Muitos desejavam-no, mas nem tantos assim acreditavam nisso (eu inclusive). Dado o historial conservador da Academia, é estarrecedor que o filme “Parasitas” tenha tomado de assalto o Dolby Theatre, em Los Angeles, ontem à noite, arrecadando quatro Óscares quando apenas se esperava que recebesse o galardão de “Melhor Filme Internacional”.
Que o filme de Bong Joon-ho é extraordinário, poucos duvidam (e dos que discordam, suspeito, grande parte fá-lo porque não gosta da sua mensagem), mas a história do cinema é feita de outros filmes extraordinários que, por não terem produzidos e filmados nos Estados Unidos da América, foram deixados de parte, banidos para a categoria difusa do "Cinema Internacional".
Espera-se que a cerimónia de ontem à noite abra portas a toda uma dimensão cinematográfica que tende a ser continuamente ignorada. É possível que não, que seja uma manobra de marketing, apenas um logro para acalmar os ânimos daqueles pediam por mais variedade e representatividade. Mas mesmo que esse pior cenário se confirme, o triunfo a estes “Parasitas” ninguém tira.
Sim, o título deste texto é uma referência direta à obra literária “Triunfo dos Porcos”, de George Orwell, a famosa alegoria anti-Estalinista publicada em 1947, mas não porque este filme partilhe necessariamente da sua mensagem. É porque a vitória deste filme não é só uma vitória para a Coreia do Sul, para o cinema legendado ou para os cinéfilos de gosto mais “independente”. É, também ela, uma vitória política, porque reafirma o cinema como uma linguagem de urgência para colocar questões e discursos de teor social, económico e cultural em cima da mesa, tendo agora essa potencialidade sido (re)amplificada pela conquista nos Óscares.
Não é que o cinema tenha de ser necessariamente didático — não só ninguém quer ir para uma sala levar um sermão durante duas horas, como não há nada de mal com a ideia de um filme como puro escape. Mas “Parasitas” foi a confluência dessas duas ideias: entretém e provoca o pensamento. É também por isso que, fazendo uso das palavras de Abílio dos Reis, “o cinema ganhou” com esta vitória.
(Num aparte, “1917” também podia ter ganho e Francisco Sena Santos explica eximiamente porquê aqui).
Infelizmente, falando de organismos parasitários, há os de uma outra ordem que também vão triunfando, contra todos os esforços das entidades internacionais.
A epidemia causada pelo Coronavírus voltou a agravar o número de vítimas mortais na China, isto depois de ter aparentado começar a diminuir de intensidade durante o fim de semana. Um aumento de 97 casos situou o balanço em 908 mortos, numa fase em que as baixas não são apenas humanas, como também económicas: o prejuízo causado pela pneumonia viral já está avaliado em mais de 130 mil milhões de euros na China e os temores de uma potencial recessão causada pela retração do gigante asiático vão aumentando.
Por cá, o nosso país parece continuar a ser poupado à chegada deste vírus. Enquanto estas linhas vão tomando forma, aguarda-se os resultados das análises ao segundo de dois casos suspeitos hoje anunciados pela Direção-Geral de Saúde, sendo que o primeiro já resultou em negativo.
Se em Portugal a situação aparenta estar calma, no plano global, redobram-se os esforços para conter a epidemia. Amanhã começa o fórum internacional promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em colaboração com a Global Research Collaboration for Infectious Disease Preparedness (Colaboração Global de Pesquisa para a Preparação para Doenças Infecciosas).
Cientistas de todo o mundo, incluindo da China, bem como representantes de agências de saúde pública, ministérios da saúde e financiadores de investigação, vão reunir-se para debater o surto do novo coronavírus, com o objetivo de definir as prioridades a nível de investigação, desenvolvimento de vacinas e tratamentos.
Projetando temas mais inspiradores para o amanhã que vai raiar, no Porto vai ser apresentada a programação comemorativa do centenário do Teatro Nacional São João (TNSJ), uma instituição que merece tanto celebrar quanto preservar. A apresentação vai contar com a presença de Pedro Sobrado, presidente do Conselho de Administração do TNSJ, e de Nuno Cardoso, diretor artístico da instituição.
E já que falamos em cultura, eis três sugestões para amanhã:
- No Porto, os Ride fazem o seu regresso a Portugal, com um concerto no Hard Club. A banda inglesa liderada por Mark Gardener e Andy Bell apresenta o seu último trabalho, "This is Not A Safe Place".
- Em Lisboa, dá-se a inauguração das exposições "Melancolia Programada" e "Unharias Ratóricas", no MAAT. A primeira é da autoria de Gabriel Abrantes e tem curadoria de Inês Grosso; já a segunda, da autoria da dupla Von Calhau!, tem curadoria de Doxamitrax.
- Concomitante ao projeto de renovação à Praça de Espanha, a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu renovar o seu jardim. No total, foram 12 as propostas de arquitetura apresentadas no concurso de ideias. A proposta vencedora – do arquiteto japonês Kengo Kuma, em associação com o arquiteto paisagista libanês Vladimir Djurovic – vai estar patente no Galeria do Piso Inferior do Edifício Sede, tal como as outras 11.
O meu nome é António Moura dos Santos e hoje o dia foi assim
Comentários