que conseguir reformar a Justiça!


Bernardino Soares

créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

A vida a andar para trás
Bernardino Soares, jurista, ex-deputado à Assembleia da República (PCP) e antigo presidente da Câmara Municipal de Loures

O melhor barómetro para a avaliação do país é a vida das pessoas. E a vida delas está pior. Por mais discursos em tom de esquerda que o Governo faça, a direita não enjeitaria a sua política.

É um país de espantosos lucros e dividendos, com trabalhadores a perder salário real; em que a grande distribuição aumentou os preços de forma especulativa e não se tabelaram os produtos essenciais; em que fundos de investimento e investidores especulam com a habitação e as pessoas não conseguem pagar a renda; em que se aumentam as taxas de juro do crédito à habitação, mas em vez de se descontar nos lucros dos bancos se carrega nas famílias; em que o Governo tudo faz para degradar as condições dos serviços públicos, dos seus funcionários e, se possível, empurrar para fora os mais qualificados, como acontece na saúde e na educação.

O estado do Governo é tão mau como o estado do país. Não só pelos casos, alguns muito graves, que evidenciam a sobranceria com que se encara o exercício de cargos públicos, que traduzem o lastro de décadas de promiscuidade com os interesses económicos dominantes, mas, sobretudo, pela erosão provocada pelo crescente descontentamento das pessoas, que vêem a sua vida a andar para trás.

Essas mesmas pessoas que lutam pelos seus direitos, que defendem os seus salários e horários de trabalho, que combatem a arbitrariedade do grande patronato, que exigem carreiras públicas dignas, que lutam por ter um médico de família, uma consulta ou cirurgia, que denunciam os danos das privatizações passadas e em curso, que investem na produção e não se conformam com um país a produzir cada vez menos. Essas mesmas pessoas que serão capazes de construir outro caminho.


Eduardo Catroga

Eduardo Catroga
créditos: LUSA; JO

Degradação, degradação, degradação
Eduardo Catroga, economista e ex-ministro das Finanças

Se avaliarmos as ações estruturais nos pilares estratégicos críticos para a convergência económica e social com os países europeus mais desenvolvidos, concluímos:

1) No pilar político-institucional: degradação do Governo (instabilidade governativa); degradação do sistema de justiça; degradação da Assembleia da República; degradação das políticas públicas em geral; ambiente geral deprimente na confiança dos investidores.

2) No pilar económico-financeiro: empobrecimento relativo de Portugal face aos outros países que precisam de crescer mais do que a média; estagnação do crescimento potencial e da produtividade; benefício da inflação com impostos excessivos conducentes a uma carga fiscal exagerada e asfixia fiscal; benefício dos juros baixos no serviço da dívida em consequência da bazuca monetária do BCE; fraco investimento público apesar das bazucas da CE; má alocação de recursos, conduzindo a uma fraca acumulação de capital físico e a uma fraca produtividade. Como diz o Conselho das Finanças Públicas, o aparente brilharete nas contas públicas deve-se à inflação e aos juros.

3) No pilar social: degradação no sistema educativo, do sistema de saúde e da habitação; fraco desenvolvimento do capital humano (que, a par das instituições e da acumulação do capital físico e da produtividade, são os fatores determinantes do progresso económico e social).

Em suma, os resultados de curto prazo no crescimento devem-se às empresas do turismo e dos setores exportadores, não ao Governo.

A Nação, no médio e longo prazo, será afetada pela inação estrutural, pois o Governo só pensa em medidas eleitoralistas para poder manter-se no poder. Daí as benesses. Haja esperança!


Fernanda de Almeida Pinheiro

créditos: Lusa

Uma Justiça esquecida e negligenciada
Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados

O Estado da Nação é indissociável do Estado da Justiça. Sem uma Justiça de qualidade, acessível a todos os cidadãos, nunca teremos um verdadeiro Estado de direito democrático. E aquilo que temos vindo a assistir nos últimos anos é uma perigosa desumanização da Justiça. A Justiça é feita por pessoas para pessoas. E as pessoas que trabalham na Justiça (magistrados, advogados, funcionários, etc.) têm sido completamente esquecidas e negligenciadas pelos sucessivos governos da Nação.

