Miguel (nome fictício) sempre planeou ter filhos. Cedo encontrou uma pessoa por quem se apaixonou e com quem ainda vive, mas o facto de ser gay parecia afastar a hipótese da paternidade.

Hoje, com 33 anos, o lisboeta recorda os meses que passou em frente ao computador na esperança de descobrir uma solução.

“Encontrei empresas de barrigas de aluguer que trabalhavam com mulheres no Brasil e na Índia, mas os preços eram proibitivos para mim”, admite, lembrando que os processos podiam ficar entre 50 mil a 100 mil euros. Valores difíceis de alcançar quando se tem 29 anos.

Além disso, Miguel teria de se deslocar ao estrangeiro, mas os obstáculos nunca foram suficientes para o fazer desistir.

“Entrei em fóruns de mães para mães, ‘sites’ de grávidas, até que encontrei ‘links’ de mulheres que se ofereciam para serem barrigas de aluguer, mas era tudo muito escondido”, recorda.

Sabia que tinha optado por uma solução ilegal e o medo esteve sempre presente desde o primeiro dia que contactou a primeira mulher. “Uma pessoa nunca sabe se é mesmo alguém interessado em ser barriga de aluguer ou se é algum tipo de investigação para desmontar estes esquemas”.

Mesmo assim, o sonho de ser pai falou sempre mais alto. “Contactei várias mulheres, mas nenhuma me inspirava confiança”, conta, até que finalmente encontrou alguém em quem decidiu apostar o destino.

Depois de algumas conversas na ‘net’ combinaram um encontro numa esplanada de um café do Parque das Nações. Mesmo temendo tratar-se de uma cilada, Miguel encontrou-se com a mulher, que uns meses mais tarde também lhe confessou que esteve sempre receosa.

“Na altura colocámos os telemóveis em cima da mesa e ambos estávamos com medo que o outro estivesse a gravar a conversa”, recorda, agora sorridente.

Na sua cabeça o plano já estava todo delineado: iriam simular que eram um casal com problemas de fertilidade para conseguir fazer inseminação artificial.

Miguel daria 20 mil euros a Teresa (nome fictício) que, em troca, lhe entregaria o filho e assinaria um acordo em que passava a guarda da criança para o pai.

Um hospital privado em Lisboa foi a escolha do casal. Depois das tradicionais consultas de ginecologia, seguiu-se um batalhão de exames que acabou por confirmar que nenhum tinha problemas de fertilidade.

No entanto, foram encaminhados para uma consulta de Procriação Medicamente Assistida (PMA).

Apesar de ter criado uma relação de amizade com Teresa, o sentimento de medo nunca desapareceu. Mas agora, o receio era que a amiga viesse a reclamar os direitos da criança.

Durante as várias tentativas de engravidar, Miguel viveu em grande ansiedade, um sentimento que só partilhava com o namorado. “Nunca ninguém soube de nada”, recorda, lembrando que nos seus planos os pais só seriam informados quando o projeto se concretizasse.

Até que uns meses mais tarde sentiu necessidade de desabafar e acabou por contar a um amigo, em quem confiava e sabia que não o iria julgar.

Teresa nunca conseguiu engravidar e Miguel acabou por desistir do processo. Três anos passados, mantém o sonho de ser pai, mas agora admite que poderá começar por adotar uma criança e, quando a situação financeira o permitir, recorrer a uma empresa de barrigas de aluguer, tal como fez um seu amigo, que vive na Holanda.

Curiosamente, os processos correram mais ao menos ao mesmo tempo e ambos em segredo. “Enquanto eu tentava ser pai em Portugal, ele contactou uma empresa, foi até aos Estados Unidos e teve um filho, que hoje tem três anos. Gastou 110 mil euros”, conta.

Em Portugal, as barrigas de aluguer são proibidas. Até há poucos dias era permitido apenas às mulheres que não podiam ter filhos, por ausência de útero, recorrer a uma gestante de substituição, mas nunca poderia haver dinheiro envolvido. A 24 de abril, a lei de gestação de substituição foi considerada inconstitucional.

Para Miguel, quando a lei de gestação de substituição entrou em vigor, há dois anos, “foi como ver uma luz ao fundo do túnel”.

“Sei que era só para mulheres sem útero, mas estas mudanças têm de começar sempre por algum lado. É uma evolução no meu país”, defende.

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