Falamos de dois homens diferentes em tudo – na idade, na nacionalidade e no dinheiro que já ganharam – mas juntos pelo facto de ambos serem claros ganhadores da economia pós 2008 e pré-covid-19. Warren Buffett, investidor de referência em empresas como Microsoft, Coca-Cola e alguns dos principais bancos e companhias de aviação americanos. E Tyler Brulé, jornalista e fundador da revista Monocle (e antes da Wallpaper), e que se tornou um nome de referência na “economia de lifestyle” em que vivíamos até há dois meses.
Comecemos por Buffett. O Oráculo de Omaha, como é conhecido ou o anfitrião do Woodstock de Capitalistas, a reunião anual do grupo que lidera. Um evento que já é uma tradição no mundo financeiro, e não só, já que ali se costumam juntar qualquer coisa como 40 mil pessoas e ouvirem-se previsões ou prognósticos que já foram úteis a muito boa gente. Só que este ano ... distanciamento social. O que não impediu que acontecesse, este sábado, 2 de maio, à distância.
Contexto: a reunião tem habitualmente lugar em Omaha, sede da holding de Buffett, a Berkshire Hathaway, e a maior cidade do estado do Nebraska. Costuma ser uma espécie de festival de música do ponto de vista das receitas que gera. No ano passado, a receita foi superior a 21 milhões de dólares, dos quais 6,7 milhões foram despesas em hotéis. Este ano, Omaha ficou deserta.
O que pensa então um dos homens mais ricos do mundo e também um dos mais perspicazes?
• “Nunca apostem contra a América”. As coisas podem não estar fáceis no país que tem quase 1,2 milhões de infetados (dados de 5 de maio) mas, a longo prazo, é na América que Buffet acredita. Até porque, diz ele, o país já passou coisas piores. O que tem acontecido com os negócios deste homem que é um dos mais ricos do mundo e também um dos mais perspicazes?
• A holding Berkshire Hathaway registou perdas de 49,7 mil milhões de dólares no primeiro trimestre de 2020 • Apesar de as crises-que-são- oportunidades, nomeadamente para quem tem dinheiro para gastar (e a holding tem se valorizado nestes meses, valendo agora 137 mil milhões de dólares) , Buffett não gastou ainda um dólar em compras (ao contrário do que fez na crise financeira de 2008) • Buffett não só não comprou, como vendeu. O quê? Participações na aviação, nomeadamente nas companhias United, American, Delta e Southwest Airlines. “O mundo mudou para as companhias de aviação”, disse ele.
• Uma previsão que deixou: as seguradoras vão ser o próximo campo de batalha da crise provocada pela pandemia quando as empresas começarem a avançar com processos por perdas nos negócios.
• E uma confidência: Buffett pode ser milionário mas não corta o cabelo há 7 semanas como qualquer comum mortal e também se mantém em sweat shirt, sem camisas e gravatas. É a mão invisível da covid-19 a funcionar.
E agora o fundador da Monocle, Tyler Brûlé, que a partir de Zurique, na Suíça, onde passou as semanas em que o mundo se fechou em casa, escreveu como vê o futuro de um dos setores que conhece bem, o do turismo.
- Vamos voltar a viajar mais de carro. Porquê? Porque vamos fazer viagens mais curtas, mais perto de casa, e porque nos sentimos mais seguros e mais autónomos no nosso carro.
- Vai haver menos companhias de aviação low cost. “Nunca ninguém ficou verdadeiramente entusiasmado por voar com a Ryannair ou Easyjet”, apenas eram um bom negócio. Agora será menos bom negócio e muitas destas low cost desaparecerão, prevê.
- Mas isso significa que há uma oportunidade para as companhias ditas de bandeira se reinventarem e ressurgirem. Com ajudas de Estado e como uma reconciliação com os seus concidadãos.
- Os transportes vão ter de reforçar cuidados de limpeza. Seja no comboio, no avião ou no autocarro, os passageiros vão estar mais atentos à higiene.
- Airbnb e plataformas semelhantes: uma grande incógnita, sobretudo com o tema da higiene na prioridade de quem viaja. Queremos ficar na casa de outras pessoas? Em que condições?
- Não colocar todos os ovos no mesmo cesto, a lição que operadores de hotéis e de viagens devem recordar. O turismo chinês, que representava já uma fatia dominante em vários mercados, não regressará aos mesmos níveis nos próximos tempos e a diversificação por vários mercados deverá ser a estratégia mais sensata.
- E o inverso também é verdade: os turistas ocidentais não estão ansiosos por ir ver a Grande Muralha da China e quem viaja em negócios vai avaliar que viagens precisa mesmo fazer, nomeadamente sabendo que passará muito mais tempo nos aeroportos em procedimentos de verificação sanitária.
- Os grandes eventos corporativos serão realizados mais perto dos países de origem de quem organiza, o que significa que para as empresas europeias, Europa será a opção mais natural.
Economia 90%
Este é o futuro que antevêem dois nomes da economia global e esta é a economia global como a vê a The Economist, que vale sempre o nosso tempo. A revista inglesa diz vamos assistir à “Economia 90%”, o que significa basicamente que, na melhor versão possível, o desempenho das economias será limitado a 90% do seu potencial, já que as medidas de distanciamento social irão capturar ou condicionar o restante. Quais as características desta economia 90%?
- é frágil porque o medo de uma nova vaga irá condicionar planeamento a um prazo alargado, logo investimentos maiores serão adiados
- é menos inovadora, porque para o The Economist essa é uma consequência de menos encontros e discussões olhos nos olhos
- é mais injusta, porque vai afetar mais quem já ganha menos; segundo um estudo de Oxford, os americanos que ganham menos de 20 mil dólares têm duas vezes mais possibilidades de ficar sem emprego do que os que ganham mais 80 mil dólares.
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