Cada vez mais se exige aos juízes que cumpram objetivos numéricos, sem lhes dar devido tempo para refletir e decidir, sem atender à sua necessidade de conciliação da vida profissional com a vida pessoal, o que necessariamente se reflete na qualidade técnica e jurídica das sentenças.

Não se dá meios adequados e suficientes ao Ministério Público para que possa prosseguir devidamente as suas funções. Desrespeita-se os funcionários judiciais, há muitos anos com carreiras remuneratórias completamente desajustadas da responsabilidade e importância das suas tarefas.

Não se reconhece a importância constitucional dos advogados que representam os cidadãos mais desfavorecidos, e que continuam a ser remunerados por uma tabela que não é atualizada há mais de 15 anos. Não se renova grande parte dos tribunais deste país, onde muitas destas pessoas trabalham sem as condições mínimas de dignidade.

Investir na justiça não pode ser apenas dotá-la de mais meios informáticos. É uma parte importante, mas não é a principal e não é suficiente. Investir verdadeiramente na Justiça é dotar de condições de trabalho e remunerar devidamente os profissionais que nela trabalham, é reconhecer as especificidades desta nobre tarefa, é perceber que os processos não podem ser vistos como meros números, mas sim como questões verdadeiramente importantes na vida das pessoas, e cuja correta resolução é essencial para a paz social e para o desenvolvimento do país.


Filinto Lima

À espera de Marcelo Rebelo de Sousa
Filinto Lima, professor e presidente da direção da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP)

Deve existir maior investimento na Educação, quer a nível dos recursos humanos, quer a nível dos recursos materiais. Os professores merecem ser acarinhados e motivados para o exercício de uma profissão desgastante mas bela, que prepara os jovens para a sociedade.

A qualidade da Escola Pública deverá continuar a ser elevada com o apoio da tutela. Os diretores estão na linha da frente deste objetivo e necessitam de ver melhoradas as suas condições de trabalho, tanto ao nível salarial como de recursos disponíveis para o exercício das suas funções.

Estamos na expectativa da tomada de posição do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em relação ao diploma das condições de trabalho dos professores, no qual está incluída a recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias. A sua decisão terá influência direta no decurso do próximo ano letivo, que deverá trazer a paz e a estabilidade às escolas públicas portuguesas.

É importante confiar nos diretores e dar a hipótese de reconduzir em determinadas circunstâncias os professores que se identifiquem com o projeto educativo.


Francisco Seixas da Costa

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Saldo positivo
Francisco Seixas da Costa, embaixador na reforma e antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus

Fiz um esforço, confesso. Tentei assumir o ar carrancudo, mal disposto, que afivelam os que clamam que "isto é tudo um bando de corruptos", "esta classe política está podre" e "o que era preciso era outro 25 de Abril" ou, em estranha alternativa, "isto está a pedir é um outro Salazar". Mas não consegui estar à altura do desafio. Não me passei para os indignados. Pior! Faço mesmo parte dos que acham que este meio século de democracia tem um saldo imensamente positivo, que há múltiplas razões para sermos um país otimista face ao futuro. Acho mesmo - imaginem! -, que a nação está em muito bom estado. Vou ser insultado por dizer isto? Que se lixe! É o que eu penso.


Jorge Buescu

créditos: Rita Sousa Vieira | MadreMedia

Este país não é para jovens
Jorge Buescu, matemático, professor e vice-presidente da European Mathematical Society (EMS)

À beira dos 60 anos, tenho a amarga sensação de a minha geração ter deixado aos seus filhos um país em muitos aspetos pior do que aquele que encontrou.

