Aos 21 anos, o recém-licenciado em Economia planeou uma viagem que lhe vai permitir fazer atividades tão diversas como trabalhar com crianças indígenas no Peru e na Patagónia (onde pretende ensinar inglês e matemática), fazer voluntariado no Paraguai, vigiar um farol no Chile e trabalhar na Colômbia a troco de alojamento e alimentação.

“De braços abertos para América do Sul” é o título do projeto com que João Bonifácio concorreu ao concurso Gap Year 2016 e convenceu o júri composto pela Associação Gap Year Portugal, pela TAP STEP e pela Fundação Lapa do Lobo.

O jovem de Leiria tem também o perfil desejado para a iniciativa: alguém que quer sair da zona de conforto, que revela um espírito humanitário e criativo; alguém que demonstra ambição e vontade de aumentar o sucesso académico, pessoal e profissional.

“É desta forma [de braços abertos] que tenciono chegar lá. Quero estar com outras pessoas. Quero partilhar histórias, quero ouvir histórias. As histórias são aprendizagens contínuas. Não as temos na escola ou no dia-a-dia, e fazem-nos crescer. Quero ir de braços abertos a todas as adversidades e tentar superá-las da melhor maneira”, conta João ao SAPO24.

A iniciativa da Associação Gap Year Portugal, apoiada pela TAP e pela Fundação Lapa Lobo, visa financiar um ano de intervalo (escolar ou profissional) a jovens que queiram evoluir social e profissionalmente conhecendo outras realidades.

Para participar, os candidatos tiveram de responder ao desafio: "O que farias com 5 mil euros, voos oferecidos e um mundo por descobrir?”. Na edição de 2016, foram submetidos mais de 400 projetos.

A bolsa variava consoante a candidatura apresentada: cinco mil euros para quem concorresse individualmente, e 6.500 euros para os que se candidatasse aos pares. As viagens de ida e volta, em qualquer uma das situações, eram oferecidas pela TAP STEP.

O concurso destinou-se a maiores de 18 anos (com secundário concluído) e menores de 25 anos (com ou sem mestrado, e sem estar a trabalhar há um período superior a um ano).

João Amorim e Tamára Brandão (na foto em baixo), de São João da Madeira, venceram a edição Gap Year do ano passado. Visitaram 15 países e dois continentes (curiosamente passaram por aqueles onde João vai trilhar a sua jornada). Fizeram voluntariado, subiram vulcões e até passaram o Natal na Bolívia.

“Acima de tudo, calma”. Aconselham encarecidamente a João Bonifácio. “Ouve o que as pessoas dizem. Se te disserem para não ires a uma determinada zona, não vás. Ou se fores, vai com cautela. Partilha as tuas histórias. Tira fotos e publica no Facebook. Ajuda nos momentos mais complicados”, disseram.

Porquê a América do Sul?

Entre maio e junho, as noites foram curtas. João deitava-se às 4h da madrugada e levanta-se às 9h da manhã. Diz que “não tinha sono” porque há medida que ia procurando informação para o projeto, a excitação crescia e não se queria deitar. Confessou que, daquela forma, sentia que “já estava a viajar”, e o entusiasmo aumentava. Tinha tudo a ver com o objetivo que João tinha estabelecido: ganhar o concurso e fazer uma viajem de sonho.

“Sinceramente, sempre gostei de participar em concursos. Mais do que estudar, gostava de fazer outras coisas”, confessou.

No secundário, através de um projeto da Euroescola, João teve a oportunidade de conhecer o Parlamento Europeu e entrou no Parlamento de Jovens. Participou igualmente no projeto Comenius [uma iniciativa da Comissão Europeia dirigida a alunos e professores de todos os graus de ensino], e quando teve conhecimento deste concurso da Gap Year não hesitou. Sabia que se fizesse um bom projeto, teria pelo menos uma chance. "Esforcei-me ao máximo”, confessou.

“Mais do que ativas, as pessoas devem de ser proativas”, defende. Depois da decisão, começou a elaborar o projeto. “Entreguei-o uma hora ou duas antes do prazo. Foi já bem perto da 00h00”, conta.

A data de entrega do projeto coincidiu com a dos exames, mas na cabeça de João já só havia espaço para o mar do Chile, para a Patagónia e o embarque para o Rio de Janeiro. Já só conseguia pensar em concluir o projeto. Este tinha que ficar perfeito.

Foi esta atitude e ambição que o levou a querer entrar no programa Erasmus, rumo ao México. Pela Europa, já tinha viajado por alguns países: Polónia durante o secundário, Holanda no terceiro ciclo, França com o Euroescola e, mais recentemente, República Checa e Itália para “visitar amigos de Erasmus”.

“Sei que muitos optam por ir para o Brasil [em Erasmus]. Mas não quis ir porque lá se fala português. É tão simples quanto isso”, disse.

E porquê o México? “A primeira opção era a Colômbia, mas não tive essa oportunidade. Consegui contactar depois a faculdade do México e entrei numa das melhores faculdades da América do Sul, e na melhor do país [Tecnológico de Monterrey]. Queria aprender uma nova língua e aprendi espanhol”, contou.

João (na foto abaixo) relevou também que o semestre passado no México foi a experiência que mais o marcou. Encontrou uma realidade completamente diferente.

Fala de uma viagem de contrastes e de uma viagem ao passado. Descreve a dificuldade que teve em se adaptar à alimentação. “Comem tudo com picante. Desde o pequeno-almoço ao jantar”.

Revela que fez várias “tours”, como guia, no Museu de História Nacional, para crianças dos bairros mais desfavorecidos. Fala na mescla de culturas com que se deparou. Conheceu canadianos, australianos, europeus, sul-coreanos. Todos de realidades muito diferentes.