Temos a sensação de Portugal estar em lenta decomposição; quando nos comparamos com os nossos parceiros europeus, a distância na qualidade de vida é cada vez maior, muito maior do que nos indicadores económicos. A habitação própria em Lisboa ou Porto é um sonho impossível para quem não tenha heranças familiares. Morrem grávidas a caminho do hospital porque os serviços não funcionam. A corrupção é um cancro que metastizou para todos os níveis do poder e a cultura da impunidade impera. Em Copenhaga ou Berlim, o metro passa de três em três minutos; em Lisboa é comum esperar-se 15 minutos por um comboio apinhado. Até para pedir um passaporte na capital é necessário esperar dois meses por um agendamento.

Cada um de nós poderia acrescentar muitos pontos a este conto. O sabor que fica é muito amargo: o de um Estado dissolvente, em que pagamos impostos ao nível dos parceiros mais avançados, mas temos serviços públicos ao nível do Terceiro Mundo.

O mais desmoralizador, contudo, é verificar a simultânea superficialidade e desresponsabilização das classes dirigentes. Há muito que não existe uma ideia mobilizadora ou um projeto de longo prazo para o país. Há uma ausência de visão estratégica em todos os setores de atividade, da Ciência à Saúde, da Educação à Habitação, dos Transportes à Indústria. Deixamo-nos arrastar para a discussão de questões marginais e em grande medida irrelevantes, impelidos pela fogueira das redes sociais e anestesiados pela ilusão de que governar é apresentar powerpoints ou falar sobre a indignação do dia.

E, neste caminho de falência moral, o país vai renunciando a si próprio, ao que podia ser, enquanto se transforma numa Disneylândia de pacotilha, cujo único projeto de futuro parece ser o de servir imperiais aos europeus ricos.

Não era fácil, quando eu tinha a idade dos meus filhos, o início de vida para os jovens. Nunca foi. Mas hoje, para além das dificuldades, há algo mais: se nós tínhamos o entusiasmo de, sabendo que partíamos de baixo (chamava-se “a cauda da Europa”, para quem se lembra), vir a fazer deste país um sítio melhor, hoje os jovens sentem, em geral, uma quase total falta de esperança no futuro. A nossa geração deu-lhes, e bem, todos os meios para encontrarem uma vida noutras paragens. Faltou o mais importante: dar-lhes razões para não o fazerem.

Este país não é para jovens.


José Ribeiro e Castro

créditos: ANTONIO COTRIM / LUSA

Um país adiado no pântano
José Ribeiro e Castro, advogado, ex-deputado à Assembleia da República e antigo líder do CDS, é presidente da Sociedade Histórica da Independência

Em dezembro de 2001, causando surpresa geral, António Guterres, primeiro-ministro, demitiu-se por entender que era a forma de evitar um “pântano político”. É um dos grandes momentos da nossa história política.

Nunca se entendeu muito bem o que era o “pântano”. O PS perdera as eleições autárquicas, mas não era caso para tanto. O PS estava na situação de “maioria empatada” na Assembleia da República – tantos deputados (115) como a soma de todos os deputados da oposição. Mas a situação era melhor do que a que tivera na legislatura 1995/99, em que tinha minoria parlamentar. Que raio seria o “pântano” de que Guterres não queria nem um dia?

A resposta é capaz de estar naquilo que o PS, a sua maioria e o seu Governo, nos têm dado desde as últimas eleições. A maioria absoluta de janeiro de 2022 não tem servido ao país para nada. Valeria a pena se nos desse estabilidade. Valeria a pena se, com estabilidade e maioria, permitisse ao governo concentrar-se no médio e longo prazo e demonstrar um agudo sentido estratégico. As maiorias servem para isso, ou não servem para nada.

Na crise engasgada do SNS (com frequentes quebras de serviço), na crise arrastada da “escola pública” (falta de capacidade de diálogo com os professores, desenfreado experimentalismo ideológico ao galope, sopro do facilitismo para disfarçar, aproveitamento abaixo do necessário), na crise da justiça, com os mesmos problemas de sempre, no bloqueio há décadas das ligações à Europa na ferrovia e na energia, na “descentralização” em batota (promovendo a real concentração e centralização da administração intermédia do Estado), na não reestruturação dos territórios florestais, na cumplicidade com a decadência da língua portuguesa na UE, na abdicação de uma política ambiciosa de crescimento económico (que nos puxe para os lugares da frente da UE, em vez de sempre para o último), no esquecimento propositado da reforma eleitoral, possível desde 1997 (responsabilizando os deputados perante os eleitores e dando à nossa democracia a seiva de frescura e renovação de que necessita).

Em vez do que precisamos, o que temos? Casos e casinhos, zaragata com fartura, greves em cascata, um ou outro escândalo ui-ui, luta pelo “poder-que-há-de-vir” no PS, agendas ideológicas extremistas, política da barafunda.

O que é que diríamos de Portugal no ano político que passou? Um velho estribilho: somos um país adiado. O que é que diremos de um país em que um partido e o seu governo usam a sua maioria unicamente para se sustentarem no poder, sem reformar, sem melhorar, sem construir, sem nos fazer a todos avançar? O que diremos de um país em que, no relatório do inquérito à gestão da TAP, o governo e o seu partido usam a maioria apenas para escudo face à zaragata e ao pugilato em que a política se degrada? O que diremos de um país em que um governo com maioria absoluta adia, setor a setor, o futuro?

Diremos que é um pântano, isso mesmo, o pântano político. Tudo vai resvalando para ambiente pantanoso. E pode manter-se, porque a maioria já só serve para isso: manter-se. É isto, provavelmente, que Guterres quis evitar em 2001.


Luís Soares de Oliveira

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Acefalia crónica
Luís Soares de Oliveira, economista e embaixador na reforma

O problema  básico do país, lamentavelmente, não está inscrito na agenda do debate sobre o Estado da Nação. Trata-se da acefalia. Sempre tivemos forte tendência anárquica e desprezo pela res publica. Já lá disso se queixavam os romanos e, séculos mais tarde, o bispo de Olinda. Mas, de tempos a tempos, conseguimos chefias que nos fizeram progredir.

Agora, aparentemente, temos um chefe - que até dispõe de maioria absoluta -, que a todos transmite a ideia de que o que quer é escapar daqui, trepar mais alto, obter uma sinecura europeia e mandar o país aos bichos. Não assume o cargo porque tem outros interesses.

Não temos, pois, o chefe de que precisamos. Um líder assim não motiva as pessoas; não consegue pedir os sacrifícios necessários para o bem comum, não convence os ministros que têm de trabalhar para o bem da nação e não para o bem próprio. Não é distanciando-se que vai conseguir resolver os problemas nacionais. Consegue, sim, criar ceticismo, mas nunca a confiança. Com ele só trabalha quem quer aproveitar, não os que querem servir.

Todo o mal que o país sente vem daí. Mas a questão nem sequer está em pauta, é tabu total.


Miguel Guimarães

créditos: 24

Já ninguém acredita em nada
Miguel Guimarães, médico, especialista em Urologia, e ex-bastonário da Ordem dos Médicos

A Nação atravessa um momento crítico. Na agricultura, na habitação, na saúde, na educação, na justiça, na segurança social. O envelhecimento da população é uma realidade preocupante e a taxa de natalidade continua a ser baixa. As pessoas não estão a ser respeitadas. Os salários continuam a ser muito baixos para a imensa maioria dos portugueses. Os impostos diretos e indiretos são dos mais elevados a nível internacional. O PIB continua a não evoluir de forma desejável e favorável à recuperação do equilíbrio do país. Os bancos privados continuam a explorar os cidadãos de modo inaceitável e perante a passividade do Governo.

Perante esta situação de queda iminente e de falta de prudência, a relação entre a verdade e a política está cada vez mais contaminada e dá mesmo sinais de doença grave. Já ninguém acredita em nada ou acredita em tudo. Já ninguém sabe onde começa a verdade e acaba a mentira ou vice-versa. Já ninguém se interessa pelos valores mais genuínos que construímos em séculos de história. A ética fala-se, mas não se aplica. A solidariedade está cada vez mais tímida. A verdade cada vez mais distante. O custo de vida e a corrupção contagiam a sociedade e desacreditam o Governo e as instituições.