Conta que demorou até que se lhe caísse a “ficha” e conseguisse “ver a realidade. Estava a pôr os pés noutro continente; nunca o tinha feito, foi uma sensação completamente nova e que não é equiparada a nada. As pessoas, as casas, o trânsito, as construções; tudo. O meu primeiro pensamento foi ‘eu não pertenço aqui, mas tenho de me adaptar e vou fazer por isso’”, revela. “O dia-a-dia e o fuso horário eram completamente diferentes: foi um processo de adaptação”, conclui.

Nesta nova aventura pela América do Sul, conquistada graças ao concurso Gap Year, João tem intenção de, em dois momentos, trabalhar com crianças, no Peru e na Patagónia. Influenciado pela experiência no Museu do México, sente que pode fazer diferença se conseguir ajudar os mais novos e os incentivar a perseguir algo que os excite.

“A base para o desenvolvimento é a educação”, começa por dizer. “Em Portugal, é gratuita e obrigatória. Quem quiser, com um pouco de esforço e dedicação, tem possibilidade de adquirir conhecimentos e fazer um percurso que as vai colocar noutro patamar para o mercado. Daquele lado do mundo, a escolaridade não é obrigatória.”

“As dificuldades são muito maiores. As crianças não têm as mesmas facilidades de irem para a escola que nós, por cá, por exemplo, temos. Manuais, etc. E se puder dedicar um mês da minha vida e estar em contacto com essas crianças… Se numa turma conseguir influenciar uma ou duas crianças será fantástico. Estudar é um direito que todas as crianças deviam de ter”.

Vai ao Peru, a uma aldeia indígena, ensinar inglês e matemática. Mais tarde, fará o mesmo na Patagónia. Vai à procura de “pessoas diferentes, sorrisos diferentes.” Espera ser uma inspiração e antecipa que estas experiências o ajudem a ser um “cidadão do mundo”.

Quando regressar quer ter algo para mostrar. Sentir que fez “alguma coisa pelo mundo tendo somente 21 anos”.

“Quero poder dizer que já viajei por todos estes países, já impactei estas pessoas e tenho estas fotos para mostrar a outros jovens. Para os influenciar a partir para uma jornada semelhante; para os fazer ver que não é assim tão difícil. Trata-se de esforço, de querer bastante e dar o melhor”, disse.

Quando regressar a Portugal terá percorrido cerca de 12 mil quilómetros. Vai trazer um passaporte rico em carimbos e memórias. Vai recordar que, a certa altura, os seus pais quase travaram este sonho.

“Não me apoiaram, de todo, no início do projeto. Enquanto o estava a fazer e a planear, tal como aconteceu quando lhes disse que queria ir para o México, ficaram tristes e não me quiseram deixar ir. Mas depois fizeram um esforço enorme para permitir que fosse. Quando cheguei, disse-lhes imediatamente que queria voltar. Este concurso fê-los perceber que isso não era uma brincadeira. Quando lhes disse que tinha sido o vencedor, já ficaram mais conformados. Depois, com mais calma, expliquei-lhes tudo”, revelou João.

O futuro também está mais ou menos planeado. Quer tirar mestrado na área de Finanças (só a faculdade é que ainda não é certa). Mas isso são contas de outro rosário para daqui a 7 meses. Até lá, vai partilhar a sua aventura através da sua página do Facebook.

Mas o que é, afinal, um Gap Year?

"Ano de intervalo” ou “ano sabático” são as designações mais fiéis. E, tal como o nome sugere, é um ano no qual se “faz uma pausa” na vida dita "normal". O objetivo é viajar e colecionar experiências.

No entanto, na verdade, este conceito é demasiado abrangente e depende de vários fatores. Este ano de intervalo pode acontecer em diversas alturas da vida e não tem necessariamente de ser exclusivo a jovens ou de ocorrer durante a juventude. Tem muito a ver com o momento. E de seguir os desejos, sonhos e ambições de cada um. Não existe uma idade certa ou limite para fazer um gap year (um ano sabático).

A Associação Portuguesa e o Concurso

“Existe a GAP Year Portugal e o Concurso da GAP Year Portugal. Uma coisa é a associação; a outra, é o concurso, que é promovido por nós”, conta ao SAPO Gonçalo Azevedo Silva, presidente da Associação Gap Year Portugal.

“O concurso nasceu há 4 anos promovido pela Fundação Lapa Lobo”, conta Gonçalo Silva. “Durante 2 anos, funcionou só em âmbito regional. Só quem vivesse nos conselhos de Nelas e Carregado do Sal é que podia concorrer. Até que houve um ano em que não existiu nenhuma candidatura. A fundação decidiu então avançar e expandir o projeto a nível nacional e convidou a associação”.

O próprio Gonçalo foi um dos vencedores do concurso lançado pela Fundação Lapa Lobo e, na altura, apercebeu-se da falta de apoio para quem queria fazer um gap year. Então, em 2012, fundou a associação.

“Queremos mudar a forma como as pessoas olham para o gap year no nosso país. Lá fora é uma coisa tão comum e nós, culturalmente, não temos o hábito de o fazer”, diz Gonçalo Silva. “É um dos nossos objetivos principais: dar a conhecer e potencializar o conceito. Queremos promover a sua prática”, refere.

A associação conta com o apoio de várias entidades de ensino. “Existe a possibilidade de, através da associação, durante o gap year, os jovens frequentarem até 3 licenciaturas diferentes durante 15 dias cada”, esclarece. “Desta forma, ficam a saber e a perceber qual é, realmente, o tipo de curso que lhes interessa”, conta.

Para Gonçalo, aqueles que optam por fazer uma pausa para viajar e viver novas experiências acabam por desenvolver aptidões e capacidades que os vão preparar de uma forma diferente para ingressar no mercado de trabalho.