É essencial que o “Estado da Nação” sirva para alguma coisa. A começar por recuperar a verdade! E focar a nossa atenção e a nossa energia em temas que interessam à vida das pessoas. Não vale a pena perder tempo com minudências, nem com fantasias políticas. Assumir a verdade dos factos e dedicar tempo ao que sentem e preocupa as pessoas é um imperativo ético e moral. É preciso dar um sinal forte de boa esperança e fazer acontecer. De resto, não são os “casos” e os “casinhos” que vão fazer mudar o Governo. Vai ser mesmo a inflação.


Miguel Poiares Maduro

créditos: Lusa

Falta de confiança nas instituições
Miguel Poiares Maduro, advogado, professor de Direito e antigo ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional

Acho que o que diferencia a atual situação do país é que a crise que vivemos não é apenas económica e social (apesar do crescimento conjuntural da economia existe uma perda de rendimento real - consequência da inflação - e o perfil da economia continua predominantemente de baixo valor acrescentado e sem inspirar muita confiança). É também uma crise da nossa democracia, comprovada por a confiança nas instituições estar a níveis muito baixos. É uma crise económica e social associada a uma crise democrática.

Isto implica riscos para o sistema político, mas também uma diminuição de capital social (na relação de confiança entre Estado e cidadãos), que tem consequências muito negativas para o funcionamento do Estado e da economia. Sem reformarmos as nossas instituições (que estão a montante de tudo o resto), dificilmente inverteremos esta situação, quer ao nível da confiança nas instituições, quer ao nível de um crescimento económico robusto prolongando e de alto valor acrescentado.


Paulo Raimundo

Os contrastes intoleráveis
Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP

A situação de Portugal expressa-se no intolerável contraste do país: dos baixos salários e pensões, do aumento de rendas e prestações, das dificuldades de acesso aos serviços públicos, nomeadamente no acesso ao Serviço Nacional de Saúde, do aumento do custo de vida, dos mais de 2 milhões de pessoas na pobreza, das quais 345 mil crianças, e dos lucros obscenos dos grupos económicos que crescem todos os dias.

A situação intolerável de uma política que, a partir do Governo do PS, apoiada pelo PSD, Chega, IL e CDS, é objetivamente dirigida para garantir os interesses de uma pequena minoria, os tais que, recorrendo a tudo e por cima de todos, concentram parte significativa da riqueza criada pelos trabalhadores. Uma situação intolerável, para a qual não estamos condenados.

Apesar de sermos um país pequeno, temos os meios, as forças e temos gente séria e honesta, capaz de levar o país para a frente, respondendo de vez aos problemas da ampla maioria de quem cá vive e trabalha.


Paulo de Morais

Matemática, a disciplina maldita
Paulo de Morais, matemático, professor e co-fundador da Transparência e Integridade Associação Cívica

Para muitos, a Matemática é uma disciplina maldita. Para a generalidade dos portugueses há falta de conhecimento e de literacia nessa área. É um problema? É, sério e crónico.

Além da falta que estas competências fazem no dia-a-dia, as áreas profissionais de maior sucesso, com empregabilidade garantida e bons salários, são justamente as que se baseiam nas competências matemáticas: Informática, Sistemas de Informação ou Engenharias.

A solução? Só pode ser dada pela Escola. Com efeito, a disciplina tem duas características ímpares. Por um lado, o ensino das matérias é sequencial, quem não sabe as matérias precedentes não evolui nas seguintes; quem sai sem bases do nono ano, jamais atingirá os objetivos de aprendizagem no secundário.

Por outro lado, só se aprende Matemática na Escola, não há fontes de conhecimento alternativas, como por exemplo em História ou Inglês, em que se adquirem conhecimentos através do cinema ou a ouvir música. Neste contexto, um único docente que não explique as matérias com clareza limita a aprendizagem de centenas de alunos, de forma irrecuperável. Que fazer? Urge um plano de emergência para o ensino da Matemática.


Peter Villax

créditos: MadreMedia | Pedro Santos

Investir na indústria e inovação para pagar mais
Peter Villax, empresário, presidente da Associação das Empresas Familiares e CEO da Hovione Capital

Em Portugal, muitos ganham mal, têm poucas oportunidades e a nossa geração com as melhores qualificações de sempre vai à procura de uma vida melhor lá fora.

O nosso futuro é abraçar o crescimento económico, é abrirmos as portas ao investimento, é crescermos o PIB [Produto Interno Bruto] 4% ao ano, todos os anos. É ver para lá dos vistos gold e do turismo, é investir na indústria e na inovação, para podermos chegar a salários mais altos.


Ricardo Arroja

créditos: Pedro Soares Botelho | MadreMedia

Sem sair da cauda da Europa
Ricardo Arroja, economista e professor

Portugal permanece numa situação de declínio estrutural. Na União Europeia, o país não tem descolado da cauda da Europa, nem mesmo tendo beneficiado nos últimos anos de taxas de crescimento mais elevadas do que em média registou desde a adesão ao euro.

É certo que há elementos positivos a salientar, nomeadamente a capacidade que Portugal tem revelado na captação de turismo e também no reforço do investimento empresarial. Porém, são elementos insuficientes para contrariar a perda de poder de compra que os cidadãos têm sentido relativamente a outros países. A fiscalidade existente também não tem ajudado.

A economia portuguesa continua a ser prejudicada pela sua demografia empresarial, dominada pela profusão de microempresas, sem escala que permita almejar ganhos significativos de produtividade, e por uma especialização internacional, marcada ainda por actividades de baixo valor acrescentado, que inviabilizam ganhos relevantes de quota de mercado ou salários mais elevados.

O país está assim preso numa armadilha de rendimento médio, incapaz de evoluir para patamares superiores de riqueza, oferecendo fracas condições a quem aqui queira levar a sua vida, em particular aos mais jovens.


Diogo Pacheco de Amorim

A TAP como medida de decadência
Diogo Pacheco Amorim, deputado à Assembleia da República (Chega), ex-assessor de Freitas do Amaral e antigo chefe de gabinete de Manuel Monteiro

A TAP custou-nos três mil milhões. O encerramento da Central do Pego, tributo pago à desastrosa agenda 20/30, custou-nos duas TAP. O apoio ao desastre da banca deverá acabar no equivalente a dez TAP. E o custo da corrupção calcula-se ao equivalente a sete TAP por ano. A TAP transformou-se na medida padrão da nossa interminável decadência.

Resultado? A destruição da classe média, esmagada pelos impostos necessários para pagar todas essas TAP. E, com a classe média, corre o risco de ruir o que resta do país de que ela era pilar central e derradeiro sustentáculo. “Sob o manto diáfano da fantasia” dos discursos salvíficos, é esta a dura realidade do Estado da Nação.


Paulo Sande

Paulo Sande
créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

O país antes dos partidos
Paulo Sande, especialista em Assuntos Europeus, ex-conselheiro do presidente da República

Portugal, como muitos países europeus e a generalidade das democracias, enfrenta problemas de natureza conjuntural, a que se somam (e agravam) as debilidades mais estruturais da nossa organização política, económica e social. No plano sistémico, é quase escusado referir o crónico défice de produtividade da nossa economia, a morosidade da justiça, a burocracia e a corrupção, que teimam em persistir. Somam-se-lhes a guerra, a inflação, as ameaças à democracia. E o cada vez mais profundo problema da habitação.

Pelo lado solar, a perspetiva macroeconómica, ainda que importe perceber qual o custo. E ainda há o desafio ambiental, a transição digital, a difícil questão da integração de imigrantes e refugiados. Em resumo, desafios globais, nacionais, coletivos. Seria bom que os representantes da Nação os assumissem como tal e, em nome dela, pusessem os interesses do país à frente dos partidários.